Caipira com muito orgulho

Caipira com muito orgulho

Hoje, Ribeirão Preto é sinônimo de desenvolvimento para toda a região

A importância da cultura cafeeira torna o produto presente nos símbolos oficiais do municípioApesar de Ribeirão Preto ser polo regional em muitos aspectos e ter ares de metrópole, o grande diferencial do município, em termos culturais, está, justamente, nas características que fazem com que os paulistanos atribuam aos ribeirãopretanos a alcunha de “povo do interior”, que designa uma cultura tipicamente caipira, cuja herança compreende expressões no modo de falar, na culinária, na religiosidade, nas festividades e no jeito de viver, traços comumente encontrados, sobretudo, nos bairros mais tradicionais. 

Conforme a historiadora Sandra Regina Firmino Abdala, responsável pelos projetos de educação patrimonial da Divisão de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal da Cultura de Ribeirão Preto, algumas expressões artísticas, como teatro, música e dança, têm grandes representações. 

As edificações que compõem o Quarteirão Paulista são os elementos de maior representatividade para o povo ribeirãopretano, no que tange ao patrimônio histórico da cidade. “No entanto, é importante lembrar que, ao contrário do que foi estigmatizado ao longo do tempo, a grande formação da comunidade local não tem seu referencial somente na cultura europeia, mas em um indivíduo brasileiro, em sua maioria paulistanos e mineiros, com características já compostas pelas três etnias nacionais — o indígena, o europeu e o negro — o que não nos diferencia do restante do país”, afirma a historiadora.

O Quarteirão Paulista, até hoje um cartão postal do municípioConforme Sandra, a partir do Inventário Nacional de Referencias Culturais (INRC), aplicado pela Rede de Cooperação de Identidades Culturais local, foi possível destacar outros bens de grande valor e referencial na construção da identidade do povo ribeirãopretano. Há, por exemplo, um respeito declarado pelos moradores ao Cemitério da Saudade, com sua arte tumular, e à valorização dos bens imateriais, como a festa centenária da Cruz do Pedro, que acontece todos os anos, nos dias 28 e 29 de junho, na área rural da antiga estrada de Guatapará; a Folia de Reis, no bairro da Vila Virgínia; os estudos das manifestações e práticas das religiões de matrizes africanas, o que tem contribuído para a desmistificação e respeito à fé; e os ofícios e saberes tradicionais ligados à cultura local, entre outros, comenta a especialista. 

Muitos dos patrimônios foram tombados em uma época em que se pensava que esses bens estavam ligados somente a um grupo social com destaque político e econômico. Em uma concepção ampliada de patrimônio, o bem cultural é pensado a partir não só de sua constituição física, relacionada aos aspectos histórico e arquitetônico, mas sim de suas referências identitárias para a comunidade. “A economia cafeeira e seus personagens proporcionaram, em seu apogeu, o embelezamento central da cidade, mas, para o estudo do patrimônio, as relações humanas e a forma como elas se estabeleceram nesses espaços são mais significativas para a consolidação da memória coletiva, não mais ligada a um seleto grupo ou família”, ressalta Sandra. Em relação ao tema, a especialista observa que houve alguns avanços e ainda há um grande caminho a ser percorrido para a consolidação de uma política pública consistente junto à comunidade que fortaleça futuras gerações — uma conquista que pode ser assegurada por meio da educação patrimonial. 

Nasce um município

Para Sandra Regina, a grande formação da comunidade local não tem seu referencial somente na cultura europeiaRibeirão Preto, como aponta o historiador José Antônio Lages, surgiu basicamente do descolamento de uma população advinda de Minas Gerais em decorrência do declínio da atividade mineradora. Com o fim do ciclo do ouro naquele estado, houve uma mudança no veio produtivo, que migrou para a agricultura e para a criação de animais. Os mais ricos já detinham o poder sobre a terra em Minas Gerais; já as camadas menos abastadas buscaram, a oeste, pedaços de chão para se apropriarem. Esse movimento formou a maioria das cidades do nordeste paulista, inclusive Ribeirão Preto.

