O velho e a praça

O velho e a praça

Sentado debaixo de um caramanchão

no banco tosco de pequena praça,

ele pensa a vida...

Crianças pobres correm a céu aberto,

ora cantando, ora chorando,

ora gritando ao subirem e desceram

os degraus carcomidos  da escada

da velha igreja...

Ele, com cigarro na mão,

velho hábito que ganhou na adolescência,

com as unhas dos dois primeiros dedos

queimadas pelos cigarros e pelo tempo,

tem dificuldade de segurar, nos dedos

tortos e nos lábios trêmulos,

o derradeiro pedaço do cigarro,

que consome e que o consome internamente...

Olha para os pés nas alpargatas rasgadas

e os vê rechonchudos de edema

pelas falhas do coração, e

com rachaduras  provocadas pela terra

e pelo tempo...

Olha para os joelhos rígidos pelos

traumas e pela artrose e evita movê-los

porque já foram condenados

pelo tribunal da dor...

Tenta levantar a cabeça para ouvir melhor

o sabiá que canta sobre a grande paineira,

mas a rigidez da musculatura e dos anos,

mantêm presos os antigos movimentos...

Ele somente pode olhar para frente

e para trás!  Para o futuro e para o passado,

para dentro e para fora de sua alma,

alma cansada que viveu de muita esperança,

mas, que agora se contenta em conviver com a paz...

Apesar de tudo, ele consegue ver ascrianças

correrem pela praça, à procura da felicidade!

Ele contenta-se com isso porque volta

aos seus longínquos  dias de  meninice,

com aquele sorriso triste de menino pobre,

quase faminto, quando quase tudo lhe faltava,

menos a esperança de vencer...

Lembrou-se de quando vivia driblando as pedras do caminho

que o levava à velha escola da fazenda

onde morava. Lembrou-se que conseguiu seguir em frente,

apesar das unhas arrancadas pelos tropeções

nas pedras  e dos  ferimentos dos espinhos  impiedosos

que lhe perfuravam as solas dos pés

tentando impedir o seu caminhar...

Conseguiu sobreviver, apesar dos

cachorros loucos do mês de agosto, das vacas

recém-paridas enciumadas de seus filhotes,

que encontrava pelas estradas...

Conseguiu seguir, apesar das chuvas

e das trovoadas de dezembro, dos riachos

transbordantes e das estradas barrentas

que sujaram sua roupa e sua alva  alma de criança

quase inocente, por falta de idade e

de sabedoria...

Ao olhar para as crianças atuais da praça

e da antiga de seu pensamento,

teve vontade de sorrir e de chorar...

Os lábios se abriram trêmulos, com alguma felicidade,

enquanto os olhos  deixaram escapar

uma pequena lágrima de saudade do

seu passado sofrido, mas nunca esquecido...

 

Um velho amigo que sempre vinha encontrá-lo

na praça, assustou-se ao vê-lo quedo e imóvel,

sem o tremor dos lábios e dos dedos,

sem o olhar triste que olhava as crianças que brincavam,

sem ouvir o amigo sabiá que vinha saudá-lo

todos os dias, no alto da paineira florida e perfumada...

 

As crianças continuavam correndo e gritando

na singela praça! O sabiá continuava cantando

no alto da paineira, agora mais florida,

mas a alma do velho  estava ausente...

Ela havia viajado para longe, 

para muito longe,

para nunca mais voltar...

 

Como o velho da praça,

Assim foi o ano velho! Viu crianças chorando e gritando,

Viu sabiás cantando, viu a chuva e a tempestade,

viu os lábios e os dedos trêmulos dos idosos,

viu a lágrima escorrer pelo rosto da saudade!

Viu que o seu tempo já havia se acabado!

Já era hora de partir!

Ele assim o fez sem chorar e sem sorrir

Com a felicidade da criança,

Deixando atrás de si,

Apenas a esperança...

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