De tudo um pouco

De tudo um pouco

Nas feiras livres, que possuem público cativo em todas as regiões da cidade, é possível encontrar uma diversidade impressionante, de caldo de cana e pastel a vassouras e outros utensílios domésticos

Enquanto resistem ao tempo, as feiras livres trazem para o dia a dia um sabor especial de frutas e verduras frescas, Atualmente, cerca de 350 famílias comercializam seus produtos nas feiras livres de Ribeirão Pretoervas aromáticas e receitas caseiras. Em Ribeirão Preto, elas foram instituídas em 1948, pelo então prefeito José Magalhães, mas só foram efetivamente implementadas na gestão seguinte, em 1954, por Alfredo Condeixa Filho. Na praça Sete de Setembro, onde tudo começou, era possível encontrar produtos fresquinhos, geralmente, colhidos na madrugada pelo próprio feirante, que trabalhava ao lado da família. Vinha direto do campo em carroças de tração animal para que os moradores da cidade pudessem abastecer a dispensa.

Mais de 50 anos depois, ainda são muitos os feirantes que produzem aquilo que comercializam em suas barracas, de terça a domingo, em diversos pontos da cidade. Outros fazem a ponte entre fornecedores e o público, em um trabalho que começa antes da chegada dos primeiros raios de sol. A rotina começa, muitas vezes, às 3h da madrugada: preparo dos ingredientes, transporte, montagem e organização da barraca devem terminar antes da chegada do público. 

Segundo dados de 2011, quando foi feito o último levantamento oficial pelo Sindicato do Comércio Varejista de Feirantes e Vendedores Ambulantes de Ribeirão Preto, 371 pessoas se dedicavam ao negócio. “Hoje, imaginamos que esse número tenha diminuído um pouco mais e que haja em torno de 350 feirantes em atividade”, estima Atílio Carlos Daneze, presidente do Sindicato. Para o ribeirãopretano, que se tornou feirante depois de voltar de Pirassununga, onde era militar da Força Aérea, uma das razões para esse encolhimento é o interesse dos filhos desses comerciantes por outras profissões. Seus quatro filhos, por exemplo, partiram para outras áreas: dois deles se tornaram advogados, um engenheiro e uma dentista. “Todos se formaram graças ao trabalho na Feira, onde sempre contei com a parceria com a minha esposa, Maria Mônica”, orgulha-se. Outro motivo é a forte concorrência dos grandes supermercados, que conseguem garantir volume e diversidade.

À frente do Sindicato, seu papel é atuar em defesa da categoria, seja na relação com a administração pública, seja no estabelecimento de parcerias que favoreçam os feirantes. Junto à Prefeitura, neste momento, está negociando a mudança de endereço da Feira II às quartas-feiras, da rua Olavo Bilac, na Vila Seixas, onde o trânsito ficou complicado, À frente do Sindicato, o papel de Atílio, entre outras atribuições, é estabelecer parcerias que favoreçam os feirantespara a rua Chile, cujo entorno é majoritariamente residencial. Convênios com faculdades, planos de saúde e assistência jurídica fazem parte dessa lista. 

O lazer também recebe atenção. “Temos um clube de campo que fica na estrada das Palmeiras, às margens do rio Pardo, onde os trabalhadores podem descansar e se divertir com a família”, afirma Atílio, que faz questão de destacar, também, que o Sindicato está instalado em sede própria e é associado da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Por aqui, as feiras livres são organizadas em cinco grupos, sendo que o último deles ainda aguarda regulamentação. Há, também, as feiras noturnas, que vêm se estabelecendo como boas opções para quem trabalha o dia inteiro e não tem a possibilidade de fazer suas compras durante a manhã. “Atualmente, há seis pontos noturnos, nos diversos dias da semana. A aceitação desse formato tem sido cada vez maior”, comenta o presidente do Sindicato. Para os feirantes, esta é mais uma alternativa para aumentar a renda e ampliar as possibilidades de faturamento.

Tradição familiarEdna dá continuidade à tradição familiar

Entre muitos feirantes, a profissão faz parte do DNA. Este é o caso, por exemplo, de Edna Yamada, que herdou do pai, Katsumi Yamada, que, por sua vez, aprendeu a ser feirante com o avô. “Acompanho meus pais à feira desde os sete anos e, por isso, me sinto à vontade nesse ambiente”, afirma a comerciante, que é formada em engenharia química, mas acabou abraçando o negócio da família como profissão.

As verduras e os legumes que compõem seu espaço vêm de fornecedores de longa data. Todos os dias, disponibiliza uma enorme variedade para quem quer garantir frescor às receitas caseiras. No entanto, dona Edna não se fia apenas na tradição para garantir o público. Sempre em busca de inovações, encontrou uma forma de facilitar a vida dos clientes, fracionando os legumes de forma prática para que os clientes não percam tempo na hora da escolha.

Além da clientela cativa, que a acompanha de terça a domingo em diferentes pontos da cidade, atribui os bons resultados à combinação entre qualidade e preço. “Por causa do relacionamento antigo com bons fornecedores, conseguimos oferecer grandes ofertas aos clientes”, frisa Edna, que também fornece verduras e legumes para restaurantes. Em média, precisa de seis ajudantes para dar conta do trabalho.  Entre seus auxiliares está a filha, um indício de que essa tradição não deve parar em sua geração.

Clássica combinação

Também acompanhado do filho, Maurício, o pasteleiro Nelson Takamia frita na hora os pasteis que prepara em casa, com a ajuda da família. Há 25 anos, a rotina inclui a produção da massa e dos mais de 20 tipos de recheio e a barraca na Feira II. Aos domingos, divide-se com os familiares em dois pontos diferentes e consegue, assim, dobrar o faturamento. “O campeão de vendas é o clássico carne e queijo. Entre as novidades, o pastel à Portuguesa vem fazendo sucesso”, revela seu Nelson. As novidades saem da cozinha de dona Érica, que também comanda a frigideira em determinados dias da semana.

A massa fresca para preparar o pastel em casa também é muito procurada na barraca do pasteleiro. De terça a sábado, são comercializados cerca de 500 pastéis, mas as vendas do domingo, seu Nelson não revela. “Muita gente vai à Feira aos domingos especialmente para comer pastel. Faz parte da tradição, graças a Deus”, comemora.

Para acompanhar, não pode faltar o caldo de cana, ou garapa. Este é o negócio de Miguel Martin Diez, que, por semana, consegue estar em nove feiras diferentes. “Isso porque também estou presente em algumas feiras noturnas, que tem crescido bastante”, garante Miguel, que está nesse mercado há 42 anos.

Aos finais de semana, quando o movimento é maior, conta com a ajuda das netas, que aproveitam para ganhar um dinheirinho. “Elas recebem parte do faturamento e, dessa forma, também vão aprendendo um pouco mais sobre finanças e matemática”, afirma o garapeiro, que também comercializa água de coco. Mensalmente, são, em média 300 cocos e 1 tonelada de cana para atender à clientela, sendo parte dela relativa a doações periódicas.

Desde que o produto foi liberado, Carlos Cesar vende frango nas feiras livreVariedades reunidas

Para completar o cardápio do almoço sem ter que sair da feira, é possível levar para casa os mais variados cortes de frango. Desde 1992, este é o produto que Carlos Cesar Oliveira disponibiliza em sua barraca, mas o comerciante já trabalha nesse mercado há 42 anos. “Já atuei em granjas e frigoríficos, portanto, isso faz parte da minha vida”, afirma Na barraca de Sebastião, é possível encontrar uma enorme diversidade de queijosCarlos Cesar. Na feira, o frango é sempre fresco e, por conta da concentração de água dos cortes resfriados. A barraca do comerciante também disponibiliza frango caipira e até semicaipira.

Quando Carlos Cesar entrou nesse meio, o produto que ele comercializa era uma novidade nas feiras livres. Hoje, já não é raro encontrar proteínas à disposição. Ovos, embutidos e laticínios convivem no mesmo espaço. Na banca de Sebastião Correa, por exemplo, dá para encontrar boa parte dos ingredientes necessários para preparar uma boa feijoada, incluindo o feijão preto e a farinha, para acompanhar.

São os queijos, no entanto, seu carro-chefe. Tem para diferentes paladares, do fresco ao curado, vendidos em pedaços do tamanho da fome. “Como estou nesse negócio há 40 anos, tenho uma boa clientela fixa que volta sempre porque já conhece a qualidade e a boa procedência”, garante o vendedor. Sebastião faz questão de salientar o quanto é grato às feiras livres, pois, foi por meio delas que educou os filhos, já formados, e que conquistou inúmeras vitórias.Toalhas e roupas, femininas e masculinas são o negócio de Antônio Carlos

O mesmo sentimento tem o comerciante Antônio Carlos Aissa, que convive diariamente com esse universo desde 1984. Por 10 anos, investiu em uma barraca de frutas, mas foi comercializando roupas e artigos de mesa que consolidou sua barraca. As peças reunidas ali atendem a homens e a mulheres de várias idades. As toalhas e os panos de prato também têm boa saída. “Não tenho do que reclamar. Os fregueses compram, comprovam o custo-benefício dos nossos produtos e sempre voltam”, garante o feirante.

Por um período, fabricou as peças comercializadas, mas percebeu que, para produzir em pequena escala, os custos eram muito altos. “Vale a pena trazer as peças de outros fornecedores e ficar apenas com a parte mais prazerosa do negócio, que é o contato com o público”, afirma Antônio Carlos, que não pensa em parar por enquanto.

Em plena atividade, também, está o casal Wellington e Tynayane Virgílio, que comercializam milho fresco e inúmeros de seus derivados. Pamonha, cural e bolo — além das espigas, claro — estão entre os produtos mais procurados. “Preparamos as pamonhas em diversas versões salgadas e doces, como a de goiabada com queijo, que é uma das preferidas dos clientes”, garante Tynayane. Vem da família dela, aliás, as receitas que recheiam as vitrines da barraca.
Wellington e Tynayane vendem milho verde e vários produtos que levam o produto como matéria-prima
Outras sete pessoas estão envolvidas no negócio, seja no atendimento nas feiras, seja na produção dos quitutes. 
O trabalho dos dois, portanto, não se limita à montagem da estrutura e ao serviço durante a feira. Comprar o milho e participar de cada etapa da fabricação dos produtos estão entre as atribuições de Wellington e da esposa, que já têm filhos. “Acordamos de madrugada, preparamos tudo, atendemos na feira e ainda cuidamos da família. Tem que dar conta!”, acrescenta Wellington, que convive com esse universo desde a infância.

Maristela Fernandes também está mais do que familiarizada com esse ambiente. Antes mesmo do seu nascimento, o pai, Márcio, já tinha sua barraca de utensílios domésticos na feira. Na verdade, o espaço da família tem muito mais do que isso: além de vassouras, ralos de pia, escorredores, peneiras e afins, é possível encontrar, também alguns brinquedos para as crianças — as campeãs de vendas são as bolas, dos mais variados tamanhos.
Maristela e o pai, Márcio, comercializam de tudo em seu espaço
O principal produto da extensa barraca, no entanto, vem das panelas. “Além de vender alguns modelos, também consertamos. Quem precisa trocar as peças da panela de pressão, por exemplo, encontra tudo o que precisa aqui, incluindo o nosso serviço”, ressalta Maristela. Difícil pensar em uma utilidade para a casa, especialmente para a cozinha, que não se encontre na gôndola ou nos demais suportes para produtos. 

Palavra da consumidoraMaria Aparecida Garcia Rodrigues, dona de casa

“Todas as sextas-feiras, estou aqui na feira da rua Franca. Mantenho esse hábito porque gosto de escolher cada ingrediente que levo para casa. Como é tudo muito fresquinho, posso levar mais quantidade e garantir as refeições da semana inteira. Além disso, conheço todo mundo e sei exatamente o que quero. Aproveito e faço compras para a minha nora também, que trabalha o dia inteiro. O preço, com certeza, compensa.”

Produtos orgânicos?

Cultivados sem a utilização de agrotóxicos, os produtos orgânicos têm feito cada vez mais sucesso junto ao público. Para atender a esse nicho do mercado, inúmeros espaços estão abrindo suas portas. No Fiusa Center, o encontro entre produtores e clientes acontece todo primeiro e terceiro sábado do mês. No espaço, o consumidor encontra desde variedades de hortifrúti até produtos naturais feitos em casa, como geleias, pães e doces. O Shopping Iguatemi, a feira de alimentos orgânicos, naturais e artesanais acontece no segundo e no quarto sábado de cada mês, no estacionamento do segundo subsolo. Os dois eventos ocorrem das 9h às 14h e têm reunido um público cada vez maior.


Texto: Luiza Meirelles | Fotos: Júlio Sian

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