Um olhar sobre a vida a partir da minha orquídea - PARTE 1

Um olhar sobre a vida a partir da minha orquídea - PARTE 1

Hoje vim falar com vocês sobre flores. Flores? É, sobre flores. Embora eu não seja uma grande estudiosa do assunto e nem uma pessoa com facilidade de cuidar de plantas, na última semana uma orquídea me colocou para pensar. Você pode estar se perguntando o que estou querendo dizer com isso, não é mesmo? Está parecendo um pouco estranho uma flor colocar um ser humano para pensar? É justamente sobre isso que gostaria de convidar vocês a pensar comigo neste texto, que irei dividir em duas partes para não ficar muito extenso. Vocês topam me acompanhar?

Este texto, então, é sobre as sutilezas da vida que me encantam e que me acordam para a própria vida! Uma orquídea me fez pensar em tantas coisas na última semana! Como é bom quando estamos atentos para os pequenos e lindos sinais que a vida nos fornece, assim, de graça, mas que nem sempre conseguimos enxergar, captar ou dar algum sentido em meio ao nosso dia corrido. Neste dia a que me referi na última semana eu pude perceber um desses sinais. Não sei se poderia dizer que foi por sorte que isso ocorreu, mas eu estava disponível e atenta para receber o que estava ali pertinho de mim, o que em outros dias talvez eu não teria enxergado.  

Bom, vamos lá! Vou contar-lhes uma história. Há três anos ganhei uma orquídea de uma senhora que costumava me chamar de anjo da guarda quando me via chegando para o atendimento que acontecia por meio de visita domiciliar. Era uma senhora solitária e que tinha muito para compartilhar e vivenciar. Uma pessoa sensível e, que, para mim escrevia poesias que ora resolvia declamar. Ah, que saudade dessa paciente e dessa época! Bom, esta senhora então me presenteou com esta orquídea, da qual venho cuidando desde então. No primeiro ano ela dava lindas flores e, cada dia que florescia eu sentia que iluminava e coloria não só minha casa, mas também meu dia. Eis que na semana passada pude presenciar o desabrochar de minha orquídea que há dois anos não dava nenhum sinal de flor e muito menos cor. Por vezes cheguei a pensar que não mais veria as flores lindas que dela nasciam.

Em alguns momentos julgava-me incapaz de cuidar de flores, visto que a maior parte da minha experiência com plantas não costuma acabar bem. Normalmente acaba com meu vasinho sem vida, apenas com terra e restos da tentativa de ser um dia alguma coisa além de semente. Nesses momentos sinto que me aproximo e tenho ainda mais condições de ter empatia com o lado julgador e cruel de meus pacientes, que também possuem pensamentos críticos e maus sobre si mesmos em alguns momentos da vida. No entanto, em outros momentos eu tinha condições de pensar de forma menos rígida e, então, experimentava trocar o vaso ou mudá-la de lugar na casa e, assim, continuava tentando como venho fazendo.

Um ponto importante que ainda não contei é que esta flor possui uma particularidade, que a paciente que me deu me avisou logo no início. Ela é uma espécie de orquídea que a flor permanece viva por apenas 24 horas. Portanto, no mesmo dia em que a flor abre, ela também murcha. Que intenso, não? Desde o início achava estranho todo esse processo acontecer tão rápido, pois por vezes eu saía de manhã e via que iria desabrochar naquele dia, o que me deixava muito feliz, no entanto havia dias que eu só voltava para casa à noite e aí quando chegava ela já não estava lá mais. Já havia aberto, florescido e exalado sua beleza e, por fim, murchado. Poxa, quantas emoções eu tinha e ainda tenho em relação a este processo ser tão intenso e tão efêmero. Sempre que penso sobre a duração das flores desta orquídea penso em sentimentos ambivalentes, pois é um processo tão lindo e tão significativo, mas pode ser também tão triste e angustiante ter que lidar com essa existência tão breve!

