Em homenagem ao nosso delicado ofício de cada dia!

Em homenagem ao nosso delicado ofício de cada dia!

Estamos nos aproximando do dia 27 de Agosto, data em que é comemorada a profissão do psicólogo! Mas, por que neste dia? O dia 27 de agosto é importante na história da psicologia no Brasil, pois foi o dia em que a Lei n. 4119 foi promulgada, regularizando a formação e a profissão no país. Desta época para cá sabemos que muitos foram se graduando, se especializando e a psicologia, foi assim, sendo disseminada em nossa sociedade em diversas áreas profissionais.

Mas hoje eu gostaria de conversar com vocês sobre algumas particularidades desta linda e delicada, ora forte e precisa profissão, o que se torna às vezes difícil para por em palavras, pois muitas vezes o que vivemos com os nossos pacientes não possui representação, ainda, verbal. É de outra ordem. Talvez de alma ou de pele!  Mas como assim? Muitas vezes nem tocamos em nossos pacientes! Parece paradoxo, não? Mas estou dizendo do encontro da pele psíquica, do encontro de duas mentes extremamente diferentes, mas com um intuito em comum: poder pensar os pensamentos. Como Bion brilhantemente nos ensinou, muitas vezes não conseguimos ter condições de pensar os próprios pensamentos ou sentir os próprios sentimentos e, então, nós terapeutas nos esforçamos psiquicamente para poder receber o que os pacientes não estão conseguindo digerir e, deste modo colocamos para dentro de nós, dentro do nosso estômago psíquico, se assim eu puder chamar, e mastigamos os conteúdos insuportáveis e difíceis, que causam conflito e desordem na mente do paciente. Tentamos , assim, devolver o que foi projetado de uma forma que caiba e que possa ser então digerida pelo próprio paciente.

Ao escrever este texto, lembrei-me da seguinte frase, muito verdadeira e poética, de Tania Cociuffo acerca da profissão do psicólogo, a qual diz: "Delicado esse nosso ofício que não pode ser aprendido de maneira concreta. Um curativo bem feito exige, além de habilidade, materiais como esparadrapo e gazes. Quais os recursos disponíveis, no entanto, para essa nossa aproximação? Como fazer curativos psíquicos que, na maioria das vezes, independem de materiais/ações concretas? E com que assepsia posso me proteger do contágio? As feridas dos pacientes podem estar expostas e como podem ser cuidadas? Como tocá-las de maneira a não provocar dor maior? A angústia desenha-se pela sutileza do encontro que não se aprende concretamente."

Assim, pegando emprestado a ideia de Tânia e misturando-se com as que têm também nascido dentro de mim, penso que essa sutileza do encontro de almas, de dores, de sofrimentos que se faz entre paciente e terapeuta é algo extremamente difícil de se aprender concretamente. Lógico que todos nós, psicólogos, tivemos aulas teóricas, práticas, provas, trabalhos, supervisões e, um arsenal gigante de materiais para ler e apreender sobre a mente humana. Contudo, aprender mesmo, de verdade, só é possível com a experiência de viver o encontro no aqui e agora com o paciente, na sala de atendimento, seja cada um na sua poltrona, seja na poltrona e no divã, mas ali, juntos, conectados um ao outro vivendo um momento único que jamais poderá ser representado novamente.

Muitas pessoas, a maioria que não é da área psi, me questionam se há um protocolo geral para atender pacientes ansiosos ou depressivos ou com baixa auto estima e,eu penso que está justamente aí a sutileza de nosso ofício, pois consideramos a delicadeza de cada encontro, que é único, mesmo que vários pacientes apresentem o mesmo diagnóstico. Aliás, acredito que para se estar de fato com o paciente, ser humano, feito de carne e osso assim como o terapeuta, pouco se deve pensar a respeito de diagnóstico no momento do atendimento, pois isso pode saturar tanto a mente do psicólogo que este se esquece da verdadeira pessoa que já passou por tanta coisa e que ainda está ali tentando confiar novamente. Portanto, não há uma receita de como atender 'ansiedade' ou 'depressão', pois não atendemos o diagnóstico e sim a pessoa, que possui dentro de si um mundo inteiramente novo de ideias, pensamentos, sentimentos, vivências, traumas, alegrias, que jamais poderão ser comparadas com uma outra que chega após essa. Aí está, eu acredito, a arte da psicanálise! Cada novo paciente que chega para nós é um novo mundo que se abre, com clima, idioma e costumes próprios, não há nada a que possa ser equiparado.

Ao discorrer sobre este assunto, me vem a necessidade também de pensar no cuidado que o psicólogo precisa ter consigo mesmo, com seus próprios pensamentos, sentimentos, vivências, assim como o paciente, pois somos ambos seres humanos com todas nossas questões. Que bom que é assim, não é mesmo? Afinal, como poderíamos entender e ter empatia por um paciente que chega para nós, se não formos também humanos, com nossas dificuldades e potencialidades? Engana-se quem pensa que o terapeuta não sente o que o paciente sente e, é justamente por sentirem juntos que alguma mudança pode vir a acontecer! Então, como podemos trabalhar neste ofício tão cheio de subjetividades e não nos conhecermos? Como podemos trabalhar se não cuidarmos do que é nosso mediante tantas outras coisas que nos chegam? Penso que enquanto não pudermos olhar para nossas questões não iremos também ter campo de visão para ajudar nosso paciente.

Como diz Paulo Emanuel Machado em um texto belíssimo sobre a arte da terapia: "Se acredito que o ser humano é apenas uma máquina necessitando deste ou daquele conserto não serei nem mesmo um analista razoável. Se minha análise pessoal me fez ver e escutar o outro estranho em mim – o inconsciente – ela me fez ver e escutar minha própria subjetividade. Ela me capacitou a ver e a escutar a subjetividade do outro que me busca exatamente para vê-lo e escutá-lo, para acompanhá-lo nessa estranha, mas singular e fantástica aventura do autoconhecimento."

Portanto, ao mesmo tempo que cada ser é único e singular, somos também seres da mesma espécie e, por isso, muitas vezes (ou quase sempre) os pacientes revelam sentimentos e sofrimentos que também temos ou já tivemos e, justamente por isso, por já termos chegado perto desse nosso inconsciente é que podemos ajudá-los. Para finalizar trago uma ideia que ouvi certa vez em uma palestra do psicanalista Franco Borgogno e que ecoa dentro de mim até hoje. Ele disse: "O paciente não vai até você para receber interpretações, mas para ver se o terapeuta também passou pela mesma coisa que o paciente e consegue ensiná-lo o antídoto para elaborar. Por isso, é importante o terapeuta adoecer da mesma doença do paciente."  

Encerro assim, convidando-os a se aproximarem de si mesmos, de seus pensamentos e sentimentos e, quem sabe, a embarcarem nesta aventura rumo ao autoconhecimento junto com um psicólogo ético e responsável pelo seu ofício!

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