Fábula 1

Fábula 1

 

Hoje vou lhes contar a fábula do galo e do garnisé.

Garnisé era um galinho metido a besta que queria comandar o galinheiro onde viviam centenas de galinhas, frangos, frangas e o chefe do terreiro, o galo.

Garnisé era um galinho pequenino, pernas curtas, unhas meio encravadas, asas encolhidas, pescoço pequeno, crista atrofiada e descolorida, bico marrom com cara de sujo e voz esganiçada que perturbava todo o terreiro, inclusive o galo chefe. Este, entretanto, nunca se importava com as bravatas do galinho que queria aparecer de qualquer maneira. Era notório que garnisé nunca se contentara com o que era e com o que gostaria de alcançar. Cultivava dentro de si um sentimento de revolta contra si e contra os pais que o fizeram tão pequeno, feio e sem valor. Apesar desse sentimento, fazia de tudo e brigava barulhentamente pelo poder. Queria derrubar o galo chefe do poder e tudo fazia para isso acontecer. Sempre quis comandar o terreiro, mas isso nunca aconteceu porque o galo chefe, que tinha todo apoio do terreiro, não deixava.

    O chefe era um galo alto, esbelto, pernalta, elegante, de asas grandes e coloridas, pescoço comprido e multicolorido, cauda abundante e colorida de preto e vermelho, de crista carnuda, bico comprido e colorido de preto e vermelho que brilhava aos raios do sol nascente, assim como o pescoço e a crista.  Isso fazia o garnisé morrer de inveja. Além disso, a voz dele era altissonante e ultrapassava os limites do terreiro. Quando cantava, as galinhas, frangos e frangas paravam de ciscar, levantavam a cabeça e ficavam em silêncio para ouvi-lo. Os pássaros do entorno se calavam. Todos o consideravam o rei do terreiro e o encantador da região!

        Com exceção do garnisé, todo rebanho galináceo, o adorava e batia as asas quando ele parava de cantar.

        Quando ele passeava pelo terreiro, todos caminhavam ao lado dele! Era um verdadeiro líder, um ídolo, como muitos o chamavam. Se fosse no meio indígena, certamente os índios chamá-lo-iam de “grande chefe”! Era, realmente um galo de estirpe, importante, nobre e belo! Gostava de brincar com os súditos galináceos e era amigo de todos.

         Certo dia, ao falar em brincadeira, que estava pensando em aposentar-se, a turma não aprovou a ideia e disse-lhe que deveria continuar por mais alguns anos porque iria demorar muito tempo para aparecer outro para ocupar o seu lugar! Ele era brincalhão e gostava de brincar com o humor dos componentes do seu terreiro e dos bichos que gostavam dele e viviam no entorno.

   Era um galo feliz e amava o seu posto junto aos seus e o seu local de viver! Sabia, entretanto, que em algum dia deveria passar a sua chefia para alguém ocupar o seu lugar, mas queria um galo à sua altura de tamanho, responsabilidade, honestidade, o mesmo jeito de cantar e dar a mesma confiança que ele dava aos que o seguiam. Era feliz, era um líder e tudo fazia para proteger a sua galinhada. Estava sempre alerta e pronto para revidar provocação de algum irresponsável, se aparecesse. Era um esportista destinado a desafios! Era o chefe do terreiro!

    O galinho garnisé, coitado, apesar de nunca chegar ao que queria ser, sofria seus achaques de loucura e frequentemente se punha em posição ridícula de falso heroi, cujo comportamento não agradava a ninguém, talvez, nem a ele. Não se podia, entretanto, esquecer o esforço que fazia para atingir o que pretendia. Fazia exercícios, subia e descia de pedras e paus caídos no terreiro, tentava engrossar a voz, esticar as pernas, fazer polimento em suas penas, mas não conseguia nada e não convencia ninguém. Ao não encontrar resolução para os seus propósitos, resolveu atacar mudar de tática. Com muito esforço colocou a ponta de um galho caído sobre uma grande pedra, passou a subir quase todos os dias naquela pedra e de lá atacava o galo chefe, ao inventar mentiras e mais mentiras contra ele para ver se alguém acreditava.  Ninguém acreditou porque conheciam o passado e o presente dele. Com o passar do tempo, de tanto subir e descer da pedra, e sofrer descargas de adrenalina foi-se consumindo e até a voz esganiçada que tinha foi ficando difícil de sair de sua garganta.

   Certo dia, uma galinha mais velha, compadecendo-se dele, chamou-o no fundo do terreiro e disse-lhe para se poupar porque aquele comportamento tempestivo que adotara não iria ajudá-lo em nada.

   Ele não aceitou o conselho, quis se superar, passou a ser mais agressivo que antes, começou a bicar as patas das galinhas que tinha três vezes o seu tamanho e o seu peso. Outras galinhas que estavam por perto, avançaram sobre ele, deram-lhe uma histórica surra de bicadas e unhadas, pegaram-no com seus bicos fortes e o atiraram sobre a cerca para fora do terreiro. Do lado de fora da cerca ele saiu andando lentamente e com dificuldade com uma das asas meio caída e desapareceu.

    Até hoje a história desse falso heroizinho de meia pataca é comentado pelas galinhas quando, nos fins de semana, contam histórias para os seus filhotes.

 

                                                                                                   Nelson Jacintho

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