Porque estudar...
Todos os dias a via passar à frente da loja onde ele trabalhava. Ele tinha 20 anos e ela deveria ter cerca de 16! Como ela era linda! Que rosto maravilhoso! Descobriu que ela estudava em um colégio na mesma rua da loja e voltava todos os dias após o meio dia! Que bom! Ela tinha um horário certo para voltar do estudo e passar à frente da loja! Ciente disso, todos os dias fazia o possível para vê-la passar! Ficava obervando a rua e às vezes apreensivo quando estava atendendo uma cliente e a via passar! Ai, meu Deus, por que esta cliente apareceu exatamente neste momento! Falava com seus botões!
Quando não estava atendendo, pegava algumas peças de tecidos, colocava-as sobre o balcão e ficava imaginando como ela ficaria bonita vestida com roupas confeccionados com aqueles tecidos! Ora a imaginava em um exuberante vestido vermelho, ora em um amarelo-ouro-velho, ora em um azul celeste! Como deveria ficar maravilhosa principalmente se estivesse passeando ao seu lado!
Sentia-se acanhado quando estava admirando as peças de tecidos sobre o balcão e o gerente chegava. Este, entretanto fingia não ver o que estava acontecendo e imaginava o sofrimento e o amor platônico que o jovem funcionário cultivava pela "menina". Ao invés de repreendê-lo, resolveu presenteá-lo com um corte do melhor tecido para que ele a surpreendesse!
- Escolha o que quiser para presenteá-la!
Inebriado, pegou a tesoura de corte mais fino para que não houvesse formação de fiapos. Pegou o pano e cortou-o com flechas de fogo nos olhos e na alma! Que maravilha! Com aquele corte a conquista estava garantida! Embrulhou o corte com o papel bonito e brilhante e colocou-o no canto da prateleira! À primeira oportunidade o entregaria para ela!
- Quanto tenho de pagar pelo tecido? Perguntou ao gerente.
- Nada... É um presente...
Emocionou-se! Teve de enxugar uma lágrima no canto do olho, mas ficou firme!
Olhou para o relógio! Meio dia em ponto! Dentro de 10 minutos ela deveria passar à frente da loja! Esfregou as mãos uma na outra, respirou fundo, pegou o presente e colocou-o sobre o balcão. Olhou para o gerente! Ele fingiu que nada viu e continuou olhando alguns papéis da loja. 12 horas e 8 minutos! Os segundos corriam rapidamente e o coração disparava na frente deles! Ele pega o embrulho quando duas senhoras entram na loja! Ele deixa o embrulho sobre o balcão e atende as senhoras recém-chegadas. Com o rabo dos olhos vê que a garota passa apressada! Não se manifesta, mas pensa: que azar, havia perdido a grande oportunidade de sua vida! Tudo bem, ficaria de olho, no outro dia! Pegou o embrulho e colocou-o na extremidade da prateleira!
No outro dia, por coincidência, está atendendo uma cliente quando percebe que "ela" acaba de passar. Olha para o presente como se ele fosse uma pessoa e diz: "ainda não foi hoje"! No dia seguinte esperava-a com o embrulho na mão à porta da loja quando um amigo para para conversar. Percebe que a garota vem chegando, mas o amigo não lhe permite o encontro e o diálogo tão esperado! Tudo bem! Seria na próxima segunda-feira!
Vieram segunda, terça, quarta, sábado e muitos outros dias... Ele nunca mais a viu passar! Teria mudado de escola? Teria se formado? Teria mudado de cidade?
O embrulho ficou na extremidade da prateleira! A desilusão foi crescendo no seu peito! De vez em quando trocava o tecido de lugar, fazia-lhe algum carinho, dialogava com ele, mas já sem grande entusiasmo!
O tempo passou. Certo dia, ao passar por uma banca de jornal viu a foto dela estampada na primeira página do jornal da cidade! Era ela! Como estava linda com aquele chapéu de formatura na cabeça! Parou para ver a reportagem: ela formara-se em advocacia, acabara de prestar concurso para juiz de direito e assumiria em cidade satélite da capital paulista!
Ele comprou o jornal e dirigiu-se para casa molhando-o de suor e lágrimas! Ela havia se transformado em juíza de direito e ele continuava funcionário da loja!