Ação transformadora

Ação transformadora

Fiz muita matéria legal para a Revide nestes quase quatro anos de casa. Conheci muita gente interessante e interessada em realizar trabalhos construtivos para o que designamos de "um mundo melhor". Entre estes textos está a matéria de capa da edição 427, de novembro de 2008, que relata a experiência - bem sucedida - do Hemocentro-RP de aproximação do pesquisador com a comunidade.
Olha só que bacana!

Com o objetivo de encurtar a distância entre a universidade e a escola pública, o Hemocentro Ribeirão Preto desenvolve, desde 2001, um programa educacional que vem transformando a vida de alunos e professores

Quando os responsáveis pelo Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro de Ribeirão Preto da Univesidade de São Paulo (USP) resolveram implantar, em 2000, um programa educacional para atender a determinação do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) de oferecer cursos para estudantes e professores do ensino médio, não imaginaram que essa iniciativa pudesse alcançar proporções tão transformadoras.

Em oito anos de atividades, o programa, que inicialmente se propunha a contribuir com a formação de professores, acabou assumindo novos formatos, estendendo a participação para os alunos e se desdobrando em numerosos projetos como o curso de educação continuada "As células, o genoma e você, professor"; o Museu e Laboratório de Ensino de Ciências (MuLEC); o Caça-Talentos; o Adote um Cientista; o Roda da Ciência, entre outros, todos centralizados na Casa da Ciência, criada em 2001, para coordenar os trabalhos. (continua)De acordo com o diretor científico do Hemocentro, Eduardo Magalhães Rego, o programa educacional se tornou uma experiência bem-sucedida de aproximação do pesquisador com a comunidade, que oferece a possibilidade de explorar novos talentos. "Embora o programa não tenha o objetivo de complementar uma matéria do ensino público, conseguiu abrir horizontes, despertando a vocação dos alunos e dando chance aos professores de melhor desenvolver suas capacidades. Isso é fantástico. Sem grandes investimentos, fornecendo apenas o básico, contribuímos para a descoberta e o progresso de ambos", afirma Rego.

PRIMEIROS PASSOS
Jonatas Lucas Modesto Teixeira, de 14 anos, e Isabella de Morais Mendonça, de 15 anos, entraram para a Casa da Ciência em 2008. Aluno da E.M.E.F e Técnica de Química da cidade de Luiz Antônio, Jonatas viaja semanalmente para freqüentar as atividades da Casa da Ciência e já sabe o quer ser "quando crescer": biólogo e técnico agrônomo. Isabella, enquanto não decide a profissão e cursa o 1º Colegial no Colégio Viktor Frankl, em Ribeirão Preto, vive a personagem Hemácia, na peça "Relíquias do Sangue e Sara", escrita pela ex-integrante do programa Daianne Macieli Alves Carvalho, de 19 anos.

Para integrar o grupo de Luiz Antônio que participa do programa, o estudante precisou se sair bem em uma prova. De acordo com a professora de Ciências Físicas e Biológicas, Sandra Maria Figueiredo Ferreira Spagnoli, como são muitos interessados em participar das atividades e a prefeitura municipal disponibiliza ônibus e lanche gratuitamente toda semana, há uma pré-seleção dos alunos para melhor aproveitamento do programa. "Aprendi muita coisa diferente do que vejo na escola em imagens em preto e branco nos livros. Agora estamos tendo aula de citogenética e a teoria não é explicada superficialmente, como na escola. Estamos separando o material em desenhos numa folha de sulfite e também acompanhamos os processos no microscópio. Lá, a professora pede para usar o aparelho no início do ano e, às vezes, não conseguimos o acesso antes do último dia de aula. Aqui é tudo visível", explica o estudante.

A integração também facilita o aprendizado na opinião de Isabella. "Vendo na prática, o estudo fica mais interessante e as dúvidas surgem mais facilmente. Enquanto na escola sentimos vergonha de errar por causa dos colegas de sala, aqui, como todos são amigos e interessados, nos soltamos mais para fazer perguntas", justifica.

NOVOS HORIZONTES
A desmistificação da ciência constitui um dos pontos mais importantes do programa educacional desenvolvido pelo Hemocentro, segundo Dimas Tadeu Covas, diretor presidente da fundação. "O mais gratificante desse projeto é ouvir de professores e alunos que gostam de vir aqui porque descobrem, pela primeira vez, muitas coisas que não imaginavam, ampliando seu entendimento. A oportunidade de conversar com pesquisadores faz com que os participantes deixem de encarar a ciência de maneira restrita, apenas para ‘cientistas malucos’, e passam a vê-la como uma atividade que qualquer pessoa pode exercer", ressalta Covas.

Os benefícios dessa proximidade, mesmo limitada a uma parcela pequena de alunos e professores, ecoam. Prova disso, está no relato da professora Sandra Spagnoli. "Na escola eles vêem o conteúdo fragmentado. Aqui começam a relacionar um fato com outro e a ter a visão do todo, não apenas de uma parte decorada para uma prova. Muitos deles param de estudar no colegial ou vão para faculdades particulares, onde precisarão trabalhar para pagar o estudo e não vão render tudo o que poderiam. Aqui eles abrem caminhos para outras possibilidades. Só depende de cada um", avalia Spagnoli.

Ádamo Davi Diógenes Siena e Daianne Carvalho, ambos de 19 anos, são exemplos de caminhos transformados por essa vivência. Introduzido por sua professora de biologia na Casa da Ciência, Ádamo não apenas teve a oportunidade de ampliar seus conhecimentos em uma área que sempre gostou, a microbiologia, como também de melhor desenvolver seu talento artístico. Desenhou uma história em quadrinhos sobre a peça "A agonia de uma célula", outra do processo de prevenção do câncer, além de jogos de tabuleiro didáticos que ajudaram a descobrir sua habilidade para área gráfica e visual. Hoje o garoto, que antes sonhava em ser goleiro de futebol, trabalha para uma empresa que desenvolve projetos em 3D e estuda para prestar vestibular na área de ciências. Ádamo quer cursar Farmácia ou Biologia. Despretencioso, encara como principal legado de seu período na Casa da Ciência, a vontade íntima que o programa incute nos participantes de passar adiante o conhecimento adquirido.

Essa mesma motivação levou Daianne Carvalho, que já está fora do programa e cursa Farmácia, a escrever e atuar na peça "Relíquias do Sangue e Sara", que narra a história de uma menina desfavorável à Doação de Sangue que uma noite sonha ser apresenta a todas as fases sanguíneas e percebe sua importância, mudando sua opinião sobre a doação. A peça foi apresentada no último dia 25 de outubro na 5ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), na Esplanada dos Ministérios em Brasília (DF), a convite do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Desenvolta e determinada, a estudante que hoje tem como projeto de vida trabalhar na área de imunologia, não esquece a passagem pelo programa do Hemocentro. "Antes da Casa da Ciência eu não tinha nenhum conhecimento prático, nunca tinha visto um laboratório", relembra Daianne.

SOB OUTRA ÓTICA
Essa característica decorrente do projeto não era esperada pelos idealizadores. Mas se tornou comum segundo Marisa Ramos Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência, assistir alunos de 12 a 19 anos trabalhando juntos, sem brigas ou discussões, os maiores ensinando os menores. "Os alunos sentem vontade de ensinar o que aprendem, pois percebem que assim tomam maior consciência do que sabem, aprendem mais e conseguem sedimentar melhor os conceitos", explica a coordenadora.

Com essa percepção, um novo projeto foi implantado, o "Adote um Cientista", um programa de pré-iniciação científica onde o pesquisador escolhe livremente o tema a ser desenvolvido e trabalha com os alunos em cerca de 15 encontros, uma vez por semana, com duração de até quatro horas.

Cleiton Lopes Aguiar, de 24 anos, pós-graduando do Programa de Neurociências da Faculdade de Medicina da USP-RP atua como orientador voluntário de um grupo de 10 alunos do ensino médio, dentro do "Adote um Cientista". Essas aulas modificaram sua visão sobre divulgação científica e o conduziram a novas descobertas. "Falta apoio para as propostas e solicitações dos pesquisadores por incompreensão da população sobre a importância desses trabalhos. É nossa obrigação dividir e estender para a comunidade o que desenvolvemos", avalia Aguiar.

Além de precisar rever conceitos básicos há muito não estudados para transmiti-los ao seu grupo de alunos e, com isso, corrigir pequenas falhas de seu próprio aprendizado consolidando seu conhecimento, o voluntário ainda humanizou seu relacionamento com os participantes, passando a encará-los não apenas como alunos, mas como pessoas completas. "Eles geralmente fazem perguntas inesperadas e muito relevantes. Muitas dessas questões sequer foram abordadas na pesquisa. Nessa hora, deixam de ser alunos simplesmente para se tornarem cientistas que criam hipóteses a serem testadas. No fim, já não se sabe mais quem adotou quem", brinca Aguiar.

Para Marisa Barbieri, tudo isso mostra ser perfeitamente viável a relação entre a universidade e o ensino médio, além de necessárias novas medidas educacionais e de auto-avaliação. "Avaliamos pouco nosso trabalho. Se o fizéssemos mais, perceberíamos o quanto aprendemos e ensinamos. A escola precisa parar de apresentar notas que são números, sem dizer por que eles têm aquela distribuição ou o que foi ensinado. Não podemos deixar que as avaliações sejam externas somente e que o Brasil tenha sempre uma posição muito ruim no ranking internacional. Somos capazes de aprender e estamos provando isso. Essas crianças são desperdiçadas. Apenas avaliando o que aprendemos, o que ensinamos e o que sabemos podemos promover mudança de categoria", enfatiza a coordenadora.

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