Um dia...

Um dia...

Um dia te encontrei! Andavas sozinha e triste pela calçada como se somente tu estivesses vivendo no mundo. Os pássaros cantavam naquela manhã irradiada de sol nascente, cujos raios  perfuravam a copa das árvores para desenhar figuras lindas na calçada, mas tu não ouvias os pássaros.  Pisavas  nas gravuras naturais desenhadas na calçada, sem tomar conhecimento delas e de seus autores! Tive a impressão de que não pisavas, arrastavas-te num emaranhado de confusas idéias e pensamentos perdidos. Notei que não olhavas para nenhum lugar, não caminhavas para lugar determinado, simplesmente vagavas pela rua como faz um sonâmbulo que erra pela casa, em horas incertas, à procura do nada. Vi que, talvez pensavas em tudo ou não pensavas em nada! Teus passos lentos, quase trôpegos empurravam algumas pétalas de flores que enfeitavam a rua, caídas ao amanhecer, mas tua mente não tinha a mínima noção do que os teus pés faziam! Tuas mãos fechadas mostravam-me que o teu corpo rígido e tenso não te abria para o novo dia! Estavas fechada para ti e para o mundo! Teu rosto de mármore mostrava algumas lesões provocadas pelo tempo, mas eram lesões crônicas com sinais de antiguidade!  Eu  era teu amigo! Sempre o fora desde o nosso tempo de criança, quando corríamos atrás da bola e da peteca, sem nos preocuparmos com a corrida do tempo! Naquela época, éramos mais ligeiros do que ele!

      Aproximei-me  de ti para ver se a minha presença te acordava de teu marasmo cego e surdo! Não me notaste!  Passei por ti!  Passei por ti, mas tu não fizeste o mínimo gesto de levantar os olhos para  me cumprimentar! Vi que tuas endorfinas estavam travadas dentro do teu cérebro e ele, duro e fechado, não quis abrir as portas para libertá-las! Tuas glândulas adrenais, ainda fabricavam muita adrenalina e estas não permitiam a liberação das adversárias endorfinas! Luta ferrenha e desigual era travada dentro de ti, mas tu passavas ao largo dela, como o navio que passa longe da batalha e segue a sua rota sem parar!

   Eu não quis acordar-te de teu sonho!  Segui meu caminho! A minha adrenalina e as minhas endorfinas não estavam em guerra! A paz reinava no meu corpo e na minha mente! Caminhei com o canto dos pássaros e as pétalas de flores que voavam com o vento, muitas delas fazendo rápida parada sobre os meus cabelos!

   Depois de alguns dias, voltei a passar pela mesma rua! Encontrei-te de novo! O dia estava lindo! Os pássaros cantavam, o sol desenhava as árvores e a brisa carregava as flores! E tu!  Tu estavas totalmente diferente! Olhar vivo, sorriso nos lábios, andar desenvolto,  uma flor nos cabelos! Aproximei-me de ti! Quis saber o motivo de tamanha transformação! Não me ignoraste! Estavas feliz! Teu sorriso franco mostrou-me que toda a endorfina de teu corpo, funcionava plenamente! Perguntei-te o motivo de tal felicidade!

    Tu não me disseste nada! Apenas sorriste e me mostraste a mão direita estendida!

    Uma linda aliança de ouro brilhou ao sol nascente da ardente manhã, no teu dedo anelar da mão direita! Havias ficado noiva! Que felicidade!

  Deixei-te e saí andando! Eu também já havia tido esse tipo de felicidade, capaz de mover montanhas e transformar o coração humano!

  O que fazem as endorfinas comandadas pela felicidade!

 

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