Ciência: qual o papel dos gestores públicos?

Ciência: qual o papel dos gestores públicos?

Um dos aspectos que a ciência abrange é a busca por soluções para problemas que afetam a sociedade, sejam eles econômicos, sociais ou de qualquer outra espécie. Pensando nisso, a realidade trazida pelo novo coronavírus fez acender ainda mais o debate em relação à ciência: da sequenciação do genoma de um vírus desconhecido ao desenvolvimento de uma vacina eficaz, pudemos perceber que a resposta para tudo isso depende de uma gestão adequada da ciência. Mas como de fato apoiar essa prática? E qual é o papel dos nossos gestores públicos nesse processo?

O que diz a Constituição Federal?

A gestão da ciência, da tecnologia e da inovação é determinada pelos artigos 218 e 219 da Constituição Brasileira. Segundo eles, é dever do Estado incentivar o desenvolvimento nessas três áreas, tratando com prioridade a pesquisa científica básica e tecnológica. Além disso, também é garantido o apoio à formação de profissionais qualificados, às empresas que invistam em pesquisa e às atividades de extensão relacionadas ao assunto.

Outro aspecto de responsabilidade do Governo pela lei é a relação entre organizações - sejam elas públicas ou privadas - e a inovação. Para estimular e fortalecer esse vínculo, o Estado deve atuar tanto na formação e manutenção de parques e polos tecnológicos (além dos demais ambientes voltados à inovação) como também na criação, difusão e transferência de tecnologia¹.

Mas como todas essas normas podem ser aplicadas de fato pelos nossos gestores públicos?

No que diz respeito à promoção da ciência, podemos separar a atuação dos gestores públicos em três pilares: legislação, planejamento & financiamento e monitoramento.

LEGISLAÇÃO

No aspecto legal, são dignos de destaque tanto o Poder Legislativo quanto o Executivo. Para entender melhor essa parte, é importante lembrarmos de como funciona a decisão de investimento do governo. Resumidamente, o Executivo elabora, segundo as prioridades defendidas pelos chefes do poder, uma espécie de “plano de investimento”, estimando receitas e fixando despesas. Esses “planos de investimento” podem ser vistos no Plano Plurianual (PPA), na Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), que se diferenciam basicamente pela abrangência temporal e o nível de detalhamento das atividades pretendidas. Nesse planejamento, é definido o montante de dinheiro que será destinado a cada área/ministério: da saúde, da educação,..., e também, da ciência. Tendo isso em vista, o papel do Executivo seria destinar parte dos recursos (federais, estaduais ou municipais, a depender da esfera do executivo em questão) para viabilizar o andamento adequado das atividades com o fim da promoção da ciência, da tecnologia e da inovação (CT&I).

Porém, não devemos esquecer a participação do Legislativo em tudo isso. A decisão de investimento não termina com a conclusão do planejamento do Executivo de quanto desembolsar com ciência e com os outros setores. Para que isso seja realmente colocado em prática, é preciso que o poder Legislativo aprove esses “planos de investimento”. Nesse processo, o papel do legislador seria, então, garantir que uma quantidade razoável dos recursos arrecadados seja de fato destinada à ciência. Caso isto não seja contemplado, o Congresso Nacional (âmbito federal), as Assembleias Legislativas (âmbito estadual) e os vereadores (âmbito municipal) têm o poder de “barrar” o projeto, que voltará ao Executivo correspondente para as devidas alterações.

Além disso, o Poder Legislativo possui outra função importante no sentido de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. Lembrando que os representantes da população, nessa esfera de poder, são os responsáveis por elaborar as leis, o papel deles seria estabelecer normas que melhorem e simplifiquem as condições institucionais  para a promoção das atividades de CT&I. Como exemplo dessa atribuição podemos citar a Lei 13.243/2016 de 11 de janeiro de 2016, que inclui em seu texto uma espécie de bônus tecnológico. Com ele, microempresas e empresas de pequeno e médio porte poderão receber subsídios para pagar o  uso de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos e também para custear a contratação de serviços tecnológicos especializados². Desse modo, podemos ver outra forma com a qual o legislativo pode de fato atuar como um incentivador da atividade tecnológica.

PLANEJAMENTO & FINANCIAMENTO

Ainda que uma nação tenha leis que garantam grandes passos na questão da ciência, isso só será realmente possível com uma tradução satisfatória de todo esse aparato legal em resultados concretos. Nesse contexto, no Brasil, para coordenar o andamento e a execução dos avanços em CT&I, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) tem autonomia para determinar políticas nacionais sobre o assunto e ainda dirigir alguns órgãos da gestão pública com o mesmo objetivo. 

Todas essas ações devem ser pensadas de modo a integrar políticas governamentais com as estratégias empresariais, pois, para que um país se torne referência em ciência e pesquisa não basta que o setor público injete dinheiro nessa área; ele também deve incentivar o setor privado a fazer o mesmo (veremos mais a frente como as subvenções econômicas podem contribuir nesse processo). Além disso, a construção de pontes entre o conhecimento produzido a partir da pesquisa pública e os empreendedores quem têm a inovação como principal estratégia deve ser um ponto de análise dos gestores.

