E, agora, quem poderá nos defender?

E, agora, quem poderá nos defender?

De repente, tudo mudou. O que já era realidade, mas podia ser negado ou deixado de lado chegou e não foi de mansinho, chegou chegando, causando pânico, medo, insegurança, angústia, preocupação,paranóia,...tudo, menos histeria! Assim, de um dia pro outro tivemos que pensar em coisas até então impensáveis, porque não se faziam necessárias, gerando em muitos tamanho tráfego mental, que levou ao colapso. Fala-se do risco de colapso da saúde neste momento e, além de compartilhar desta ameaça real, adiciona-se a isso o risco de colapso mental. Temos que tentar manter a capacidade de sentir e de pensar, o que já é bastante pra este momento e, ainda somos convidados (não com gentileza e educação; mais como uma obrigação) a reinventar formas de sobreviver. A casa deixa de ser o lugar reservado para descanso e passa a ser o nosso escritório, tornando ainda mais difícil separar vida privada e pública, os locais públicos deixam de sê-lo e passam a ser privados, fechados, causando estranhamento ao nosso olhar. Somos obrigados, ainda, a nos movimentar com muito cuidado, o que chega a parecer muito obsessivo quando precisamos ir ao supermercado e farmácias para nos precaver e, ao mesmo tempo, nos lotar de suprimentos, o que se assemelha muito mais a um comportamento de apocalipse do que de medidas saudáveis de prevenção.

No meio de todo este caos (o mental) experimentamos algo novo que é a percepção de que distantes nos mantemos mais próximos. Que paradoxo, não? Minha família mora em outra cidade e por muitos anos convivendo com esta distância nunca havia feito tantas chamadas de vídeo como agora faço. Situações como essa escancaram pra gente a nossa necessidade de se manter unido, tentando desenvolver novos recursos, não só os tecnológicos, mas principalmente os de fala para que possamos nos sentir abraçados, acolhidos e amados.

Na contramão de tudo isso, o presidente faz um pronunciamento que causa comoção geral, até em alguns que ainda o viam como referência. É aquela história de que uma hora a conta chega, não é mesmo? Posso dizer por mim e acredito que não esteja sozinha nessa, mas o que senti imediatamente após seu discurso foi um misto de raiva, tristeza e, no fim, o pior dos sentimentos, o desamparo. Dói isso, aperta e gera muita angústia! Lembrei de um conceito estudado em psicanálise, o terror sem nome, que de forma bem simplificada tem a ver com o bebê sentir algum incômodo e, projetando por meio do choro, esperneio, etc na mãe o que o angustia, esta devolve não acolhimento e continência, mas sim o terror do filho intensificado pelo seu próprio, levando a um estado terrorífico de desamparo, pois quando esse processo falha, quem poderá o defender? Nesses casos, só o Chapolin Colorado mesmo.        

Assim, sinto que depois do que aconteceu ontem não temos mais que nos preocupar apenas com nossos pulmões, mas além deste temos o coração sofrendo sérios riscos de não aguentar tamanha irresponsabilidade e sentimentos intensos, que já estavam difíceis de serem manejados. Sendo assim, a ameaça aumentou, não temos que nos proteger apenas de algo invisível, mas de algo que fala, grita, se pronuncia, aparece nos jornais e nas reportagens. O mais preocupante é que faz tudo isso, mas não pensa. Há, então, uma emergência ainda maior! Teremos mais trabalho pela frente. Cuidemos, agora, não só de lavar as mãos, mas de desinfetarmos o que ouvimos e, que, trancados ou não em casa inevitavelmente chega até nós!   

Créditos da imagem: Foto pessoal de obra de arte sem título de Edgar de Souza em Inhotim

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