O caboclo...

O caboclo...

 

       O caboclo acompanha o gado pela estrada íngreme e tortuosa que lá no alto passa ao lado da igreja, na verdade pouco mais de uma capela  rural no alto do morro quieto e sonolento. O gado segue lento a ruminar o capim que amealhou no dia anterior  e que não teve tempo de ser ruminado durante a noite. Montado no seu cavalo magro e cansado, o caboclo, sempre quieto, parece ruminar as lembranças de um passado distante de seu tempo de criança e de um futuro incerto. Gado e cavalo sobem o morro com o mesmo passo, a mesma lentidão, talvez a mesma tristeza.

  A subida aumenta a lentidão do gado e do cavalo, talvez até dos sonhos do caboclo, cuja mente também viaja devagar.

   Acaba de amanhecer, mas o sol ainda não saiu debaixo das cobertas da noite fria do tempo de inverno. A brisa é fria. A camisa de mangas curtas do vaqueiro o incentiva a esfregar as mãos pelos braços magros e desnudos para espantar o frio.  Pedras soltas pelo caminho e outras prestes a saltar dos barrancos altos ameaçam os cascos do gado e do cavalo lerdo.  Alguém aparece à janela de uma casa antiga para saudar e aquecer o coração desvalido do viandante solitário. A casa centenária mostra os sinais dos anos: paredes com reboco carcomido, telhado remendado, janelas com falta de vidros. O beiral é largo, como eram os beirais antigos,  e recorda o tempo em que   protegia do sol e da  chuva viajantes que por ali passavam. Tudo é velho, menos aquela donzela que todas as manhãs, aparece à janela para saudá-lo! O caboclo olha para a moça que o cumprimenta e tenta sorrir. Ela sorri! Quem sabe naqueles sorrisos esteja aparecendo um futuro para os dois!

   A capela  no alto do morro contempla a imensidão do espaço e das baixadas ainda cor de cinzas, pintadas pela bruma da manhã, enquanto aguarda calmamente o padre e os fiéis que todos os domingos ali comparecem para cumprir suas obrigações religiosas ao participar da missa. Aos domingos a vida tenta  ressurgir com algum entusiasmo  e  alegria!  A alma das pessoas alegra-se ao participar da missa pela manhã quando a fé e a esperança são renovadas e o conforto espiritual é-lhe fornecido!   Ainda é cedo!  O padre vai demorar a chegar. O caboclo sabe que o caminho da vida é tão íngreme quanto aquele que o leva em direção à igreja, mas isso não o desanima! A caminhada em direção a ela, apesar de ser cansativa, é reconfortadora e vale a pena ser mantida!     

   Após soltar o gado no pasto, ele sobe um pouco mais  o morro até à igrejaa! Amarra o cavalo debaixo de uma árvore, passa uma das mãos sobre o pescoço dele, repetindo seu velho jeito de lhe demonstrar carinho! O cavalo relincha ao receber o afago. Aquele afago é quase uma oração! O caboclo entra  na capela, centro de estímulo de sua religião e de sua vida! Ali ele vai encontrar-se com Deus!  Ajoelha-se frente ao altar e começa a orar. Ora por ele, pelos seus animais e até por aquela donzela que há pouco o havia cumprimentado. Estava concentrado em suas preces, quando depois de alguns minutos, assustou-se ao ver ao seu lado a referida donzela que rezava ao lado dele. Após a missa,depois de breve diálogo, saíram da igreja! Estavam de mãos dadas e sorriam! Sorriam como se nunca houvessem sorriso na vida!

   O homem do campo parece ser rude e rústico ao observarmos seu corpo, principalmente suas mãos! Podemos pensar que ele não tem amor, religião, meiguice! Precisamos, entretanto, observá-lo de maneira diferente! Observar com vagar o que se passa dentro de sua alma! Somente quem convive com ele é capaz de aquilatar a grandeza e a nobreza daquelas mãos rústicas, porém daquela alma quase santa!

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