Não há arco-íris sem chuva

Não há arco-íris sem chuva

Há algum tempo venho me interessando mais pela nossa tendência humana de nos comparar com o outro com quem convivemos, idealizando que sua vida ou seu caminho, para não dizer grama, é sempre melhor, mais verdinha ou que o outro facilmente atinge seus objetivos com mais destreza, rapidez ou facilidade. Rupi Kaur em seu livro "O que o sol faz com as flores" afirma que este é um belo desserviço à nossa própria vida. E não é mesmo? Não somos justos com a gente e nem com o outro quando nos comparamos, porque somos constitucionalmente, sistemicamente, culturalmente e historicamente (para não continuar nos mais infinitos "mentes" que eu poderia citar) diferentes, então por que cargas d'água nos comparamos tanto com esse outro ser? Será que faz sentido?

Racionalmente parece não fazer sentido, mas em nossa realidade interna isso é bastante comum, principalmente quando nos sentimos mais inseguros com quem somos. Aí não é preciso grandes estímulos para começarmos a tortura de olhar para o amigo ou colega de trabalho com um olhar diferente dos dias em que nos sentimos mais tranquilos com quem somos e com os nossos próprios feitos.  Quando estamos nesse estado de mente ou utilizando estes óculos específicos que só enxergam parte da realidade, tendemos a usar certos mecanismos de defesa como a idealização para nos proteger da angústia, a qual é sentida como insuportável. Nesses momentos, então, deixamos de enxergar o outro como real e passamos a criar uma imagem ideal de como ele é e como se relaciona com as coisas e pessoas a sua volta, atribuindo-lhe qualidades de perfeição e somente características positivas.

Aí está pronta a receita da inveja, que em poucos casos leva à ação de fazer mal ou destruir algo do outro, pois normalmente a pessoa invejada continua conduzindo sua vida bem e saudável.  Parece contraditório, mas quem fica mal é a própria pessoa que inveja, porque esta tende a se sentir cada vez mais distante do que deveria ser, prevalecendo crenças e sensações de inadequação, incompetência e, ficando, assim, desprovida de qualquer qualidade. Quer destruição maior que essa?

Isso está longe de ser um mal estar contemporâneo, porém acredito que atualmente isto tem sido mais recorrente com a força das redes sociais que nos bombardeia diariamente com pessoas maravilhosas. Afinal, quem nunca viu uma foto no instagram e começou a se comparar com aquela pessoa super arrumada enquanto você está de pijama em casa ou com aquela pessoa que vive viajando enquanto você está trabalhando ou com aquele casal que está sempre apaixonado enquanto você e seu namorado brigam a todo momento?

Bom, esses são belos exemplos de idealização. Não que o que vemos nas redes sociais não seja verdade (há também esses casos), mas o ponto principal é que aquela realidade exposta é só uma parte da verdade ou só um vértice da vida daquela pessoa naquele instante fugaz, que em seguida se modificará. Lembro, aqui, do poema "Verdade" de Drummond que lindamente versa sobre a impossibilidade de atingirmos toda a verdade, uma vez que sempre nos carece optar, seja conforme nosso capricho, ilusão ou miopia.  

Deste modo, penso que um exercício muito bacana para minimizar um pouco deste mecanismo é, quando possível, conversar com as pessoas que costumamos idealizar para que possamos diminuir essa distância criada entre o que imaginamos do outro e o real. Na maior parte das vezes em que isso acontece é possível perceber que o que era invejado sequer existia. E, com isso, pode-se poupar um tanto bom de auto destruição, porque no fundo somos todos imperfeitos, incompletos, precários, feitos de uma boa mistura de elementos ora ruins ora bons e que não temos como saber a priori se são ruins ou bons, porque eles variam e se misturam e, quase não é possível distinguir qual é qual, porque ambos nos constituem e têm o seu valor.  

Isso me faz lembrar uma situação de intensa chuva que vivenciei há alguns meses na estrada enquanto dirigia, o que me impossibilitou ter uma visão clara da rodovia por alguns momentos. Quando esta se intensificou fiquei assustada, com medo, desejando não ter chuva. No entanto, pequenos que somos não temos como controlar a chuva, mas apenas aceitar. Continuei dirigindo e, aos poucos, percebi que a chuva diminuía, chegando quase a parar e, então, quando comecei a me acalmar, surgiu um sol intenso, vívido e de tão brilhante também atrapalhava bastante minha visão e minha direção. Senti novamente o medo, desacelerei e pensei que somos mesmo muito pequenos diante de tudo, não cabendo a nós querer ou não que tenha sol ou chuva ou sol e chuva. Segui dirigindo, com cautela, tentando ter paciência e tolerância para continuar a viagem e, eis que de repente, presencio nascer o filho do sol, da chuva e da minha paciente espera: o arco íris. Este não desapontava os pais, pois era de um tamanho por mim jamais visto. Ele parecia cobrir o carro, tomando conta do imenso céu sobre nós.

Neste dia eu realizei que as coisas não são mesmo isoladas e sim uma boa e rica mistura, pois se não há chuva e sol, não há também arco íris. A chuva e o sol me assustaram? Sim, muito! Mas, para poder ver a beleza do arco íris, precisei suportar os sentimentos ruins provocados pela chuva e sol intensos. Penso que com os nossos recursos internos também é assim. Se der para tolerar que temos um lado ruim ou um lado que nos assusta, é possível enxergamos não só nosso lado belo, mas principalmente a beleza de sermos constituídos por ambos. Só assim podemos caminhar rumo à integração e, com isso, nos aceitar com mais gentileza e carinho e, quem sabe, poder idealizar um pouco menos o outro com quem convivemos.

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