A crise democrática do diálogo

A crise democrática do diálogo

Pressuposto

Imagine que uma enorme placa represente todos os males máximos do Brasil. Denomine essa placa da forma que quiser: escreva nela problemas como a corrupção, a falta de segurança, a desigualdade social, a ausência da efetividade na educação, na saúde ou em quaisquer outras coisas.

Equivoca- se! 

O problema máximo brasileiro, tanto pelo problema em si, quanto pela dificuldade de reconhecer a sua existência, é a crise democrática do debate. Problema precedente ao autoritarismo ou à desigualdade social, essa crise democrática se refere a uma cegueira absoluta vinculada à banalização dos discursos que alumiam os caminhos da nação.

No debate, não se vê ideias, vê- se a venda de intelectualidade ou de burrice. Não há progressão onde há convicções e expectativa no ouvir. Não há desenvolvimento se não há humildade e nivelamento. Os problemas são gigantescos, diversos e incontroláveis nessa sociedade que demonstra o ego acima de tudo e a superioridade no falar e no pensar em todos os âmbitos sociais. E, enquanto não estivermos prontos para admitir que nosso debate virou um entretenimento, que as nossas disputas ideológicas são vistas como instrumentos de auto afirmação, estaremos longe da estabilidade. 

Não existem lados, não existem pensamentos preocupados com a evolução, existe uma ilha de desordem social quase que distópica, onde não se pode afirmar que você, em algum momento, está, de fato, sobrevoando- a e vendo com distância o seu caos sem que haja uma nuvem que atrapalhe sua visão. 

 

Porque o diálogo saudável parece ser inviável?

Baruch Spinoza disse: “o máximo de liberdade que o ser humano pode aspirar é escolher a prisão no qual quer viver! A liberdade é uma abstração! Diga-me qual é a sua tribo e eu direi qual é a sua clausura. ” Acerca do exposto, podemos adotar o imperativo de que todos os indivíduos constituem um grupo que é muito semelhante a uma bolha. Esses grupos possuem ideias distintas e os indivíduos constituintes não entendem que um conflito de ideias não precisa ser necessariamente um confronto de ideais. Muitas vezes, as pessoas até acreditam no equilíbrio, mas o veem como um ponto médio. O equilíbrio não é algo rigorosamente balanceado, medido. Ele não se encontra no meio, mas representa uma viagem sensata aos extremos: é conhecer os extremos, mas não se perder.

 

Qual é a solução?

“Tudo muda quando descobrimos que os diferentes são também iguais. ” Essa frase do professor e jurista Silvio Almeida evidencia a necessidade de praticarmos, enquanto sociedade, a alteridade. A soberba gera ruínas e a ignorância resulta na destruição. Só podemos construir o bem-estar social quando todos os indivíduos possuírem a mesma motivação. Essa afirmação parece sugerir uma utopia, mas se pensarmos nas tantas realizações excepcionais da humanidade, teríamos mais esperança no trabalho social conjunto. Indubitavelmente, inúmeras mazelas surgiram a partir do desenvolvimento humano na terra, contudo, esquecemos que todos estamos navegando no mesmo barco e enfrentamos as mesmas correntezas. É mesmo impossível pensar que podemos ter diferentes remos e, concomitantemente, remarmos para o mesmo lado?

Isso tudo significa que eu preciso aceitar um idiota dentro de um debate?

Exatamente! Como dizia Voltaire: “Posso não concordar com uma única palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê- la”.

Precisamos aceitar o idiota e isso não significa que a idiotice dele não deve ser rejeitada. Deve, sim, caso represente uma ida ao extremo a caminho da perdição. Essa rejeição deve ser feita com coerência, sensibilidade e (muito!) respeito.

Não estaríamos, assim, romantizando a ideia de debate?

Depende. Se compreendermos que esse texto defende uma negação ao conflito de ideias, uma aceitação a idiotices dentro de um debate e uma concordância total entre todos os indivíduos envolvidos nas mais diversas pautas, tudo que foi dito não passa de uma perda de tempo. Caso entendamos que os indivíduos são diferentes, pensam de forma distinta, fazem parte de grupos não semelhantes, agem das mais variadas maneiras e, mesmo assim, podem possuir a mesma motivação, que é o progresso de todos (sem exceção), de forma que em um debate, o equilíbrio das ideias simbolizaria a melhor opção possível para todos, o texto não representa uma romantização do conceito de debate.

 

Conclusão

O debate é imprescindível para o desenvolvimento da gestão pública e, em suma, espera- se que, ao final desse texto, caso você não concorde com o que foi dito, trate isso com naturalidade. Pois, o respeito, a alteridade, a reflexão e, principalmente, o diálogo são imprescindíveis para o desenvolvimento do corpo social. Devemos, portanto, lutar para que o debate não se torne mero confronto de ideais, mas, sim, berço de ideias.

 

Texto escrito por Leonardo Borges Moraes, estudante de Ciências Contábeis na FEA-USP/RP

Imagem: Volodymyr Hryshchenko/Unsplash

 

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