
Os pesos inúteis que não precisamos carregar
Por Myrna E. C. Coelho Matos – Psicóloga Clínica e coordenadora do IACEP-Ribeirão Preto
Ultimamente, tenho refletido muito sobre os diversos pesos inúteis que carregamos durante o trancorrer de nossas vidas. Todos nós já vivenciamos lutas e dificuldades reais que não nos deixaram outra alternativa, a não ser unir todas as nossas forças para enfrentá-las, suportá-las e, principalmente, superá-las. Entretanto, vejo que muitos de nossos sofrimentos e dificuldades não são originados por situações ou acontecimentos externos, mas são produzidos por nós mesmos, fixando-se em nosso corpo e em nosso coração como fardos inúteis, sugando nossas forças e até nos imobilizando diante de algumas situações. Nossrat Peseschkian, em seu livro “O Mercador e o Papagaio”, narra uma história persa
...a respeito de um andarilho que caminhava penosamente ao longo de uma estrada que parecia interminavelmente longa. Ele estava oprimido por fardos de todo tipo. Um pesado saco de areia pendurado nas costas; uma grossa mangueira cheia de água enrolada em seu corpo. Em sua mão direita, levava uma pedra de formato irregular, na esquerda, um matacão. Em volta do pescoço, uma antiga pedra de moinho balançava amarrada por uma corda gasta. Correntes enferrujadas, com as quais arrastava grandes pesos pela areia empoeirada, estavam enroladas em seus tornozelos. Sobre a cabeça, o homem equilibrava uma abóbora meio podre. A cada passo que dava, as correntes retiniam. Com queixumes e gemidos, ele avançava passo a passo, maldizendo sua má sorte e a fadiga que o atormentavam.
Um fazendeiro encontrou-se com ele no caminho, sob o escaldante calor do meio-dia. Perguntou o fazendeiro: “Ó, exausto andarilho, por que carregas contigo esse matacão? Que terrível pateta.” Respondeu o andarilho: “Mas eu não havia reparado nele antes”. Dito isso, jogou fora a pedra e sentiu-se muito mais leve.
Novamente, depois de ter percorrido um longo trecho da estrada, outro fazendeiro encontrou-se com ele e perguntou: “Diz-me, cansado viajante, por que te atormentas com uma abóbora quase podre na cabeça e por que arrastas atrás de ti aquelas pesadas bolas de ferro presas por grilhões?”.
O andarilho contestou: “estou muito grato por tu me teres feito perceber. Eu não me havia dado conta do que estava fazendo a mim mesmo”. Assim, retirou as correntes e arrebentou a abóbora na valeta que margeava a estrada. Outra vez, sentiu-se aliviado. Porém, quanto mais caminhava, mais voltava a sofrer.
Outro fazendeiro, saindo do campo, observou-o com espanto e disse: “ó, meu bom homem! Tu carregas areia no saco, mas o que teus olhos podem ver até o horizonte é mais areia do que tu poderias jamais carregar. E essa tua enorme mangueira cheia d´água – parece que desejas atravessar o deserto de Kanvir! A todo momento encontrarás, correndo ao teu lado, uma vertente límpida que te acompanhará por um longo percurso”.
Ao escutar isso, o viajante rompeu a mangueira e derramou sua água salobrada sobre o caminho. Depois, cobriu um buraco com a areia de sua mochila. Então, permaneceu ali, pensativo, enquanto observava o sol poente. Os últimos raios emitiam sobre ele sua luz. Ele, então, lançou os olhos sobre si próprio e, reparando na pesada pedra de moinho pendurada em seu pescoço, subitamente percebeu ser ela o que fazia ainda andar assim tão curvado. Desvencilhou-se da pedra e a jogou tão longe quanto pôde dentro do rio. Liberto de suas cargas, perambulou adiante, no fresco entardecer, em busca de alojamento.
Creio que, após refletir sobre esta história, seria importante que você perguntasse a si mesmo: quais são os pesos desnecessários que estou carregando e que tornam minha vida mais pesada, difícil ou complicada? Talvez o seu peso seja o vício, o consumismo, a dificuldade em dizer não, os ressentimentos, o apego ao passado, a mania de perfeição, a dificuldade de pedir ajuda ou mesmo de pedir perdão. Talvez você seja aquela pessoa que ainda não percebeu claramente os fardos que carrega e que fazem com que seu corpo mantenha-se constantemente curvado para a vida. Assim como o andarilho da história, seria importante que, em algum momento, você pudesse lançar os olhos sobre si mesmo para identificar as coisas que tornam a sua vida tão pesada e que devem ser descartadas pelo caminho, pois, em nossa caminhada por desertos, vales e montes, nem sempre teremos a chance de cruzarmos com pessoas que se atentem às nossas dificuldades e se empenhem em nos alertar sobre os pesos inúteis que carregamos.
Termino este artigo, desejando que você realmente consiga reconhecer e se desvencilhar das cargas que atrapanham o seu caminhar e, assim, tornando-se mais leve e aliviado, possa contemplar o real frescor de um belo entardecer.