A última gargalhada foi do espelho

A última gargalhada foi do espelho

 

     Ele fingiu-se de médico e passou por quase todas as situações que a falsa profissão lhe permitiu. Foi médico de Posto de Saúde, médico da família, de Pronto Socorro e até de uma grande empresa de materiais agrícolas. Esperto, malandro, muito sorridente como todos os malandros, teve seu início de vida em  uma pequena farmácia, onde aprendeu a dar injeções e fazer curativos com o patrão farmacêutico antigo. É bom lembrarmos que naquela época os farmacêuticos aplicavam injeções e faziam curativos em suas farmácias! Certo dia, viu o antigo patrão estancar uma grande hemorragia na perna de uma senhora que acabava de ter  ruptura de uma volumosa varize ao dar  dois pontos com  linha esterilizada, de algodão. Espantado com o feito, teve a sua curiosidade expandida para a medicina. Puxa! Como era fácil dar dois pontos e estancar tamanha hemorragia! Ele, bem mais jovem do que o velho farmacêutico poderia fazê-lo com maior facilidade! Pediu o porta-agulha do patrão e passou a treinar pontos em pedaços de pano da faxineira que limpava a farmácia. Como era fácil!

  Mudou para a periferia da  cidade, montou a sua farmácia, comprou material para pequenas cirurgias e passou a dar  pontos em pequenos ferimentos, drenar abscessos e até retirar pequenas verrugas. Que maravilha! Como era bom poder ajudar as pessoas! Falava isso publicamente, mas no fundo de sua alma tinha sonhos mirabolantes!

  Cada vez, mais esperto e malandro, comprou estetoscópio e um aparelho de medir pressão, um livro de primeiros socorros e emergências médicas para leigos  e mudou-se para uma cidade pequena. Depois de forjar um diploma de médico passou a exercer a  falsa profissão. Apresentou-se na Santa Casa local, mostrou o seu diploma falso de médico e imediatamente passou a fazer parte do quadro clínico. Além do consultório passou a atender no pronto-socorro do hospital. Não pela medicina, mas pela conversa fiada e autos elogios passou a ter boa clientela. Dali para ser vereador e depois prefeito, foi um passo! Simeão tornou-se "doutor" famoso e em suas viagens para a capital “por causa dos problemas da Prefeitura" passou a hospedar-se nos melhores hotéis e a fazer amizade com os políticos do seu partido. Eleger-se deputado federal, com o apoio do governador, das indústrias e do povo ignorante não  foi difícil! Seu nome e sua fotografia apareciam frequentemente  nas telas das televisões e nas páginas dos jornais. Era a glória! Muitas vezes olhava-se no espelho e não resistia à tentação  de auto elogiar-se: “você é um sujeito esperto! É um sujeito extraordinário!” O sorriso inicial foi aumentando e tornou-se gargalhada a todo momento que o espelho refletia o seu rosto carregado de maquiagem! Ele sorria! O espelho sorria! Ele gargalhava! O espelho gargalhava!

    Meteu-se cada vez mais na política suja e passou a participar das propinas oferecidas pelas empresas tão desonestas quanto ele! Carrões, prédios, ações de grandes companhias nacionais e estrangeiras, iates, avião particular de seis lugares! Olhava-se no espelho e perguntava: “o que mais você quer da vida, meu amigo?” Gargalhadas e gargalhadas a fio convenciam sua mente de que ele era “o cara”! Sim! Ele era “o cara”! Havia outro? Não! Não havia outro! Ele era o único! Ele gargalhava! O espelho gargalhava! Quem diria que um menino ajudante de farmácia tornar-se-ia um médico famoso, falso, mas famoso! Tornar-se-ia um político poderoso, falso, mas poderoso!

  Certo dia, chega em seu palacete um sujeitinho com cara de japonês, vestido com uma camiseta com dístico da Polícia Federal, acompanhado de mais quatro policiais vestidos com o mesmo uniforme,  com um mandato de prisão. Diz-lhe que havia uma ordem de prisão contra ele! Ficou sem fala, sem sorriso, sentiu-se  sem diploma de deputado, de médico falso! Pediu um tempo para pegar algumas peças de roupa! Fez a mala, passou pelo espelho de cristal e este mostrou-lhe uma pessoa triste, arrasada, sem brilho nos olhos, sem sorriso nos lábios! Deixou o espelho, virou-lhe as costas e, ao sair, ouviu a grande  gargalhada do espelho! O espelho, também era falso como ele ! 

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