Apoderando-se do feminino

Apoderando-se do feminino

O verdadeiro “empoderamento” propõe o resgate da essência feminina, promovendo seu equilíbrio com a essência masculina

Uma mulher, intuitivamente, sempre sabe qual rumo tomar e, independente do trajeto ou do destino aonde quer Mariza Ruiz: o conhecimento das características  masculinas e femininas que homens e mulheres carregam em si, é o ponto de partida para qualquer mudançachegar, conserva sempre a confiança na escolha, porque seguir sua intuição, ainda que tudo aponte outra direção, está na natureza feminina. Isso explica muitas das contradições em que se vê envolvida aqui ou ali, mudando radicalmente de opinião como quem muda de roupa, e que a colocam, diante da natural racionalidade masculina, em situação “sub judice”.

Como ensina a educadora em florais de Bach, Mariza Helena Ribeiro Facci Ruiz, o feminino não tem necessidade de ser linear, estratégico, focado como o masculino. “Para uma mulher não é tudo “preto no branco” como para um homem. Carregamos a compreensão da criação, enxergamos muitas nuances em tudo. Isso é difícil para o masculino compreender. No fundo, existe um profundo desprezo de um pelo outro, o homem considerado bobão, imaturo e a mulher louca, perigosa. Isso precisa mudar”, categoriza Mariza.

Justamente neste ponto – o das diferenças e complementaridades que existem entre os sagrados princípios femininos e masculinos -, reside a oportunidade de um novo olhar, salientado pela proximidade do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 08 de março. Desde sua instituição oficial pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1977, apesar de a origem datar do início do século XX e do contexto da Segunda Revolução Industrial e da Primeira Guerra Mundial, quando a mão de obra feminina foi incorporada em massa na indústria, muito pouco se avançou no aprofundamento real da temática de gênero, perdendo-se, ano a ano, essa data tão significativa para a reflexão, na contramão do apelo comercial para a venda de flores e de perfumaria.

Ainda assim, em meio a tantas mudanças vivenciadas pelo movimento feminista no processo de afirmação da mulher, principalmente no decorrer do último século, o terceiro milênio parece carregar consigo, mesmo que timidamente, o embrião de um novo tempo, de uma nova visão a ser compartilhada por homens e mulheres, sobre a igualdade de direitos e de deveres e o verdadeiro conceito que envolve o poder de cada gênero, pautado na percepção do equilíbrio das forças internas de cada indivíduo, relatadas por Carl Gustav Jung, na Psicologia Analítica, como Anima (inconsciente feminino no homem) e Animus (inconsciente masculino na mulher). 

Depois do embate, do confronto direto com o sistema patriarcal, do mergulho sem precedentes no Animus — que foi a forma encontrada, até então, para a ocupação de espaços —, a mulher, como é de sua natureza, toma um novo rumo na direção do reconhecimento da sua identidade.

O chamado “empoderamento feminino”, sustentado em sete princípios propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU-Mulheres) para a equidade de gênero nas atividades sociais e econômicas, abre o oportuno caminho, tanto para homens quanto para mulheres, de reavaliar posições e descobrir, afinal, o verdadeiro poder feminino.

O termo, ora aceito, ora rejeitado, ora polemizado, carrega em si possibilidades distintas de interpretação, mas convida, principalmente a própria mulher, ao exercício de reflexão sobre sua natureza. O real  “empoderamento feminino”, neste sentido, independe de qualquer reconhecimento masculino. Antes disso, se sustenta no reconhecimento da própria mulher de tudo que envolve o universo feminino e no apoderamento, na valorização desta força. 

“Estamos, ainda, em pleno patriarcado, porém, despertando para um novo tempo. Entramos na Era da Consciência e precisamos investir mais nesta percepção que valoriza a união e cria um lugar onde a mulher pode manifestar sua força, mas sem abandonar seu feminino”, destaca Mariza.

