Retomar

Retomar

Re-tomar, tomar novamente algo que ficou temporariamente parado. Parece simples se seguirmos alguns gurus motivacionais do momento que dizem que só basta querer que a gente consegue. Parece até aquela música da Xuxa que muito ouvíamos na infância: "Tudo pode ser, se quiser será, o sonho sempre vem pra quem sonhar, tudo pode ser, só basta acreditar". Linda a ideia, mas tão utópica quanto acreditar que do dia 31 de Dezembro para 1 de Janeiro as metas desejadas serão colocadas em prática. Às vezes na primeira semana do ano até sejam, mas tornar isso um hábito saudável, que é integrado à rotina e à história de vida de cada um já são outros quinhentos. E, muitas vezes, esses discursos simplistas de "eu quero, eu consigo" trazem ainda mais sofrimento para a pessoa que está desejando muito uma mudança, mas não consegue colocar em prática, porque nesse caso além dela não conseguir, ainda tem a cobrança de que nem querer ela consegue ou que está querendo errado, como se tudo girasse em torno simplesmente dela e, ainda, de uma parte consciente dela. E a coisa não é tão simples assim, né minha gente?

Por isso, hoje quero falar dessa difícil missão de retomar, que inclusive está relacionada com a minha volta aqui para o blog. Há tempos não conseguia escrever e, assumo que retomar não está sendo nada fácil. Dá uma sensação de que não vou conseguir escrever nada que seja interessante e, com isso, muitas vezes o ato pequeno de começar a escrever algo e poder me envolver na escrita de algumas palavras e ver se isso flui, fica impossibilitado. É possível que este assunto tenha sido suficientemente instigante pra eu começar a escrever, pois diz do que estou sentindo e também do que percebo em muitas pessoas. Às vezes a nossa cobrança de ter algo pronto tira nossa liberdade de tentar começar com o que se tem.

Afinal, quem nunca deixou de começar uma dieta, porque não tinha os suplementos que julgava ser necessário? Quem nunca deixou de sair, pois não gostava das roupas que tinha no armário? Quem nunca deixou de se empenhar numa atividade física, porque não conseguia executar todos os exercícios? Quem nunca deixou de prestar um concurso, porque não tinha estudado o suficiente? Muitas vezes nos enganamos, não porque queremos, mas porque sentimos medo de não sermos bons o suficiente, de não termos as habilidades necessárias e, ficamos assim tão centrados no que não temos que não conseguimos enxergar o que temos e que muitas vezes é suficiente para começar e, daí, em diante, podendo começar provavelmente teremos condições de aprimorar, pouco a pouco, o que ainda não sabemos ou não conseguimos. Mas, pra isso, haja tolerância e paciência, porque não é sistema fast food, é comida feita no fogão a lenha, que precisa de muito tempo e dedicação, no entanto o sabor da comida costuma valer toda a espera e o trabalho.

Esses dias ouvi um pai dizendo que preparar os legumes com o filho tem facilitado muito para que ele se arrisque a experimentar e até gostar de grande parte dos legumes e, pensando sobre isso, me faz ter mais clareza da importância de nos envolvermos com o processo das coisas, pois essa é a única forma de verdadeiramente nos interessarmos e mantermos algum tipo de mudança, que possa vir a se tornar duradoura.

Retomar, então, leva tempo, é custoso, mas quando me percebo escrevendo me vejo feliz por me conectar novamente com algo que me agrada, que me ajuda a pensar e, aí eu consigo me desgrudar do medo e perceber que mais importante que a qualidade do texto (que também é algo totalmente subjetivo) é o ato de voltar a escrever. Assim, é possível novamente me envolver e quiçá publicar algo, que primeiramente precisa ser escrito pra mim, pois é isso que vai alimentar a minha possibilidade de continuar escrevendo e não o resultado final. Tomar novamente algo que ficou temporariamente parado, então, é também tomar para si partes suas, que quando conseguem estar novamente internalizadas passam a preencher e possibilitam agir. Como tudo na vida, a beleza está em ao mesmo tempo se sentir vazio e, poder se preencher; sentir o medo e ousar experimentar a satisfação, ter tempos de seca e de plantio, tempo de parar e depois retomar.  

Créditos da imagem: Andrea Tolaini

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