Cidadania: uma reflexão sobre os direitos

Cidadania: uma reflexão sobre os direitos

 A cidadania é um conjunto de direitos e deveres que garante a todos os indivíduos acesso igualitário aos recursos materiais e imateriais de forma digna. O jornalista e escritor Gilberto Dimenstein trouxe o termo ‘’cidadania de papel’’ para definir a sociedade brasileira, que possui seus direitos garantidos no papel mas não os usufrui verdadeiramente. Esse termo, apesar de estabelecido no século passado, ainda é muito atual para explicar a contemporaneidade, em que indivíduos ainda são marginalizados e não têm acesso a serviços básicos.

Os direitos são divididos em três grupos principais: direitos civis, que dizem respeito às liberdades dos indivíduos, como liberdade de pensamento e culto; direitos políticos, que referem-se à participação política do indivíduo, como poder de voto, de filiação política e de greve; e direitos sociais, que competem ao atendimento das necessidades básicas, como acesso à saúde, educação e moradia. 

Internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1948 como resposta às forças nazistas e ao Holocausto, expandiu os direitos para uma perspectiva mais ampla de direito à vida. Esse direito seria universal, indivisível e interdependente, sendo representativo para uma vida digna e para a garantia de bem-estar.

Historicamente, a cidadania moderna surge com a Revolução Inglesa e a Revolução Francesa nos séculos XVII e XVIII, respectivamente. No Brasil colonial os direitos eram totalmente negados à parcela mais expressiva que compunha a população, ou seja, a escrava. Além disso, o analfabetismo estava presente em todas as parcelas da sociedade. Com a Independência e posterior Proclamação da República houve a formação de um Estado mas não de uma Nação, haja vista a não participação popular nesses fatos históricos.

Assim, durante todo esse período da história brasileira, a falta de unidade e de manifestação de nacionalidade foram características marcantes que dificultaram a expressão de cidadania. Apenas a partir da Guerra do Paraguai iniciada em 1864 houve a primeira aparição de uma identidade nacional com o culto à bandeira e o alistamento. No entanto, os primeiros anos da República brasileira foram sinalizados pela restrita participação política popular, o que evidencia o caráter do governo voltado para a elite.

Já o século XX trouxe para os brasileiros a concessão mais expressiva de direitos sociais até então. Entretanto, com o golpe militar em 1964, os direitos políticos foram cassados e os direitos civis suprimidos, sobretudo com a censura e a previsão legal da pena capital. Com o fim da ditadura e o restabelecimento da democracia, foi promulgada a Constituição de 1988, com a alcunha de ‘’Constituição Cidadã’’. A Carta Magna restabeleceu os direitos políticos, mas os direitos sociais e civis continuam deficientes até hoje.

Dessa forma, observa-se, em linhas gerais, o longo percurso para a formação da cidadania no Brasil, que ocorreu de forma inconstante, tardia e com muitos retrocessos e que, ainda hoje, não é plena. Segundo dados das Pesquisas Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017 e 2018, quase 65% da população não usufrui de ao menos um dos direitos a seguir: à educação, à moradia, à proteção social, à internet e ao saneamento básico. Nesse sentido, o termo ‘’cidadão de papel’’ referenciado anteriormente pode ser retomado, visto que uma parcela significativa da população brasileira não tem acesso aos seus direitos, embora eles estejam expressos no texto constitucional.

O direito político muitas vezes é restrito ao direito eleitoral, pois o voto é garantido, mas a participação de mulheres na política ainda encontra barreiras. A liberdade de expressão e de imprensa frequentemente é questionada, com a omissão de fatos e falta de transparência pelo governo. Assim como, os direitos sociais sofrem expressivo retrocesso no contexto de crise atual, com evasão escolar, aumento do número de desabrigados e casos marcantes na saúde, como a falta de oxigênio em hospitais de Manaus no início do ano. Por fim, os direitos humanos são constantemente infligidos devido às altas taxas de homicídio, violência policial e feminicidio. 

Logo, o país apresenta ótimas leis que instituem os direitos, mas que não são cumpridas, sendo necessário mobilizações e reivindicações, além de educação política, para permitir o exercício de uma cidadania plena no futuro. A luta pela conquista dos direitos atuais foi árdua, mas ainda há um longo caminho a seguir para garanti-los.

 

Texto escrito por Alícia de Brito Martins, estudante de Economia Empresarial e Controladoria na FEA-RP/USP.

Imagem: Canva

Referências:

DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel. São Paulo: Ática, v. 1, 1994.

CREMONESE, Dejalma. A difícil construção da cidadania no Brasil. Desenvolvimento em Questão, v. 5, 2007.

DE CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Editora José Olympio, 2017.

Sem direitos: 65% dos brasileiros não têm ao menos um garantido. Amazônia Real, 2019. Disponível em: <https://amazoniareal.com.br/os-brasileiros-sem-direitos/ >. Acesso em: 24 de jul. de 2021.


 

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