Os ensaios do ICMS e a disposição do tributo para os entes governamentais

Os ensaios do ICMS e a disposição do tributo para os entes governamentais

 

Em junho de 2023 retornou a incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, medida política controvérsia com o antigo modelo fixado pelo governo anterior, que, através da Lei Complementar 194, de 2022, havia suspendido a taxação em mercadorias de subsistência humana. 

 

Essa abordagem inflamou a discussão sobre o mercado tributário brasileiro, as suas consequências econômicas e posteriormente sobre a sua efetivação das políticas estatais, contribuindo com a massiva máquina de fake news e uma revolta social cada vez mais intensa entre a população, afinal, a quem impacta a diminuição desses valores? 

 

Em primeiro, vale destacar que para o funcionamento da atividade financeira da Administração Pública (direta e indireta) constitui como elementos essenciais o orçamento público, a receita, a despesa e o crédito público (ALEXANDRE, 2023).

 

Enquanto o orçamento público é um instrumento de planejamento e controle financeiro que permite ao governo direcionar os recursos disponíveis para atender às necessidades da sociedade, como saúde, educação, segurança, infraestrutura, entre outros. Tanto a receita quanto o crédito público são formas de arrecadação, sendo a receita através de tributos e o crédito através de empréstimos compulsórios.

 

Já a despesa representa os gastos do governo para financiar suas atividades e cumprir suas obrigações.

 

Desse modo, a receita é formada pela carga tributária, que, no Brasil é considerada um dos principais obstáculos para o crescimento do país e para a melhoria da qualidade de vida de sua população. De acordo com o relatório "Estatísticas Tributárias na América Latina e Caribe 2021", da Cepal/ONU, a carga tributária do Brasil representa 33,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

No ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupa a 14ª posição entre os países com maior carga tributária. Esse dado pode não surpreender à primeira vista, porém é interessante observar que os países com as maiores cargas tributárias da lista são desenvolvidos e oferecem uma qualidade de vida excelente ou boa para seus cidadãos.

 

O IBPT desenvolveu um novo indicador chamado Irbes, que revela que o Brasil oferece o pior retorno em termos de serviços públicos e qualidade de vida para seus cidadãos. De acordo com os dados do instituto, em 2018 (ano da última pesquisa), o país tinha uma carga tributária de 35,21% do PIB e um Irbes de 139,19%. Em contraste, o Reino Unido apresentava uma carga tributária de 33,50% e um Irbes de 164,8%. Esses números destacam a diferença significativa entre os dois países em termos de eficiência na utilização dos recursos públicos e na oferta de benefícios à população.

 

Cumpre-se ressaltar que quanto maior é a nota do Irbes, melhor é a aplicação dos tributos em prol da sociedade. No ranking, o Brasil perde não apenas para o país europeu como também para os Estados Unidos (24,30% do PIB e Irbes de 165,26) e, em 2018, pela própria Argentina (28,80% de CT e Irbes de 152,43).

 

Alguns estudiosos do direito tributário, como Ricardo Alexandre, argumentam que a complexidade e alta carga tributária no Brasil decorrem, em parte, da ampla incidência de tributos não apenas sobre a renda e o patrimônio, mas também sobre as mercadorias e serviços (ICMS). 

 

Essa abrangência na tributação pode ter contribuído para a formação de um sistema tributário complexo e oneroso, porém, a suspensão de um tributo repentinamente, sem estudos por trás dirigidos, pode gerar grandes impactos negativos para a gestão pública.


 

Segundo Sabbag (2014, p. 1110), ICMS é um Imposto a ser cobrado sobre operações relativas à circulação das mercadorias e também sobre prestação dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal, sobre a comunicação, sendo assim é um tributo com múltiplas hipóteses de incidência.

 

O ICMS é regido pelo artigo 155, inciso II da Constituição Federal, e pela Lei Complementar 87/96, também conhecida como Lei Kandir. Tais regras estabelecem que cada estado brasileiro possui a autonomia para definir suas alíquotas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

 

E como funciona sua distribuição dentro da Gestão Pública?

