
Em nossos relacionamentos, precisamos sempre expressar o que sentimos?
Por Myrna E. C. Coelho Matos – Psicóloga Clínica e coordenadora do IACEP-Ribeirão Preto
Todos nós sabemos o quão importante é exercer uma boa comunicação para que possamos expressar nossas idéias, pensamentos, sentimentos, sonhos e propósitos, de forma adequada e efetiva. Neste artigo, gostaria de discutir um tipo muito especial de comunicação: a comunicação não verbal. Deixando de lado alguns conceitos teóricos relacionados a este tipo de comunicação, é suficiente que a associemos, neste artigo, a todo comportamento que não envolva palavra escrita ou falada, expressando-se por movimentos faciais, corporais, gestos, olhares, entonação de voz etc.
Por meio dessas diferentes formas de expressão, somos capazes de transmitir pensamentos e sentimentos, sem mesmo usar uma única palavra. Quem já não ouviu frases como essas: Pela cara dela, vi que estava muito mau humorada/ ele demonstrou preocupação no olhar. Precisamos nos conscientizar que sempre estamos passando alguma mensagem para o outro, que, por sua vez, reage ao nosso comportamento e faz com que sejamos afetados por sua reação. Assim, dependendo da forma como nos comunicamos, podemos dar espaço para que apareçam muitos ruídos em nossa comunicação, principalmente quando nossa boca fala uma coisa, mas nossas expressões dizem outra, podendo gerar consequências inesperadas e até desastrosas em nossos relacionamentos.
Mas será que, independente da situação, devemos sempre transparecer publicamente o que estamos sentindo? Se nos basearmos no princípio de que temos que ser sempre transparentes em nossa comunicação, parece que a resposta mais adequada seja o “sim”, pois estaríamos agindo de forma transparente e verdadeira e, portanto, estaríamos, aparentemente, agindo sempre em favor do outro. No entanto, a resposta a essa pergunta é mais complexa e merece uma reflexão mais profunda, o que nos leva a uma segunda pergunta: o que torno público deve estar em congruência com meu mundo privado?
Entendo que a resposta para esta segunda pergunta, assim como na primeira, não pode ser tachativa, devendo ser consideradas as intenções e o contexto no qual cada comunicação ocorre. Assim, penso que a resposta poderia ser ‘sim” para as situações em que desejamos que o outro perceba e entenda nossos sentimentos e pensamentos. Neste caso, precisamos prestar atenção se nossos gestos e expressões estão colaborando para que a mensagem seja passada corretamente. Vejamos um exemplo: imagine que uma mulher esteja buscando relatar para seu marido algo muito importante sobre si mesma. Enquanto isso, o mesmo mantém os olhos voltados fixamente para o computador ou celular. Na sua opinião, como a esposa se sentirá? Mesmo que o marido esteja verdadeiramente interessado e consiga prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo, provavelmente passará uma mensagem de desinteresse em relação à fala dela, o que, provalmente, a fará reagir de forma negativa ao comportamento do marido. No entanto, se o marido deseja passar a mensagem de que está realmente interessado no que a sua esposa tem a lhe falar, então, ele precisa confirmar isso, por exemplo, mantendo contato visual com ela e meneando a cabeça em sinal de atenção.
Agora, analisando uma outra situação, imagine que um casal, momentos antes de ir a uma festa da familia, tem um sério desentendimento e, mesmo assim, optam por ir a festa. Visualizem a esposa ainda magoada e contrariada, demonstrando a todos os familiares o quão brava e magoada está com ele. Não parece que a atitude dela seja a mais adequada neste contexto, não é? No mínimo, isso poderia impactar negativamente ou até comprometer totalmente o clima festivo e harmônico presente naquela festa familiar, concorda? Se o problema é com o marido, o mais adequado seria que ela buscasse resolver esta situação de conflito apenas com ele e, num momento oportuno. Neste caso, o fato da mulher ter sido transparente quanto aos seus sentimentos não age em favor do outro e nem dela mesma. Esse exemplo nos mostra que nem sempre precisamos comunicar ao mundo o que estamos sentindo e precisamos ter o mínimo de controle emocional. Precisamos discernir o comportamento mais apropriado para o contexto em que estamos e a nossa autoconsciência e leitura de ambiente pode nos ajudar muito nessa tarefa.
Finalizo este artigo, deixando claro que o fato de nos policiarmos em relação às nossas expressões não deve ser confundido com atitudes de superficialidade ou falsidade em nossas relações sociais. Na verdade, é totalmente o oposto. Quando entendemos que o efeito do nosso comportamento sobre o outro é mais importante do que a nossa necessidade individual de expressar imediatamente nossos sentimentos, estaremos nos dispondo a preservar nossos relacionamentos de mais problemas e confusões, compreendendo que, mesmo em nossa comunicação não verbal, há tempo de falar e tempo de calar.