Bolsonaro(s) em questão

Bolsonaro(s) em questão

Uma das formas mais primitivas de dominação, exploração e controle são as relacionadas às relações de gênero. Debater o papel do masculino e do feminino, do homem e da mulher, do hetero, do bi e do homossexual entre outras possibilidades é tema acalorado até os dias de hoje.

Dois parceiros históricos da demanda de igualdade de gênero são o laicismo e a democracia. Não há igualdade de gênero possível sem o questionamento dos papéis históricos construídos a cada sexo pelas religiões e pelo Estado. Quanto mais autoritário o Estado ou a religião em questão maior a desigualdade de gênero: da violência verbal à física, da violência patrimonial à simbólica, dos direitos reconhecidos à despersonalização e invisibilidade e a exclusão social.

Neste ponto abordar o tema Bolsonaro e sua posição quanto a estupro é debater o papel do Estado e do laicismo. Se Bolsonaros há que podem se arvorar em público é devido ao fato de representarem não poucas pessoas. O fato complexo de um homofóbico, misógeno e defensor da ditadura estar deputado, em uma democracia, demonstra que os valores democráticos têm não poucos oponentes e, por vezes, com alicerces históricos. Mais que isto, como herança da noção de submissão do oponente o estupro seria válido para os defensores das ditaduras e autoritarismos.

Assim, saídos de uma ditadura, oficialmente, não poucas são as continuidades institucionais com o regime negado: homofobia, misogenia, assassinato sistemático dos mais pobres e dos negros, crimes sem apuração ou investigação, abuso do poder, constrangimento e negação dos Direitos Humanos são uma rotina que estupram o Brasil cotidianamente e da qual muitos países “civilizados” fecham os olhos e ouvidos em nome do combate ao terrorismo, nos dias atuias, e no passado, diante do combate ao comunismo.

Se, Bolsonaro fala em público, e no cargo oficial de representante do povo brasileiro, é devido ao fato de representar não poucos. É como alardear a fraqueza das instituições em defender os tradicionais sujeitos históricos vítimas de assédio moral. Mais que isto, demonstra o perfil de parte da base aliada do governo. É um tiro no próprio pé. Com aliados assim, para que oponentes?

Pior que isto é ver que mesmo pessoas que lideram instituições que deveriam primar pelas práticas democráticas e laicas e com grupos de estudos de gênero avançadíssimos atuam de modo diferente, mas acabam por “fortificar” o lado dos Bolsonaros. Assim, para o “reitor da USP, denunciar estupro na `instituição de ensino superior que administra’ é ação inquisitorial”.

Ação inquisitorial é o estupro que sobrevive no século XXI como marca da masculinidade que se põe infensa as demandas dos femininos e dos feminismos. Ação inquisitorial é ver a cortejo de corpos em meio a laudos que não confiam na palavra do denunciante, visto e tratado como sujeito de terceira categoria, como se os Direitos Humanos não houvesse isto resolvido. Ação inquisitorial é ver um grupo de homens fazendo piadas das demandas de mulheres e gays e afins. Ação inquisitorial é o descaso com a educação sobre a sexualidade e as demandas por igualdade de gênero. Ação inquisitorial é ver quantos no ambiente profissional ou pessoal denigrem a imagem de mulheres e gays como se fosse uma ação válida do ponto de vista ético e com a cumplicidade silenciosa dos que não denunciam. Ação inquisitorial é ver como a noção de estupro enquanto disciplinador sobrevive em mente e falas e ações.

Wlaumir Souza

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