Jecas do Brasil

Jecas do Brasil

 

        Parece piada de mau gosto dizer isso, mas é a pura verdade. Quando vemos, e nós, literalmente vemos, pelo fato de sermos médicos, as filas quilométricas que se estendem nos postos, ditos de saúde, quando deveriam ser chamados postos de doença, ficamos tristes. Quando vemos as campanhas dos políticos, ficamos irritados. Quando verificamos que todas as promessas que foram feitas antes das eleições, foram imediatamente esquecidas, ficamos furiosos. Sabemos que o povo brasileiro, já foi chamado centenas de vezes de carneirinho, de atrasado, de indolente. Na época das grandes verminoses, quando o nosso caboclo, que mal ganhava para comer, era escravizado pelo patrão e tudo o que ganhava deixava no armazém da fazenda, a imagem conhecida por todos era a imagem do Jeca-tatu, aquele sujeito esquelético, anêmico, sentado à beira do rancho de pau-a- pique, rancho  cujas paredes eram construídas por taquaras  e barro amassado com estrume de gado, para dar liga. Jeca era a imagem da desnutrição, do desânimo, da falta de vontade para trabalhar, para progredir, porque, apesar de morar na terra em que tudo dá, não tinha saúde, nem ânimo para plantar e desfrutar daquilo que plantava. Por outro lado a terra não era sua e os grandes latifúndios, sequer lhe davam  oportunidade  de ter alguns palmos de terra para que ele plantasse  o seu alimento. Jeca-tatu, o tão comentado preguiçoso, não o era, ele era, apenas, doente, a verminose lhe corroia o sangue, as forças, a vontade de trabalhar e, até, de viver. A imagem do jeca magricela, sentado em um toco, à porta do rancho de sapé, era a imagem da miséria! Os mais velhos que acompanhavam a evolução do país, certamente não o esqueceram! Hoje não vemos o Jeca sentado à beira do seu rancho de sapé!  Hoje vemos muitos Jecas sentados, ou deitados, ou caídos às portas dos Postos de Saúde, aguardando que alguém piedoso lhe dê atendimento médico para poder sobreviver. Hoje os jecas têm outros nomes! São chamados de homens de rua, de sem família,  de sem tetos, de desempregados, de viciados em drogas, que matam e roubam para poder sobreviver! Mudou a cara do Jeca, mudou o lugar onde ele lastima a  sorte, mudou a riqueza do país e do mundo, mudaram as teorias políticas, mudaram as ações de políticos e de autoridades, mudou a medicina,  os medicamentos, os meios de diagnóstico, o número de médicos, mas os Jecas, coitados deles,  continuam sentados esperando por um milagre que os venha socorrer, embora, sem nenhuma esperança, como aquele Jeca do começo do século passado, atacado pela verminose que lhe corroia os intestinos, a vontade de trabalhar e de viver. Que Brasil é este, que apesar  de tanta propaganda de riqueza nos jornais, nas televisões e em toda a mídia, continua semeando jecas por todos os cantos? Estamos às vésperas de eleições! Será que ouviremos algum candidato falar sobre tantos jecas modernos que tomaram conta do Brasil?

 

Compartilhar: