Sobre o medo de sentir

Sobre o medo de sentir

Percebo com bastante frequência uma crença muito comum de que é melhor não falar o que se pensa ou sente, pois assim a pessoa está mais protegida de entrar em contato com o que gera algum tipo de conflito, sofrimento ou incômodo. Me parece uma fantasia de que ao falar algo que está guardado a sete chaves isso se espalharia e tomaria conta, não sendo possível controlar o seu impacto e estrago. Contudo, o que o processo psicoterapêutico demonstra é que quanto mais podemos nos apropriar do que sentimos e pensamos, por mais estranhos que estes possam parecer, maior é a possibilidade de diminuir o sofrimento e o adoecimento, pois assim há a possibilidade de entrar ar e luz dentro da mente que muitas vezes se torna uma cela solitária, local fértil para o enlouquecimento. Assim, quando alguém se permite desmistificar essa crença muito forte de que é melhor ficar calado, novas possibilidades podem surgir e transformações podem acontecer no que parecia impossível e inacessível.

Deste modo, pode-se entrar em contato com o que temos de mais genuíno dentro de nós e, quem sabe, fazer amizade com as feras que, devido ao medo de serem muito perigosas, carregamos trancafiadas dentro de nós. Podemos, nesta jornada, perceber que o medo que tínhamos do medo era muito maior que o próprio medo. Entendem o que quero dizer? Muitas vezes o que nos paralisa ou o que dificulta nosso encontro com diferentes partes nossas é o medo que temos de não suportarmos o medo e, com isso, algo talvez pequeno se transforme em algo gigante, não porque assim o é, mas porque o nosso medo de sentir o medo (ou outro qualquer sentimento) o amplifica. Mia Couto, em um texto belíssimo, intitulado "Murar o medo", demonstra isso que estou tentando dizer com a seguinte frase: "É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente morreram mais chineses construindo a muralha do que vítimas das invasões que realmente aconteceram. Diz-se que alguns trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora do quanto o medo nos pode aprisionar."

Assim, penso que não há outra saída mais saudável do que deixar sair os nossos pensamentos e sentimentos para que tenham vida, mesmo os que parecem mais sombrios, pois só assim será possível enxergá-los e pensar sobre eles.  

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