Sobre crescer

Sobre crescer

Há, será, um tempo exato para crescer? Nascemos, crescemos e, então, seguimos nossas vidas com o crescimento que adquirimos na infância? Ou, podemos pensar que estamos em constante crescimento?

Para discorrer sobre este assunto, o que primeiramente me vem à mente são as lembranças de minha infância, especificamente de uma época em que eu constantemente sentia dores nas pernas e nos braços e, por isso, me recordo de idas aos médicos, em que eu sempre ouvia a mesma história: "está doendo, pois está crescendo". Ficou famosa para mim, então, a expressão "é a dor do crescimento". E, assim, pequena ainda, sem muita compreensão do que isto queria dizer, eu comecei a entender que crescer, apesar de bom, podia doer. Me soava um bocado estranho, mas pensava que estava acontecendo alguma coisa que justificasse esta dor, mesmo que fosse decorrente do crescimento dos ossos, músculos ou de algo que estivesse em muita transformação dentro de mim. Parecia, então, estranho, mas justificável que crescer não devia ser nada fácil e que, talvez, não seriam apenas flores essa coisa chamada vida, pois se crescer, o que me parecia uma tarefa natural do ser humano, doía, imagina os outros grandes desafios a que estaria exposta mais pela frente?

Me pego aqui refletindo se naquela época eu realmente me questionava sobre essas questões ou se só queria mesmo crescer sem passar por essas dorzinhas desconfortáveis que às vezes surgiam. Não sei ao certo qual é a resposta para essa pergunta, mas sei que hoje esta questão do crescimento tem me feito pensar um tanto de coisas que gostaria de compartilhar com vocês. Sabemos que em relação ao crescimento físico, este, uma hora cessa. Mas ainda assim, vemos que não há como passar por este processo sem algum desconforto, dor ou incômodo, não é mesmo? Isso me faz lembrar um texto do Cortella em que ele conta o segredo da vida para o filho. Ele afirma: "vaca não dá leite. Você tem de tirar. Você precisa acordar 4h da manhã, ir ao pasto, entrar no curral cheio de fezes, amarrar rabo e pernas da vaca, sentar no banquinho e fazer o movimento certo! Esse é o segredo da vida. Vaca, búfala,cabra, não dão leite. Ou você tira ou não tem leite."

Ao ler isto sinto um tanto de coisas e penso que um questionamento possível seria: Será a vida, então, feita apenas de dores, sofrimento e esforço?

Pergunta difícil que não vou ousar responder, mas trago outra lembrança, esta não mais da infância e sim bem mais recente, que pode nos ajudar a pensar essa questão. Há alguns dias notei que uma de minhas flores estava muito grande e pesada para o vaso em que estava plantada. Comecei a observar que quando o vento era mais forte, este a derrubava ou em outros momentos suas folhas pendiam para o lado buscando o apoio da parede e, então, percebi que era hora de replantá-la em um vaso maior. Comprei adubo, terra, chamei uma pessoa querida para me ajudar a fazer esta troca e com cuidado e carinho trocamos o vaso que por muito tempo a amparou e forneceu contorno para que ela não caísse e não se desintegrasse e lhe oferecemos um novo, um pouco maior e que lhe dava mais espaço e liberdade para crescer e seguir se desenvolvendo.

Será, este cuidado da planta, uma boa metáfora para o nosso contínuo processo de crescimento? Não podemos também pensar outros diversos exemplos semelhantes a este, como a experiência do nascimento, em que a criança começa a existir mergulhada na ambivalência de estar protegida em um ambiente gostoso e confortável que é proporcionado pelo útero da mãe, mas que também passa a ser desconfortável e apertado e, por isso, o bebê empurra o útero demonstrando sua necessidade de continuar a crescer e a se desenvolver, mas agora no colo da mãe? Não podemos também pensar sobre o lar dos pais que começa a ficar pequeno e apertado para o filho jovem que precisa alçar novos voos? Ou, ainda, não podemos lembrar do esquema de moradia coletiva ou república que por uns anos pode ser muito divertido, mas que também chega a hora de seu fim e uma nova fase se faz necessária?

Bom, não sei se estou chegando em algum lugar com essas reflexões e associações livres, mas o objetivo deste texto é reforçar o quanto o nosso processo diário de crescimento e desenvolvimento é permeado por uma ambivalência danada. Por um lado, crescer significa ficar maior e, com isso, poder ir ao encontro de objetos antes inalcançáveis ou objetivos antes impensáveis, mas por outro lado, com essa aquisição vem também o medo de se lançar no novo, o receio de ficar grande e potente, a insegurança de perder o amor ou cuidado do outro porque já não necessita absolutamente deste,... Enfim, esta não é mesmo uma tarefa simples e direta. É sim tortuosa, cheia de subidas e descidas, aquisições e regressões, dores e melhoras, flores e espinhos e todos estes elementos fazem parte dessa loucura que é viver.  

Penso que se pudermos tolerar as ambivalências e dores decorrentes do desenvolvimento, podemos também continuar crescendo. Assim, talvez, possa ir cabendo não só as aquisições, mas principalmente os sentimentos que essas mudanças geram, seja o medo, a insegurança ou a angústia. Cabendo esses sentimentos dentro da gente, também há de haver espaço para a esperança e a confiança de que pode sempre existir um vaso maior, assim como novas possibilidades de ter terra fértil para plantar.

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