A volta

A volta

 

 

 

  Sentado debaixo de um toldo em plena madrugada do mês de julho, ele curtia friorenta  noite de inverno. Eram quatro horas da madrugada! O frio, causado pela queda de temperatura e pela brisa que aumentava a sua  sensação, impedia que ele ficasse deitado no colchão de apenas um pedaço de papelão, coberto por jornais e um pequeno, velho e surrado cobertor de solteiro que pouco o ajudava.  Sentado, encolhido, com a cabeça presa entre os joelhos, tentava diminuir o frio que lhe cortava o corpo e a alma. Estava na Avenida Independência, nome que tinha alguma relação com a sua situação atual em relação ao passado. A brisa aumentava, a temperatura caía, a alma sofria e o corpo encolhia. Seria quase uma poesia se não fosse o quadro lamentável em que se encontrava. Os dedos das mãos precisavam de exercícios e ajudava os dos pés com massagens para que nem uns, nem outros viessem a sofrer necroses pela falta de circulação  pela queda violenta da temperatura! No desespero colocou o duque entre as coxas e os joelhos,  (cachorro encontrado na rua, que se transformou em grande companheiro do dia-a-dia). O cão tremia tanto quanto ele! Na simbiose efetuada, ele aquecia o cão e os pelos do cão aqueciam-lhe as coxas e as pernas.

   Viera para Ribeirão porque iniciado no consumo de drogas em sua pequena cidade ficara sabendo que em Ribeirão Preto  a droga era mais farta e o trabalho, ao qual nunca fora afeito, poderia ser transformado em, apenas ter cara e coragem para ficar nas esquinas e pedir “uma ajuda para poder tomar café, almoçar ou jantar” As velhinhas mais incautas eram as eleitas para resolver a sua malandragem.

  Durante o verão tudo lhe parecia correr normalmente porque o pedaço de papelão que lhe servia de colchão e o cobertor velho, resolviam suas necessidades noturnas.

  O tempo foi passando e  o frio aumentando. Nesta noite, depois de horas de frio, um terrível temporal levou-lhe o toldo, o cobertor e até o cachorro.  Quando se deu por si, estava só, quase nu e morrendo de frio. Sentiu a solidão bater forte no seu peito! Lembrou-se da esposa! Apesar de tudo, quando estava em casa, sentia-se feliz ao lado dela e do filho, antes da tragédia da droga. Chegou a sentir o perfume do café coado no coador de pano do qual ele gostava. Chegou a sentir saudade da sua chegada em casa, todas as tardes, quando a mulher  e o  filho de 5 anos vinham correndo e sorrindo para encontrá-lo no portão.

  Depois de alguns minutos, não titubeou! Voltaria para casa! Largaria da droga, de ser esmoler, sairia da falta de vergonha de pedir, arrumaria um trabalho descente! "Voltaria a ser homem"! Conseguiria? Teria a força necessária? Se conseguisse voltar,

  s erá que a mulher e o filho viriam correndo e  sorrindo para encontrá-lo no portão?

 

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