Neste momento ao escrever sobre isso tenho ainda mais certeza que tenho, sim, muita sorte por tê-la visto se desabrochar na semana passada, pois a partir disso tanta coisa se movimentou aqui dentro de mim. Pode parecer um exagero para alguns uma orquídea estar me ensinando tanto, mas ao mesmo tempo os mais sensíveis conseguirão enxergar de que ordem é o que estou tentando  escrever aqui. Lembrando que nossa linguagem verbal possui muitas limitações e não consegue descrever exatamente a essência das coisas, principalmente de coisas tão singulares e sutis como esta que estou tentando colocar em palavras.    

Interessante apontar que nos últimos dois anos eu permanecia cuidando dela com paciência e esperança, mas assumo que embora ela estivesse muito bonita, bem verdinha e com aspecto saudável, não imaginava mais que ela poderia florescer. Sinto que eu havia me acostumado a cuidar e a regar (lembrando que havia dias que eu me esquecia também de ir vê-la) para que ela continuasse viva, mas me percebia sem muita expectativa de que ela pudesse voltar a dar flores. Assumo também que não me recordava mais da nuance de suas cores e seus detalhes, pois havia tempos que não a via e a memória tem dessas coisas de 'deletar' o que parece não ser mais necessário ou atual. 

Então, foi neste contexto que, na semana anterior ao sair para pegar estrada e passar três dias longe de casa e já com as malas no carro pronta pra sair, resolvi buscar uma garrafa de água. Nesse momento percebi que havia esquecido de regá-las naquele dia e, senti-me mal, pois ela e outras que venho perseverantemente tentando cuidar, iriam ficar três dias sem água caso eu tivesse ido e não me lembrasse delas. Pois, então, foi uma especial surpresa quando eu me deparei com a linda flor que dela desabrochava. Até este momento eu ainda não sabia, mas havia ali tanta vida, cor e aroma escondido no cantinho de meu apartamento! Estava ali a vida que eu vinha aguardando que um dia, talvez, pudesse reaparecer e, neste dia, eu quase perco esse sinal de que há esperança, vida e  flor em meio à terra e à morte. Depois de dois anos plantando, replantando, regando, cuidando, esperando, olhando, observando, pesquisando, julgando, torcendo, trocando...eis que ela reviveu! E, depois deste dia, já houve outro florescer e desflorescer!

 Será que é possível uma situação dessa não mexer com a gente? Não reflete bem a nossa vida cotidiana? Não nos faz pensar sobre um monte de coisas que vivenciamos e enfrentamos em nossa vida humana? Quem nunca continuou em algum emprego ou relacionamento sem muita esperança, mas acabou sendo presenteado de alguma forma por ter tido paciência? Quem nunca estudou intensamente para alcançar um objetivo (vestibular, concurso, promoção no emprego) e sentia que o resultado nunca chegaria? Quem nunca se sentiu desmotivado com os baques que a vida dá e se julgou pouco merecedor de realizar seus sonhos? Quem nunca se sentiu angustiado com a única certeza de que possuímos e sabemos (assim como minha orquídea) que nós também vivemos e morremos a cada dia? Quem nunca desejou que um instante especial parasse no tempo e não murchasse? Pode ser uma festa, um show, uma viagem, um final de semana ou aquelas férias especiais. Assim, vejo que há muitos exemplos em nossa vida que demonstram os nossos desejos de que o desabrochar seja lento, o florescer vívido e constante e o desflorescer, adiado. Mas a verdade é que acaba, nós somos finitos. E isso é motivo para ficar triste? Ou para ficar feliz? Ou podemos dizer que é ambivalente, assim como minha experiência ao ver o processo de minha orquídea?

Bom, fico por aqui hoje para que possamos ir refletindo e conversando sobre a história de uma orquídea que, a meu ver, representa bem os nossos processos de vida. 

Já já volto com a segunda parte dessa história! Espero vocês!

Até o próximo post!

Compartilhar: