Compilados de O Paraíso são os outros - Valter Hugo Mãe

Compilados de O Paraíso são os outros - Valter Hugo Mãe

Reler Valter Hugo Mãe nestes dias difíceis é como acalentar a alma e o coração.

Na primeira vez que li este livro estava com um olhar direcionado para alguns significados, hoje, relendo, enxerguei outros.

Alguns trechos desta segunda leitura me fizeram pensar na crise atual em que estamos vivendo.
O primeiro, vem como uma avalanche que destrói quase tudo o que se havia construído ou estava em construção, os planos, os sonhos, o que estava posto:

“A esperança parece inventada pela espera. Eu não sei esperar. Todos os dias me assusto por não ter esperança. Quero muito ter.”

Não ter esperança assusta, ela é um dos maiores combustíveis que nos guiam, mas, também sei, que momentos de caos podem realizar movimentos de total reconstrução, e de certa forma, consigo com um pouco de esforço, pensar que os beija-flores que estão vindo à minha janela com mais frequência, e os bem-te-vis que tenho ouvido cantar não podem ser fruto de mera coincidência.

“Acho que invento a felicidade para compor todas as coisas e não haver preocupações desnecessárias. E inventar algo bom é melhor que aceitarmos como definitiva uma qualquer realidade má. A felicidade também é estarmos preocupados só com aquilo que é importante. O importante é desenvolvermos coisas boas, das de pensar, sentir ou fazer”.

A angústia e o luto antecipado que a crise nos desperta deve ficar por um tempo em nossas vidas, e é preciso e importante que isso aconteça. Precisamos sofrer a dor. Sem saber como ela é não poderemos inventar de novo a felicidade.

Estamos confinados, em nossas casas, sozinhos, ou com algumas pessoas, mas que não têm acesso ao nosso mundo interno, e cada um está tentando sobreviver ao que sente.

Não sei se mais difícil ou não, é o isolamento. Não poder ter contato com as pessoas que amamos e que queríamos ter por perto. Provavelmente, seria mais fácil passar por isso em um encontro em família, em uma reunião com todos juntos, num churrasco com amigos, mas não podemos. Isolar neste momento, é cuidar. Cuidar do outro e cuidar de nós.

Escrevendo este texto e tentando digerir o que está passando aqui dentro, faço um movimento de olhar para a minha desesperança, solitária e devagarinho garimpar pequenas partículas de lições. Ainda que muito pequenas.

Mas, diante de tantos sentimentos e sensações, enfatizo que este final está dentro de mim:

“Estou cada vez mais certa de que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos. Li só isso: o paraíso são os outros. A nossa felicidade dependendo alguém. Eu compreendo bem”.

“Mães, pais, filhos, outra família e amigos, todas as pessoas são a felicidade de alguém, porque a solidão é uma perda de sentido que faz pouca coisa valer a pena”.

Solidão, medo, saudade, quantos sentimentos estamos reaprendendo a sentir. Talvez eles estiveram tão adormecidos que o oposto deles, não eram valorizados. E as pessoas também.

Que devagarinho os beija-flores e bem-te-vis possam voltar a nos tocar com sua presença e canto. Pode ser que a mudança do movimento externo, diminuição de poluição, barulho, aglomerações, estejam trazendo-os de volta, mas, também, pode ser que não os ouvíamos mais.

 

 

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