O sagrado feminino

Em seu livro “Os mistérios da Mulher”, M. Esther Harding revela o princípio feminino em sua essência. Tomando a Lua como símbolo, mostra através de mitos, dos tempos e dos povos, sua ligação com o potencial de amadurecimento psicológico e espiritual do princípio feminino nas mulheres. 

Na obra, a autora discorre como o corpo e a psique masculina são regidos pelo ciclo do sol (dia/noite) e o corpo e a psique das mulheres, além desse ciclo solar de 24 horas, também se regem pelo ciclo lunar, de alteração diária e com duração de 28 dias, tornando seu ritmo muito mais complexo e mutável. “O feminino e os ciclos caminham juntos, por isso, não há problema tachar a mulher como ‘de fases’, mas os homens temem essas mudanças, isso os deixa perdidos. A razão exige deles linearidade, mas não sei se as mulheres precisam ser entendidas, acho que precisam ser mais respeitadas em sua essência”, analisa Mariza.

Para Michelle, a Educação precisa se atualizar e auxiliar no processo de cooperação entre homens e mulheresNa mulher contemporânea, esse “despertar” para a natureza feminina esquecida — do autoconhecimento, da sabedoria interna, da intuição e do caminho do coração, da nutrição, da gestação, da feminilidade, da sensualidade e da sexualidade, do cuidado, da energia feminina, enfim, para o “sagrado feminino” —, depende unicamente do gatilho da vontade, do desejo de resgatar esse contato, de reconectar-se com essa essência, muito mais conciliatória do que competitiva.

Cura com a Educação

Em busca do aprofundamento em seu feminino, a atriz Michelle Maria Racy passou a envolver-se, cada vez mais, com o ativismo feminista, essa nova ferramenta utilizada pelas mulheres para manifestar o desejo de posse e propriedade do seu corpo e da sua alma. Aconteceu, principalmente, depois de se dedicar por meses a estudos, pesquisas e vivências sobre a condição feminina na história e sobre os aspectos da vida de mulheres profissionais do sexo que atuam nas ruas, nas boates e na internet, para a concepção de uma personagem em uma de suas peças, Willy, uma menina forçada a se tornar mulher.

Em seu processo particular de autoconhecimento e de cura com o masculino, Michelle destaca duas grandes descobertas. Nunca gostou de se vestir de “bolo de aniversário” e, desde pequena, se identificava com as brincadeiras de rua, — queria soltar pipa e realizar atividades não permitidas para meninas. Incomodava-se com frases do tipo: “menina tem que ficar de pernas fechadas, falar baixo e não rir alto”. “A primeira dor que encontrei em mim mesma foi reconhecer em meu pai um homem opressor e, a partir dai, identificar as violências verbais e reconhecer a próprio cárcere, disfarçado de ‘proteção’, ou seja, não poder sair de casa por ser mulher. Foi, e ainda é, difícil, principalmente porque as piadas e a postura continuam iguais. Ele assistiu meus dois espetáculos que falam do feminino, acompanha o que eu escrevo, mas não endossa. Nunca cheguei a conversar com ele sobre isso e acho que nem tem como começar um diálogo desse porque se trata de alguém que não vai sair da minha vida e que eu amo. O que vou dizer? Olha pai, vamos reconhecer que o senhor foi um rapazinho opressor?’”, questiona Michelle.

Sua segunda dor foi avaliar que a filha, fatalmente, ainda vai sofrer algum tipo de violência por ser mulher. Mãe da pequena Clara, de sete anos, a atriz destaca ser este o papel mais desafiador da sua vida. Mesmo tendo no diálogo seu grande aliado, na tentativa de construir uma nova realidade para Clara, já assiste a filha vivenciar enfrentamentos como comentários de meninos, na escola, sobre sua opção pelo cabelo curto ou sobre algo “não ser coisa de menina”, quando em sua casa isso não existe e, ainda, pequenas violências como a de um coleguinha tocar sua barriga e dizer “Ai Clarinha, você é tão gostosinha”.

Para Michelle, o único caminho possível para o equilíbrio das forças masculina e feminina passa pela Educação. A atriz acredita muito no processo educacional, mas crê que ele precisa avançar, sair desse modelo omisso que não discute sexo, a ditadura, nem a violência contra a mulher. “Demorei muitos anos para descobrir o que é opressão. E não só a menina precisa aprender, mas, também, o menino. Afinal, estamos desenvolvendo que modelo de gente com um programa de educação tão retrógrado? Tudo são pequenas ‘chaves’ que vão sendo viradas no ser humano e, com apoio da Educação, caminharemos para um lugar de maior entendimento”, destaca a atriz.

Cura com a Cultura

Daniele Oliveira ressalta a necessidade de um novo olhar para a Cultura, no processo de fortalecimento e valorização das relações humanas e não de gêneroEm seu processo de reconhecimento do feminino, a gerente comercial, Daniele Ribeiro de Oliveira, mãe de Aina, de nove anos e da pequena Adeloye, de pouco mais de um mês, contou sempre com o fato de as mulheres serem maioria em sua família. “Somos quatro irmãs e minha mãe é um exemplo muito forte de mulher, por isso, não acredito em ‘empoderamento’, que, para mim, soa como um despertar tardio. A mulher é empoderada desde que nasce, o que falta são oportunidades”, avalia.

Para Daniele, um ponto essencial, principalmente para a mulher negra, que antes de sofrer machismo sofre racismo, está na cultura. “Essa questão da padronização da beleza faz com que muitas mulheres se mutilem na tentativa de se enquadrar. Não adianta, nosso nariz é largo e nosso cabelo crespo porque essas são características do povo africano, para respirar melhor e para não queimar o couro cabeludo no Sol. Como vamos ter cabelo liso se não é nossa essência? Também é inútil ficar sem comer quando nosso quadril é naturalmente largo. Todos vão nos olhar e continuar vendo uma negra”, afirma.

Essa é a razão pela qual ela, a mãe e as irmãs se dedicam, há 25 anos a um trabalho de conscientização voltado para a mulher negra, realizado no Centro Cultural Orumnilá. “O que fazemos é desconstruir tudo isso, mostrando que não é preciso passar a vida negando a cultura africana, seus valores, sua estética, sua origem, deixando de ser quem você é para ser aceito num padrão eurocêntrico”, enfatiza a gerente.

Consciente do seu corpo e da sua beleza, resolvida com a estética, Daniele destaca, ainda, o cuidado de não permitir que julgamentos alheios interfiram na sua autoestima também como companheira e mãe.
Recentemente ela foi questionada por um amigo sobre deixar sua filha bebê em casa com o pai para sair um pouco com as irmãs. “Nossa, quando crescer quero ser assim”, ouviu dele. “Foi uma abordagem tão agressiva, que se eu não tivesse consciência de quem sou e que ela estava sendo bem cuidada pelo meu marido, me sentiria culpada, me acharia uma mãe desnaturada”, conta a gerente.

Para ela, em geral, as pessoas ainda veem de forma muito pejorativa a construção de um relacionamento consciente entre um casal. “O ‘normal’ seria que eu estivesse em casa e meu marido no bar com os amigos, inclusive, com outra mulher, não é mesmo? Não dá para continuar reproduzindo essa cultura”, conclui Daniele.

Resgate da essência

Para Mariza Ruiz, não há caminho possível fora da compreensão de que o poder feminino está no interno e o masculino está no externo, mas que ambos podem aflorar estes opostos, mantendo sua base equilibrada, produzindo resultados surpreendentes.

Cada mulher curada com o seu Sagrado Feminino — que aprende a se conhecer, a se aceitar e a se amar —, não representa um privilégio para si mesma apenas, mas uma cura estendida aos pais, aos filhos, aos netos e a toda a sociedade. 

Em equilíbrio com o masculino — não com ele exacerbado —, o verdadeiro poder feminino se manifesta. Dessa forma, ocupando qualquer posição, a mulher será sempre muito mais acolhedora e conciliadora do que competitiva. Quando está no feminino, se torna criadora de novos espaços, pode compartilhar com o masculino, ser a voz que flui em vez de impor, encontrando caminhos alternativos.  Esse é seu grande poder, o da união com o masculino para criação de uma nova forma de estarem juntos no mundo. 

Arquétipos Femininos

Segundo Jung, o arquétipo —informações inconscientes — exerce grande influência sobre o comportamento e as crenças do ser humano. Todas as mulheres carregam consigo arquétipos das deusas da mitologia greco-romana. Conhecê-los auxilia a harmonizar-se com eles.

Afrodite (Vênus)

Arquétipo da beleza e do amor, representa uma deusa determinada a viver a vida intensamente. Corresponde à mulher vaidosa, que valoriza a liberdade, a autoaceitação a sensualidade e a sexualidade feminina. Em equilíbrio, auxilia na libertação de culpas ou críticas e a compreender o prazer como parte natural e importante da vida, ainda assim, com valores pouco compreendidos pela maioria, tende a ser julgada e vulgarizada.

Artemis (Diana)

Arquétipo da mulher guerreira, que se dedica a si mesma, ao fortalecimento da sua identidade e independência. Em equilíbrio, reúne as polaridades feminino-masculino, fazendo com que reconheça seu papel e sinta-se completa. Em desequilíbrio tende a “endurecer” o feminino e atrair parcerias dependentes e carentes.

Atena (Minerva)

Arquétipo do conhecimento, da sabedoria, por sua ligação com o lado profissional é o mais valorizado pela sociedade atual. Em equilíbrio, confere à mulher capacidade criativa, estratégia, foco e disciplina. Em desequilíbrio, tende à identificação com a polaridade masculina, tornando-se insensível, excessivamente lógica, fria e calculista, muitas vezes, julgando e ridicularizando atributos essenciais do feminino como a passividade.

Deméter (Ceres)

Arquétipo do instinto maternal em sua totalidade (gestação e nutrição), nos níveis físico, psíquico e espiritual, representa a expressão da generosidade, dedicação, cuidado e doação, do tipo que não sabe dizer não a ninguém, principalmente à família e aos filhos. Em equilíbrio também representa a abundância e a nutrição do feminino. Em desequilíbrio, se dedica exageradamente à maternidade, tendendo à dominação, a evitar que os filhos cresçam ou a se tornar depressiva quando eles seguem suas vidas.

Hera (Juno)

Arquétipo da mulher ligada ao poder e ao casamento de maneira idealizada. Não tem filhos por identificar-se com a maternidade, mas para cumprir uma função social dentro do casamento, que considera prioridade. Em equilíbrio, corresponde a mulher leal, que não valoriza relacionamentos livres e informais. Em desequilíbrio, tende à ira, podendo se tornar assustadora e destrutiva. 

Héstia (Vesta)

Arquétipo da deusa do fogo, associado ao aquecimento e não à destruição, ao feminino protetor dos lares. Relacionado à força interior, representa o equilíbrio e a quietude, mesmo diante de períodos conturbados. Em equilíbrio, corresponde à sociabilidade e à expressão comprometida de sentimentos, pontos de vista e necessidades. Em desequilíbrio, torna a mulher extremamente emotiva, introvertida e isolada.

Perséfone (Cora)

Arquétipo da mulher meiga, feminina, dotada de um grande poder criativo e conhecimento do psicológico e do espiritual. Em equilíbrio é extremamente competente, principalmente nestes campos. Em desequilíbrio, é inconstante e indecisa, tende a se comportar de maneira infantil e dependente da mãe, a não ter personalidade e tornar-se mentirosa e manipuladora para evitar atritos.

Texto: Yara Racy
Fotos: Júlio Sian

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