Outra preocupação que deverá ser sanada com as ações do MCTIC (âmbito nacional), das Secretarias Estaduais de CT&I (âmbito estadual) e órgãos relacionados é a desigualdade de acesso ao conhecimento e à tecnologia. É perceptível que algumas regiões de nosso país têm o seu sistema de ciência e tecnologia mais desenvolvido do que outros, não? Para um exemplo disso basta que comparemos a estrutura laboratorial e a disponibilidade de profissionais de uma capital e de uma cidade do interior.

Nessa linha de raciocínio, as responsabilidades dos gestores dos respectivos órgãos são as de formular e de executar políticas para que haja uma desconcentração das assimetrias regionais. Um grande exemplo de como isso pode ser colocado em prática foi o Programa Reuni, instituído pelo Governo Federal em 2007. Esse programa promoveu a interiorização de universidades federais criando novas faculdades em cidades do interior e contratando docentes qualificados para atuar em pesquisa e desenvolvimento nessas regiões. 

Em relação ao financiamento, pode-se dizer que é um dos meios mais conhecidos para apoiar a ciência. Sabemos que pelos “planos de investimento” o executivo tem o papel de destinar certo montante de dinheiro à ciência, à tecnologia e à inovação. Mas para onde essa verba vai de fato? E como ela é alocada nas diversas atividades que contribuem para a promoção da ciência?

Para isso, existem as Agências de Fomento, fundações públicas, que ao receberem essa verba - pública - dos ministérios vinculados, se tornam responsáveis por alocar os recursos entre as atividades da maneira mais eficiente possível, ou seja, de forma que beneficie o maior número de pessoas. Sob o domínio do MCTIC, há o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criado com o objetivo de fomentar a pesquisa e o desenvolvimento científico no país. Também há a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), responsável por expandir e consolidar a pós-graduação no Brasil; porém, essa agência de fomento está ligada ao Ministério da Educação (MEC). 

Tais órgãos possuem uma série de instrumentos pelos quais conseguem apoiar financeiramente as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Esses instrumentos são basicamente divisões de atividades às quais a verba pode ser destinada - direta ou indiretamente - para o apoio dos pesquisadores. Entre elas estão: concessão de bolsas; concessão de auxílios à pesquisa e à infraestrutura, como por exemplo, o financiamento da participação de pesquisadores em eventos e a realização de congressos; subvenções econômicas, nas quais algumas empresas - públicas e privadas - recebem recursos públicos (não reembolsáveis) para custear o desenvolvimento de inovações estratégicas para o país; empréstimos, para que outras empresas contem com condições mais atrativas de acesso ao crédito necessário para investir em inovação; e compra de bens e serviços - com um certo grau de tecnologia - necessários à máquina pública, mas de empresas locais, ao invés de companhias internacionais.

Com isso, os gestores que coordenam essas entidades - gestores de recursos públicos - têm o poder de concretizar de fato as diretrizes acordadas no nível político a partir da realização de programas e projetos que serão executados pelos operadores de ciência, tecnologia e inovação.

MONITORAMENTO

O papel dos gestores no monitoramento é basicamente ver o que está dando certo e o que não está funcionando para o avanço da ciência. Assim, os gestores, principalmente os das Agências de Fomento, devem fazer uma comparação entre os avanços esperados e os avanços conquistados, tendo um panorama a respeito dos sucessos e das falhas de sua atuação. Só após isso é que são tomadas as decisões sobre os ajustes necessários para alcançar os resultados pretendidos. Nesse aspecto, o uso de indicadores é muito importante para acompanhar as atividades planejadas e ver o retorno que os investimentos públicos na área estão gerando para a sociedade. Como exemplo, podemos citar alguns indicadores utilizados pelo MCTIC: taxa de inovação das empresas, número de pesquisadores por milhão de habitantes e dispêndio nacional em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB, entre outros. Por fim, uma outra atribuição desses gestores seria o desenvolvimento de indicadores que possibilitem ter um, cada vez melhor, panorama de avanço da ciência no Brasil.

Por fim, é fato que, independentemente do nível de desenvolvimento, os países em geral compartilham as preocupações acerca do avanço do setor científico e tecnológico. Elas são baseadas, basicamente, em três aspectos: governança dos Sistemas Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, que abrangem todas as atividades voltadas a esse fim; apoio à inovação em empresas menores; e contribuição da inovação no confronto de desafios sociais². E, agora que já sabemos melhor o papel dos nossos gestores (públicos e administradores que cuidam do que é público) em todo esse processo, podemos acompanhar melhor as decisões que são - ou deveriam ser - tomadas para esse avanço.

Texto escrito por Luma Cicilia Ribeiro Pires, estudante de Economia Empresarial e Controladoria na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto

Referências

¹BRASIL, Constituição (1988), Capítulo IV - DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 6 de ago. 2020.

²MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÕES E COMUNICAÇÕES. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016|2022: Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Econômico e Social. Brasília, 2016. Disponível em https://www.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/arquivos/publicacao/Institucional/15_MCTIC_ENCTI_2016_2022_210_240mm_WEB.pdf

Sites:

https://www.politize.com.br/cnpq-o-que-e/

Imagem: FreePik

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