Medo? Sim, senhora!

Medo? Sim, senhora!

Dia desses conversando com minha avó, ela disse o seguinte: "Diante de tudo que tá acontecendo minha filha, não podemos ter medo, temos que ter fé". Concordo com minha avó que a fé ajuda muito nesse momento, mas começamos a conversar sobre a parte do não ter medo. Perguntei a ela se sem medo ela continuaria fazendo suas atividades rotineiras, indo à missa e encontrando outras amigas também idosas. Ela disse que sim. Então, o medo não é extremamente importante neste momento? Porque se sem medo continuamos fazendo nossas atividades habituais, o medo, então, é um importante aliado para nos protegermos. Com medo nos precavemos, evitamos sair e ter contato com outras pessoas, ou seja, nos cuidamos mais, o que nos faz pisar no chão da realidade. O contrário disso penso ser uma mistura de negação com pânico, pois aí nos tornamos cegos, seja para o real que está aí e a mídia não nos deixa negar (ainda bem!), seja para o medo que o pânico não nos permite pensar e sentir.

Acho que o que minha avó queria dizer era em relação ao pânico. Este realmente é assustador, pois não há possibilidade de fazer uso do medo a seu favor. O medo precisa de espaço, uma vez que é o sentimento maior que temos, é o que mais faz volume dentro de nós. Então, se este não pode existir, mas de nada ele muda com nosso desejo de que ele não exista, aí é que ele toma conta, transformando-se num medo ainda maior, o medo de sentir medo. Chico Buarque escreveu um livro lindíssimo sobre esse assunto, que se chama Chapeuzinho Amarelo. Isso mesmo, essa Chapeuzinho não é a vermelha, mas sim a amarelada de medo, que não é devorada pelo lobo mau, mas sim aquela que de tanto pensar e sonhar com o lobo passa a dar vida para ele dentro de si.

Essa história infantil, que não tem nada de exclusiva pra criança, mas sim fala do humano que todos somos, embora muitas vezes tentamos nos distrair disso, aborda justamente o medo de que estou falando, o medo do medo. Quando não podemos falar sobre o medo que sentimos e, muito menos, chegar perto de senti-lo em sua totalidade, este não diminui como muitos podem imaginar, mas, ele, sim, AUMENTA! Se o medo é o sentimento maior que há, ele há de precisar de espaço, não é mesmo? Se ele não encontra, ele passa a pressionar o canto pequeno em que se esconde, como uma porta que não pode ser aberta e, então, precisa de força para ser arrombada. Mas, se lhe permitimos livre circulação, é muito provável que ele se instale, possa ir e vir e até passear por nossos cantinhos com mais leveza. Diferente do coronavírus, se deixarmos que ele nos habite, este não nos destrói.

Muito pelo contrário, quando conseguimos deixá-lo um tempo dentro de nós, podemos até ver de que tamanho ele é. Se ele é grande, mas podemos dividir espaço com ele, como Valter Hugo Mãe escreve lindamente no conto a lenda do poço, em que Itaro se aconchega e até faz amizade com a fera-medo, será possível, então, nos surpreendermos também com o nosso tamanho diante dele? Assim sendo, somos tão grandes quanto ele? Temos também orelhas,olhos e bocas enormes que nos permitem provar dos sentidos que temos a nosso favor? Se assim for, podemos dar lugar para o medo que estamos sentindo, seja ele qual for: coronavírus, contágio, solidão, morte, incerteza, desemprego,...e até podemos encontrar medos antes nunca descobertos, mas de uma coisa não tenho dúvida, o pânico tão temido, assim, pode achar lugar até para ser sentido. Afinal de contas, o medo do medo é legítimo? Sim, senhora!

Créditos da imagem: Marcos Guinoza

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