Verdade seja dita

Verdade seja dita

Comentário da apresentadora Neila Medeiros revoltada com a declaração do Secretário de Obras de Luziânia. Ele afirmou que a imprensa atrapalha o trabalho deles.

 

Todo ano a mesma coisa. Os noticiários repletos de informações de desgraças por causa das chuvas. São casos de gente morrendo soterrada, gente perdendo tudo com enxurrada, gente ilhada... Gente com frio, fome, doente. Gente sem roupa, sem água, sem nada. Geeeente... E ninguém faz nada!

As cenas chocam, assustam, emocionam, mas não passam disso... Cenas a mais de uma velha história re-contada. A verdade é que enquanto não acontece com a gente ou com alguém muito próximo de nós, são apenas imagens que ilustram um tipo de sofrimento que não reconhecemos como nosso. Afinal, os nossos já nos bastam não é mesmo, para que viver o dos outros?

Nem eu, e nem muitos que estão lendo este texto neste momento, são capazes de imaginar o que é ser um "sobrevivente" das chuvas.  E se por um lado a palavra é linda porque remete a resistência de alguém que permanece vivo - apesar de algo ou alguém -, por outro, também está muito próxima da crueldade da vida que, muitas vezes, lança o homem às sobras e às sombras...

Olhando para minha casa seca, segura e com todos os bens adquiridos para ela em seus devidos lugares, dificilmente saberei o que é ter tudo levado pela água. Dificilmente entenderei o que é olhar ao redor e ver tudo cheio de lama, apenas um rastro sujo do que foi um dia... E, certamente, muitas dessas pessoas, jamais conquistarão novamente o que perderam. Outras levarão muitos anos trabalhando para ter novamente direito a algum conforto na vida.

Olhando para meu marido e minha filha, vivos e felizes, jamais entenderei a dor de quem perdeu alguém levado ou soterrado pelas águas... Estas pessoas nunca mais verão uma chuva cair da mesma maneira. Estas pessoas, nunca mais vão assistir o noticiário de janeiro, sem sentir a mesma dor daqueles que estão lá. 

Não deveria ser assim, mas se é preciso sentir na pele o aprendizado, para que as mudanças ocorram, então vamos dar poder de ação e decisão para essas pessoas. Transformá-las em agentes comunitários, assessores, vereadores e o escambau para que seja feito realmente algo útil. Quem sabe assim, se elas não se corromperem, ano que vem essa 'maldita' história seja outra e a imprensa tenha que caçar outras notícias para dar. 

Não que as chuvas sejam culpa de alguém, afinal as intempéries da natureza e da vida sempre existiram e não vão mudar. O volume das chuvas seria outro se as ações do homem fossem outras? Pode ser que sim e pode ser que não, essa é outra história. Mas para mim, se há culpa nisso tudo, ela está exatamente onde sempre esteve, na conhecida (des)humanidade de não se querer cheirar, não se querer tocar, não se querer ver e, muito menos, sentir o que não convém.

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