Aposentadoria

Aposentadoria

   Ele já não aguentava mais aquela vida de professor. Todos os dias, às 7 horas da manhã entrava em uma das salas de aula do colégio. Estava próximo de aposentar-se e  ansioso para isso acontecer! Como seria bom quando pudesse sair lentamente da cama às 9 horas da manhã, escovar os dentes, fazer a barba sossegado! Fazer a barba todos os dias? Para que fazer isso? Faria a barba duas vezes por semana!  Como seria bom ajudar a mulher a fazer o café e conversar com os filhos logo pela manhã! Que sonho lindo teria ao  acordar todos os dias, sem nenhum pesadelo!

  Certa manhã, ao chegar à escola foi recepcionado pela secretária.  Ela disse-lhe  que daquele dia em diante não precisaria mais ir à escola! As férias haviam sido concedidas!

   Que glória! Que maravilha! Pegou seus apetrechos no armário e saiu quase correndo! Queria contar para a mulher e para os filhos: até que enfim estava livre para conversar com eles sem correria!  Abaixou o trinco da porta e ela não abriu! Estava trancada! Retirou a chave do bolso e abriu-a! Onde estavam todos? Correu para a cozinha, para os quartos, para os banheiros! Encontrou tudo deserto! Ah! Como poderia ter se esquecido! A mulher já havia ido para o trabalho e os filhos para a escola! Caiu em si! Claro que sabia que a mulher trabalhava e os filhos estudavam!

  Tudo bem! Sentou-se no sofá diante da televisão e ligou-a.  Foi mudando de canal: desenho em um, receitas de cosméticos em outro, de comida em outro, as notícias que havia ouvido no dia anterior, antes de se deitar e as explicações inexplicáveis de políticos enroscados com a justiça em outros. Puxa! Nada novo! Foi para a sacada do apartamento. Olhou a rua: transeuntes e carros passavam a grande velocidade! Parecia que todos corriam para o mesmo lugar!  A brisa da manhã penteava-lhe os cabelos que já estavam ficando grisalhos e o sol refletia intensamente no seu rosto! Sentiu-se feliz! A decepção de não se encontrar com a família foi compensada por aqueles momentos de alegria!  Ah! Como era bom ter todo o tempo do mundo para poder parar, respirar fundo, ter o prazer de ver com vagar o tempo passar!  Olhou para o relógio! Uma hora havia se passado e ele de pé curvado sobre o parapeito da sacada sentiu vontade de sentar. Pegou uma cadeira na sala e sentou-se junto ao parapeito da sacada: carros continuavam passando, pessoas, idem, um catador de papel parou sua carroça ao lado da lixeira do prédio e levou o que podia levar! Puxa! Como esse magrelo consegue puxar peso tão grande? A força gasta pelo catador de papel fê-lo cansar! Entrou para a sala e atirou-se sobre o sofá! Ah! Como era bom atirar-se sobre o sofá! Há quanto tempo não fazia isso? Aos sábados e domingos tinha de cuidar dos afazeres da família que não podia cuidar durante os dias de trabalho.  Colocou uma almofada sob a cabeça, outra sob os pés, tirou a dos pés e colocou-a sob os joelhos (acabara de se lembrar do ortopedista que lhe havia recomendado essa postura! Virou-se de um lado para outro, sentiu uma dorzinha na coluna, levantou-se, foi para a sacada, as pessoas e os carros continuavam passando, estava tudo igual, foi para a cozinha, o café já estava frio. Requentou-o. Ah! Como era bom tomar aquele café feito em casa, mesmo que fosse requentado!  Tomou uma xícara, depois outra! Sentiu-se agitado, nunca havia tomado duas xícaras de café seguidamente! Olhou para o relógio: 10 horas da manhã!  Resolveu sair do apartamento!

  Saiu, iria ao bar da esquina! Ah! Como era bom ir ao bar da esquina às 10 horas da manhã!  Nunca havia feito, isso nos dias de trabalho!  Entrou no bar, o dono do bar ressonava! Saiu! Daria algumas voltas pelas ruas!  Deveria encontrar-se com muitos amigos como acontecia aos domingos!  Andou dois, três, quatro, cinco quarteirões! Não encontrou nenhum amigo dos dias de domingo! Os carros continuavam passando! As pessoas continuavam passando!  Ninguém olhava para ele! Umas olhavam para o relógio, outras para o celular, outras olhavam para o trânsito para cruzarem a rua!  Chegou à praça e sentou-se no banco do jardim! Ah! Há quanto tempo não fazia isso!  Ficou assustado quando em menos de 10 minutos passaram três pessoas pedindo-lhe dinheiro! Ele não havia levado dinheiro! Logo viu que eram vagabundos exploradores da boa fé humana!  Irritou-se! Levantou-se e caminhou rapidamente para  casa!

A casa continuava vazia! O bule de café continuava sobre o fogão! A televisão passava desenhos e programas repetidos! Ora por outra falava das falcatruas dos políticos. Foi para a sacada! Os carros continuavam passando, as pessoas continuavam passando, os falsos mendigos continuavam enganando o povo! Desceu de novo e procurou pelo jornal da cidade: precisava arrumar um novo emprego! 

Compartilhar: