Como a LRF influencia o Orçamento Público?

Como a LRF influencia o Orçamento Público?

A Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada no ano de 2000, foi um importante marco na busca por melhorias na gestão dos recursos públicos brasileiros. E, quase 21 anos depois, esse marco sofreu algumas alterações na busca de cada vez mais zelar pelas finanças do governo. Tendo isso em vista, o objetivo deste texto é explicar o impacto da Lei no Orçamento Público Brasileiro, bem como as principais características da legislação e algumas de suas mudanças a partir do ano de 2021.


 

Um Brasil antes da LRF: o contexto de criação da Lei

Ainda que as décadas de 1980 e 1990 tenham representado um avanço para o processo de redemocratização brasileiro, não podemos dizer que a situação econômica acompanhou esse resultado positivo - pelo menos não de imediato. Os anos que finalizaram o século XX foram marcados por altas taxas de juros, pela instabilidade inflacionária e monetária, além de um alto endividamento público: um desequilíbrio expressivo das finanças públicas.

Ao mesmo tempo, no contexto internacional, a instituição de blocos econômicos, somada ao desenvolvimento do mercado de capitais, impulsionaram o processo de abertura dos mercados e a globalização da economia. Com isso, buscando desenvolver-se, o Brasil procurou aderir a blocos, fundos e bancos estrangeiros para fazer negócios, captar recursos e se inserir no novo contexto do período. Todavia, a falta de planejamento, transparência governamental e a fragilidade institucional se manifestaram como obstáculos para tais objetivos, uma vez que salientavam a ineficiência da administração pública e a situação de deterioração das contas públicas, algo que, somado a consideráveis escândalos de corrupção, impediram o Brasil de ser um ator relevante no mercado internacional no período.

Sob essas circunstâncias, o país se viu obrigado a adotar um conjunto de medidas para conter a desordem na gestão do patrimônio público, equilibrar e dar transparência às contas governamentais. Entre essas medidas, houve a promulgação da Lei Complementar Federal nº 101, de 05 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) [1].


 

LRF: o que é de fato?

Os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal podem ser resumidos na busca por uma maior responsabilidade, controle, planejamento e transparência na gestão fiscal. Sendo assim, a LRF é basicamente um instrumento para auxiliar os governantes a administrarem os recursos públicos dentro de um marco de regras claras e precisas, que previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

As normas previstas são aplicadas a todos os gestores do patrimônio público, ou seja, aos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), empresas estatais dependentes, Tribunais de Contas, Ministério Público, administrações diretas, fundos, fundações e autarquias.

 

Processo orçamentário: um breve resumo 

Para compreender melhor os impactos da LRF sobre o Orçamento Público, é conveniente salientar a composição deste.

Orçamento Público é uma ferramenta utilizada pelo Governo para planejar a utilização da verba arrecadada com os tributos, essencial para o oferecimento de serviços públicos adequados. Nesse processo, as receitas são estimadas - pois podem sofrer variações de acordo com o andamento da economia - e as despesas, fixadas. Para chegar nesse objetivo, cabe ao Poder Executivo elaborar três leis: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA); todas a serem posteriormente aprovadas pelo Poder Legislativo da respectiva esfera de poder [2].

O PPA declara as políticas e metas previstas para um período de quatro anos, assim como os caminhos para alcançá-las. A LDO, elaborada anualmente, determina quais metas e prioridades do PPA serão tratadas no ano seguinte, estabelecendo uma ponte entre o Plano e a Lei Orçamentária. A partir disso, a LOA é estruturada, também anualmente, detalhando todos os gastos que serão realizados pelo governo: quanto, e onde, de fato será investida a verba pública? 


 

LRF: regras para o Orçamento Público

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem o propósito de:

  • impactar o modelo de gestão do setor público na direção de fortalecer o controle centralizado das dotações orçamentárias, exigindo o estabelecimento de limites totais de gasto e definindo limites específicos para algumas despesas;

• estreitar os vínculos entre PPA, LDO e LOA, criando mecanismos para que a fase da execução não se desvie do planejamento inicial; e

• fortalecer os instrumentos de avaliação e controle da ação governamental.

Tendo isso em vista, vejamos as principais “exigências” da LRF sobre as três fases - distintas, porém integradas - que compõem o processo orçamentário brasileiro.

 

Plano Plurianual

Os artigos da LRF que tratavam diretamente sobre o PPA foram vetados. O artigo 3º (vetado) dizia respeito aos prazos de envio e devolução do projeto de plano plurianual, os quais foram considerados reduzidos para a elaboração do Plano por parte do Executivo e para a sua apreciação pelo Legislativo. Também foi suspenso o parágrafo que versava sobre a necessidade de anexos de Política Fiscal, com a justificativa de que “a supressão do Anexo de Política Fiscal não ocasiona prejuízo aos objetivos da Lei Complementar, considerando-se que a lei de diretrizes orçamentárias já prevê a apresentação de Anexo de

Metas Fiscais”.

No entanto, apesar dos vetos em relação aos requisitos do PPA, o Plano aparece em algumas “partes” da LRF. Como exemplo disso, há o Art. 5°, § 5°, da LRF, que consta que “a lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, conforme disposto no § 1° do art. 167 da Constituição”.

 

Lei das Diretrizes Orçamentárias

Além dos dispositivos referentes à LDO previstos na CF/1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal aumentou consideravelmente as exigências destas diretrizes, visando manter o equilíbrio entre receitas e despesas. Para isso, as principais "novas" determinações para a Lei das Diretrizes Orçamentárias, a partir da aprovação da LRF foram três anexos: o anexo de Metas Fiscais, Riscos Fiscais e Objetivos das Políticas Monetária, Creditícia e Cambial.

 

O Anexo de Metas Fiscais conterá:

   • A avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior, o que dá base para projeções consistentes das metas a serem alcançadas;

   • o demonstrativo das metas anuais, com metodologia de cálculo que justifique os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional;

   • a evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos. Isso demonstra preocupação com a deterioração do patrimônio público ao poder verificar para onde os recursos públicos estão indo: para novos investimentos ou despesas de custeio;

   • a avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores públicos, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial, com o intuito de evitar que os recursos de natureza previdenciária sejam utilizados para outro fim que não previsto em seus estatutos; 

   • demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado, que trazem obrigações de custeio para os gestores seguintes.

 

Já no Anexo de Riscos Fiscais - que dizem respeito aos Riscos Orçamentários e os Riscos da Dívida - deverão ser avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, informando também o que deve ser feito caso eles de fato aconteçam.

 

E ainda, há o Anexo dos Objetivos das Políticas Monetária, Creditícia e Cambial, como o próprio nome já sugere, deve conter os objetivos dessas políticas econômicas, assim como os parâmetros e as projeções para seus principais agregados e variáveis, além das metas de inflação, para o exercício subsequente.

 

Além disso, são outros requisitos da LDO, consoante a Lei de responsabilidade fiscal: 

   • dispor sobre o impacto e o custo fiscal das operações realizadas pelo Banco Central do Brasil, o qual serão demonstrados trimestralmente;

   • ressalvar as despesas que não serão submetidas à limitação de empenho;

   • dispor sobre a concessão ou ampliação de incentivo, ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita;

 

Lei Orçamentária Anual

Segundo o quinto artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal, a LOA deverá conter:

demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos do anexo de metas fiscais da LDO;

medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;

reserva de contingência - cuja utilização e montante, definidos com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na LDO - destinada ao atendimento de passivos contingentes, outros riscos e eventos fiscais imprevistos;

todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão; e

despesas do Banco Central do Brasil, relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo, inclusive os destinados a benefícios e assistência aos servidores, e a investimentos [3].
 

LRF: algumas mudanças em 2021

No dia 12 e 13 de Janeiro de 2021, foram publicadas as Lei Complementares 177 e 178, que alteraram parte da Lei de Responsabilidade Fiscal. 

A principal mudança carregada pela LC 177/2021 foi em relação às despesas que não podem sofrer limitação de empenho, ou seja, gastos que não podem ser contidos pelo poder público no caso de a receita dos tributos ser menor que a esperada.

Antes do ano de 2021, as despesas que não poderiam sofrer limitação de empenho eram as despesas que constituíam obrigações constitucionais e legais do Estado, inclusive as destinadas ao pagamento de do serviço da dívida e as previstas na LDO. Com a Lei complementar 177, mais uma categoria de gastos se inclui nessa vedação: os gastos relativos à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico, custeadas por fundo criado para tal finalidade.

Já a Lei Complementar 178 trouxe mais uma série de mudanças. A principal delas foi uma “novidade”: ao verificar a obediência das despesas com pessoal aos limites previstos por Lei, não se pode mais deduzir a parcela custeada com recursos aportados para a cobertura do déficit financeiro dos regimes de previdência.

Além disso, como antes, as operações de crédito serão proibidas enquanto durar o excesso de dívida consolidada, mas agora com exceção do pagamento da dívida mobiliária, e não mais o seu refinanciamento. Outra alteração foi em relação à contratação de operações de crédito: poderá haver alteração do objetivo da operação de crédito de Estados, Distrito Federal e municípios sem a necessidade de nova verificação pelo Ministério da Economia, desde que haja uma autorização para tal esteja prevista na LOA, em créditos adicionais ou em alguma lei específica. Ademais, deve ser demonstrada a relação custo-benefício e o interesse econômico e social da operação.

A transparência, o controle e a fiscalização também sofreram algumas mudanças: a partir de 2022, os Estados e os municípios deverão encaminhar suas contas diretamente ao Poder Executivo da União até o dia 30 de abril, e, caso o prazo não seja cumprido, somente serão permitidas operações de crédito destinadas ao pagamento da dívida mobiliária [4].

 

Texto escrito por Luma Cicilia Ribeiro Pires, estudante de Economia Empresarial e Controladoria na FEA-USP/RP

 

Referências

[1] ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Lei de Responsabilidade Fiscal e o Novo Regime Fiscal: Contexto e Fundamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Brasília, 2020.

[2] Orçamento público - Portal da transparência. Portaltransparencia.gov.br. Disponível em: <https://www.portaltransparencia.gov.br/entenda-a-gestao-publica/orcamento-publico>. Acesso em: 10 Feb. 2021.

‌‌[3] MENDES, SÉRGIO. Estratégia Concursos: Lei de Responsabilidade Fiscal para Concursos. 2018.

[4] SÉRGIO MENDES. Alterações da LRF - Lei Complementar 177/2021 e Lei Complementar... Estratégia Concursos. Disponível em: <https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/alteracoes-da-lrf-lei-complementar-177-2021-e-lei-complementar-178-2021/>. Acesso em: 11 Feb. 2021.

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