 

A Constituição Federal estabelece que parte da arrecadação do ICMS deve ser repassada aos municípios. O percentual que é repassado pode variar de estado para estado, mas geralmente fica em torno de 25% a 30% do valor arrecadado, conforme critérios próprios de cada Estado.

 

No caso de São Paulo, os principais critérios utilizados para o Repasse são: Valor Adicionado Fiscal (VAF) (ele representa a parcela do valor agregado às mercadorias e serviços em cada município); Índice de Participação dos Municípios (IPM) (calculado com base no VAF de cada município em relação ao VAF total do estado); Fator Ambiental, Educação e Saúde.

 

Ainda, no Estado de São Paulo, 30% do recolhimento do imposto é atribuído para educação estadual, enquanto 10% é destinado para a saúde pública. O ensino superior como a USP, a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), juntas, recebem 9,57% do ICMS (USP, 5,02%; Unesp, 2,34%; e Unicamp, 2,19%), que é repassado pelo Governo do Estado (CRUESP, 2022).

 

Quanto à saúde, a distribuição desses recursos para a área da pode ser feita com base em critérios como população, perfil epidemiológico e capacidade de gestão.

 

Outrossim, o Estado pode alocar a destinação dos recursos do ICMS para a gestão ambiental estadual, efetivação de políticas públicas e despesas fixas como servidores públicos, e outros gastos internos.

 

No entanto, apesar de a grande contribuição para a máquina estatal  ser funcional, o sistema tributário, principalmente com relação ao ICMS é injusta, isso porque todo o valor em sua íntegra acaba sendo repassado para o consumidor, pesando ainda mais para o pobre do que para o rico.

 

Portanto, é fato que a tributação, ainda mais o ICMS, possui impactos significativos na economia, incluindo a inflação, mas estabelecer uma alíquota equitativa entre os estados é mais viável do que suspender a taxação sobre itens como combustíveis.

 

Embora exista a percepção de que a suspensão do ICMS sobre combustíveis resultaria em uma redução considerável de preços para o consumidor, estudos demonstram que a diferença é mínima. Na prática, a queda nos preços repassado ao consumidor é insignificante, enquanto o impacto na administração pública pode ser muito maior.

 

Por exemplo, a área da saúde, que já enfrenta desafios e demandas crescentes, teve uma perda de 2% nos valores devido à redução da alíquota do ICMS, já no caso específico do estado de São Paulo, o governo estadual anunciou a redução da alíquota do ICMS de 25% para 18%.

 

A busca por equidade na tributação entre os estados é um desafio pois, cada um possui realidades econômicas distintas. No entanto, é fundamental encontrar um equilíbrio que leve em consideração a necessidade de financiar os serviços públicos e promover o desenvolvimento de forma justa e sustentável.

 

Dessarte, sem uma receita comprobatória suficiente para arcar com as políticas, gerenciamento e financiamento de órgãos que contribuem diretamente para o bem estar do cidadão, quem sofre com o impacto é Administração Pública (Faculdades, UBS, Tribunal de Justiça, Parques Ecológicos), mas é o povo brasileiro a quem diminui a qualidade de vida.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

Codage - Coordenadoria de Administração dos Recursos das Universidades Estaduais Paulistas. Disponível em: https://sites.usp.br/codage/adminsitracao-dos-recursos-das-universidades-estaduais-paulistas/. Acesso em: 20 jun. 2023;

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República.
 

SILVA, José Afonso da. Orçamento - Programa no Brasil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1973. p. 40-41

 

KONCHINSKI, Vinicius. Mudança no ICMS deve aumentar preço da gasolina a partir desta quinta (1). Brasil de Fato, 1 jun. 2023. Acesso em: 20 jun 2023. <https://www.brasildefato.com.br/2023/06/01/mudanca-no-icms-deve-aumentar-preco-da-gasolina-a-partir-desta-quinta-1#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20Federa%C3%A7%C3%A3o,do%20ICMS%20%C3%A9%20de%2018%25.>

ALEXANDRE, R. Direito Tributário - 17ª Ed. 2023. São Paulo: Editora Atlas, 2023.

 

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. OECD Education. https://www.oecd.org/education/. Accessed on 22 Jun. 2023.

 

 

Juliana Contel graduanda em Ciências Econômicas FEA-RP

 

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