Até por vota de 1870, a cidade tinha uma economia de subsistência, em que predominavam pequenas trocas comerciais com vilas próximas. De acordo com o historiador Lucas Dario Romero y Galvaniz, a mudança na economia local ocorreu a partir de 1870, quando a linha férrea chegou à Limeira e tornou o cultivo de café viável por aqui. A cidade, que tinha uma rotina pacata, teve sua dinâmica subvertida com a chegada da nova cultura. “O café se tornou o grande produto de exportação do Brasil e Ribeirão Preto, o centro de sua produção. Tanto isso é verdade que Monteiro Lobato, quando aqui esteve, descreveu, em uma carta ao amigo Godofredo Rangel, a pujança econômica da cidade e do ar moderno que ela ostentava. Isso fez com que Ribeirão Preto, embora interiorana, passasse a exercer um importante papel econômico e político”, conta Lucas. 

No período em que o café imperou, a cidade passou por uma grande explosão demográfica. Pautados por uma política ao mesmo tempo higienista e de substituição de mão de obra escrava por livre, muitos italianos aqui se estabeleceram: tal população sextuplicou, de forma que esse povo passou a corresponder a dois terços do contingente total. 
Lucas chama a atenção para a mescla cultural que Ribeirão Preto comporta
Da elite saíram as personalidades que ganharam notoriedade aos olhos dos memorialistas e, por consequência, da história — figuras atreladas aos meios de poder, como Francisco Schmidt, Luiz Pereira Barreto, Fábio Barreto, João Franco de Moraes Otávio, Henrique Dumont e Dom Alberto José Gonçalves, nomes vinculados ao processo de desenvolvimento de Ribeirão Preto. 

Lucas afirma, entretanto, que não existem salvadores da pátria — homens ou mulheres que, sozinhos, alterem o fluxo da história de maneira sensível. Assim, não se pode enaltecer o cafeicultor e esquecer das mãos que plantaram e colheram o fruto: dá-se o crédito e o direito de ser lembrado na história a quem colhe os lucros do café, mas não a quem colhe o café que muito lucro gerou. “É inegável que estes homens e as decisões que tomaram alteraram significativamente o passado e direcionaram o futuro da cidade. No entanto, acho justo, também, conceder o título de ‘nobre’ aos que não têm seus nomes citados nos trabalhos de memorialistas e em outras publicações, mas que também foram responsáveis, senão pela divisão dos lucros do café, ao menos pela sua produção e, consequentemente, por marcarem a cidade”, ressalta o historiador. 

A Ribeirão Preto de hoje

A cidade que deve muito de seu desenvolvimento ao café, hoje, pode atribuir grande parte de sua riqueza ao o comércio e à prestação de serviços. A indústria não tem, no município, a pujança que se verifica em cidades vizinhas, como Sertãozinho, nem a agricultura impulsiona o PIB ribeirãopretano de maneira tão significativa. Se, por um lado, representam a cidade do ponto de vista da economia, não a representam integralmente, uma vez que Ribeirão Preto é uma cidade cosmopolita. Basta dar uma volta pelo município para ver a mescla cultural que a cidade comporta. 

Lucas acredita que a cidade apresenta um potencial enorme no campo do conhecimento acadêmico, por causa das faculdades que reúne. “Penso que um investimento maior nas universidades poderia gerar muito mais conhecimento que, além de se desdobrar em melhorias para a sociedade pela prestação de serviços essenciais (saúde e educação), propiciaria desenvolvimento tecnológico, a ser aproveitado por empresas e indústrias”, afirma Lucas. 

Dentro dos segmentos fortes de Ribeirão Preto, juntamente com o turismo de negócios, a saúde e a educação, que muito justificam do caráter de polo regional do município, merecem destaque, ainda, a gastronomia, cujo desenvolvimento tornou a cidade um pedacinho do mundo; a tecnologia que encontra boa estrutura no município, e a construção civil que redesenha e certamente continuará reconstruindo a paisagem da cidade. 

Texto: Carla Mimessi
Fotos: Ibraim Leão 

Compartilhar: