Mãe suficientemente boa ou mãe perfeita?

Mãe suficientemente boa ou mãe perfeita?

Com o dia das mães se aproximando, venho hoje discorrer sobre um conceito bastante conhecido dentro da psicanálise e até já bastante disseminado no senso comum, que é o termo mãe suficientemente boa, do pediatra e psicanalista Donald Winnicott. Apesar de muito falado e discutido, ainda há uma confusão a respeito de seu sentido. Muitas pessoas confundem a ideia de mãe suficientemente boa com a ideia (ou poderíamos dizer ilusão?) de mãe perfeita. Bom, vamos por partes. Primeiramente, mãe perfeita existe? Ou melhor, é real essa ideia de ser humano perfeito?

Não podemos falar de um sujeito sem contextualizá-lo, não é mesmo? Sendo assim, não podemos perder de vista que vivemos em uma sociedade capitalista, que a todo momento tenta nos comprar para que possamos nos sentir incluídos e fazendo parte desta "camarotização" da vida. Diferentemente do que quer dizer o conceito de Winnicott, no momento atual vivemos de um jeito que nunca parece ser suficiente o que somos ou o que fazemos. Estamos sempre com menos do que deveríamos estar, somos menos do que deveríamos ser, não estudamos ou não trabalhamos o suficiente, não estamos com o carro ou a casa ideal, não temos o corpo desejável e, então, por isso, é provável que nos avaliemos como preguiçosos e relaxados, que deveríamos malhar mais, mas ao mesmo tempo também estar mais com os filhos e com o marido/esposa e com os amigos e, lógico, ser o funcionário destaque. CHEGA!!! Dá vontade de jogar tudo para o alto, não é mesmo?

Desta forma de olhar o mundo, parecemos sempre fracassados e piores do que o outro com quem convivemos. Então, com isso, vamos criando realmente a ideia de que deveríamos ser perfeitos e se, eu não sou perfeito, o outro do meu lado é e, o erro, portanto, está em mim. Isso é cruel e perverso, pois distorce a nossa realidade e tenta impor outra que basicamente não é real, e, portanto, não existe. Então, neste sentido, penso que não poderia faltar para o pacote de idealizações a ideia da mãe perfeita.

Esta semana vi nas redes sociais um relato de uma atriz, a qual dizia o quanto se sentiu mal na época do nascimento de sua primeira filha, pois estava extremamente fragilizada e sentindo-se preocupada, com diversos receios, medos, dúvidas (totalmente normais para este período) e nesta época aceitou realizar um ensaio para uma revista dizendo o quanto estava tudo lindo e perfeito no puerpério (período após o parto). Detalhe que ela conta que nesta época estava se sentindo horrível, desgastada, cansada, sem tempo para si mesma e, portanto, havia dias que sequer penteava o cabelo (o que é extremamente normal neste período), porém para a matéria a deixaram com cabelos lindos, pele maquiada, roupa que disfarçava suas imperfeições e, assim, rapidamente, estava pronta mais uma manchete ou vitrine de que ser mãe é tudo de bom, de que amamentar é a melhor coisa do mundo, de que é totalmente possível ser uma excelente mãe e ainda manter-se bela e bem cuidada. Enfim, quanta hipocrisia, não é mesmo, minha gente? Penso que é por estes caminhos que perpassam as nossas fantasias e idealizações de perfeição e, deste modo, tudo que não é perfeito deve ser escondido, negado ou jogado fora!

Bem diferente disso é o conceito de mãe suficientemente boa para Winnicott, pois para ele esta não precisa ser necessariamente a mãe biológica da criança, mas sim aquela que assume genuinamente a função de cuidado a fim de suprir as necessidades da criança, oferecendo o que ela precisa em cada etapa do seu desenvolvimento. Isso apenas ocorre, pois a mãe entra num estado que Winnicott conceitua de preocupação materna primária, que pode ser explicado como um estado de sensibilidade exacerbada, no qual ela se adapta ativamente e se identifica de maneira delicada às necessidades do filho, excluindo temporariamente (algumas semanas após o nascimento) qualquer outro interesse, o que cabe muito bem aqui o exemplo da atriz que nem sequer lembrava de pentear seus cabelos.

Deste modo, a mãe suficientemente boa aprende a ser assim a partir da experiência com o seu bebê e, então, não dá para falar de bebê e mãe separados, pois quando nasce um bebê, nasce também uma mãe. Esta, quando consegue estar atenta ao filho, respondendo e respeitando seus gestos espontâneos, está fazendo algo  extremamente importante para o desenvolvimento de seu self verdadeiro. E, ao longo do tempo, do mesmo modo que a mãe sente essa necessidade de se voltar totalmente à criança no início de sua vida, ela vai também percebendo que essa preocupação vai se tornando "desnecessária", pois a criança passa a desenvolver condições de chamar pela mãe por meio do choro, do grito e do esperneio, assim como é natural que a mãe também retome os seus desejos e interesses para além da criança e volte a poder existir conjuntamente ao filho.

É muito importante ressaltar que ao lado de toda mãe suficientemente boa há um pai e familiares, que são fundamentais neste processo, pois neste momento a mãe também encontra-se bastante dependente e vulnerável e, para que ela possa estar disponível para dedicar-se a seu filho, é necessário também se sentir cuidada. Assim, neste contexto, Winnicott acredita que orientações (mesmo do pediatra) ou os famosos "palpites" vindos de fora não devem ser mais importantes do que a intuição e a sensibilidade da mãe e do pai.

Assim, mamães (e também papais), neste dia especial, não se esqueçam que vocês sabem muito mais sobre o seu filho do que qualquer outra pessoa e cair nestas conversas de maternidade perfeita é uma fria, pois cada vivência é única e singular. Se você puder, então, fazer o SEU melhor para ser a melhor mãe para o SEU filho, é isso que importa e é isso que Winnicott quis dizer com o termo suficientemente bom. Então, eu desejo um FELIZ DIA DAS MÃES para todas as mamães que não precisam ser perfeitas e, sim, podem ser espontâneas e verdadeiras na vivência da maternidade!

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