São Paulo

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Paulo!

   O menino nasceu pobre nas caatingas do sertão do nordeste brasileiro como dezenas de milhares de outros brasileirinhos bafejados pela seca e pelos raios solares que lhe queimavam o corpo e lhe consumiam a alma. Certo dia, nem entendeu como isso pôde acontecer, um gibi caiu-lhe às mãos, trazido por um amigo do pai, que trabalhava na cidade. Ele, que nunca tivera em mãos um livro sequer, entusiasmou-se com o gibi. Aqueles desenhos maravilhosos feitos dentro de quadrinhos e aqueles pequenos desenhos uns atrás dos outros, formando verdadeiras filas, uns magros, outros gordos, outros parecendo que estavam amarrados pelo meio e ainda outros que pareciam estarem lhes faltando   pedaço. Menino inocente e abandonado pela sorte, não sabia que aqueles desenhinhos enfileirados eram as letras que contavam a história dos desenhos maiores. Passou a admirar e a gostar mais do gibi com o passar dos dias.   Influenciado pelos desenhos, passou a inventar suas próprias histórias e a guardá-las em sua memória. A sede de aprender, de entender aqueles desenhos foi aumentando com o passar dos anos, mas a oportunidade de fazê-lo nunca aparecia. Aos  30 anos de idade pegou um caminhão “pau de arara”  mudou-se para São Paulo. Trinta anos, analfabeto, o único emprego que conseguiu foi servente de pedreiro. Orientado por um colega, matriculou-se  no MOBRAL e passou a estudar à noite. Que maravilha! Ficou sabendo que aqueles desenhinhos desajeitados e mal formados eram letras que formavam palavras, que formavam frases e orações que contavam as histórias! Agarrou o gibi que havia trazido e começou a decifrar as histórias! Como ficou surpreendido ao saber que as suas histórias eram diferentes daquelas que estavam escritas no gibi! Que felicidade! Além de ler histórias, poderia escrever as suas, ler as placas das ruas e das lojas, o itinerário dos ônibus que passavam em frente da construção onde trabalhava! Que mundo diferente passou a conhecer!  Era completamente diverso daquele em que vivera seus primeiros 30 anos! O orgulho de sentir-se um verdadeiro cidadão passou a tomar conta de seu ego. Ingressou no Curso de Madureza e, a seguir, do Magistério! Tornou-se professor! O gibizinho talismã  recebido no sertão das caatingas não lhe saía da bolsa e em todo o começo de ano era mostrado aos alunos como o primeiro troféu que ganhara em sua vida, início de seu sucesso!  Que orgulho tinha agora em saber ler e escrever e ser professor, saber ensinar!  Estava contente, mas queria mais! Queria passar para um livro as histórias que havia inventado, antes e depois  de saber ler e escrever! Tornou-se escritor! Criou novas histórias! Certo dia encheu duas malas de livros e partiu para a sua terra! O sertão ainda era o mesmo, a caatinga, a mesma, a miséria, a mesma. Passou a distribuir livros entre os antigos amigos e a falar sobre a grande necessidade de estudar! Plantou dezenas de sementes de estímulo e de esperança para as famílias! Chegou a 20 de janeiro! Lembrou-se que São Paulo faria 464 anos no dia 25! Teria de voltar! Poderia fazer novos livros para o próximo ano! Teria, entretanto,  de comemorar o aniversário da cidade que lhe deu nova vida! Deveria dizer “viva São Paulo”, a cidade onde vive a maioria dos nordestinos fora do nordeste do Brasil! 

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