Dias cinzentos

Dias cinzentos

Queimadas em Ribeirão Preto causam prejuízos ao ecossistema e à saúde da população

De maio a agosto, segundo a Somar Meteorologia, a média histórica de chuvas de Ribeirão Preto é de 124,6mm. Contudo, em 2021, foi registrado somente 21,1mm nesse mesmo período. Com a falta de chuvas, as queimadas ocorrem com maior frequência, tornando a vegetação mais vulnerável à propagação do fogo, podendo causar diversos danos à fauna, à flora e ao solo. Para Andrea Campaz Bombonato, engenheira ambiental formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), o principal causador das queimadas é o fator humano, seja de maneira proposital ou acidental. “Dificilmente uma vegetação será atingida por causas naturais, como descargas elétricas”, afirma. 

A profissional explica que nessa época de estiagem é comum que a vegetação fique seca e perca suas folhagens. Além disso, o mato em terrenos e em vias públicas secam, aumentando a probabilidade da propagação de queimadas em áreas urbanas. “É comum haver queimadas provocadas por cigarros acesos jogados em áreas urbanas e nas margens das estradas e rodovias. Uma simples bituca é capaz de provocar um incêndio de grandes proporções e de difícil controle. Nesse caso, o incêndio é considerado acidental”, descreve. Em contrapartida, a engenheira argumenta que o fogo colocado para eliminar lixos, entulhos, matéria orgânica ou o próprio mato, seria um incêndio intencional. “Essa é uma prática que traz sérios danos ao solo e à qualidade do ar. Nesses casos, ainda existe o risco de que o incêndio fique fora de controle e também que o vento leve fagulhas para outras áreas, podendo iniciar outros incêndios”, esclarece.

Em uma análise mais aprofundada, as queimadas comprometem a biodiversidade e provocam alterações na dinâmica dos ecossistemas. “As queimadas impactam diretamente na manutenção da fauna e da flora, na circulação de águas superficiais e subterrâneas, nas condições de temperatura e umidade do solo, na liberação de vapor de água na atmosfera, na diminuição da fertilidade do solo que perde matéria orgânica e umidade, na intensificação da erosão nas áreas atingidas pelo fogo e em um desequilíbrio ecossistêmico com a transformação de ciclos naturais, como o da água”, informa. 

Andrea destaca, ainda, que a emissão de gases e fumaça durante as queimadas contribui para o agravamento do aquecimento global e do efeito estufa. “Esses gases e partículas desequilibram a temperatura do planeta, promovendo diversos efeitos negativos causados pelas mudanças climáticas. Isso afeta, também, a própria agricultura”, acrescenta. Além disso, a especialista falou sobre os prejuízos à saúde. “O grau e a quantidade de elementos tóxicos presentes nas fumaças afetam o organismo humano, a curto e a longo prazo, causando problemas respiratórios ou agravamento daqueles já existentes, principalmente em crianças e idosos”, esclarece.

Por fim, a especialista afirma que a prevenção e a conscientização da população, por meio de ensinamentos e mudanças de hábitos, é a melhor forma de evitar queimadas. Outra forma de combate seria a criação de penalidades legais específicas para essa situação. “Com criação de multas elevadas para quem provoca os incêndios, aliada a um sistema de monitoramento e de fiscalização, tanto para controle de focos de incêndio, quanto para aplicação das sanções legais, a utilização deste tipo de prática seria coibida”, finaliza.

Andrea Bombonato / Rosangela Villela GarciaQualidade do ar

O excesso de incêndios na cidade e na região resulta em inúmeros danos à qualidade do ar. Nas últimas semanas, Ribeirão Preto tem estado, literalmente, coberta de fumaça. De acordo com dados coletados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), nos meses de agosto e setembro deste ano, foram registrados 26 dias com níveis de qualidade do ar superiores a 121 microgramas por metro cúbico de partículas inaláveis. Isso, na escala da companhia, representa qualidade “muito ruim” ou “péssima”.

Para a estudante de química da USP de Ribeirão Preto, Giovana Lavezo Floriano, esse está sendo um período complicado. “Tenho dificuldade de respirar com o tempo seco e alergia à poeira. Então, passei os últimos dias com sintomas como tosse e irritação na garganta”, descreve. E essa não é só uma preocupação pessoal. A entrevistada comenta que a família toda está sofrendo com essa situação. “Meu pai teve Covid-19 ano passado e ficou com o pulmão debilitado. Ele tem bastante dificuldade de respirar, sendo necessário fazer o uso do inalador de ar”, revela.

A saúde

Segundo a médica pneumologista e doutoranda pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Rosângela Villela Garcia, inalar esse ar com uma grande quantidade de partículas de fumaça é, de fato, um problema e não só para quem já tem problemas respiratórios. “Existe uma substância chamada monóxido de carbono na fumaça, tanto nas queimadas quanto das queimadas de combustível, que pode causar a intoxicação e a morte. Temos visto alguns casos de morte por inalação de fumaça. Então, é muito importante que a pessoa, ao perceber que há uma queimada em algum lugar próximo, se afaste desse local e chame ajuda para apagar o fogo, para evitar as mortes por intoxicação respiratória pelo monóxido de carbono”, orienta. 

Giovana Lavezo Floriano / Danila e Rogério Figueiredo

Na região

Em Batatais – na região de Ribeirão Preto – um incêndio de grandes proporções tomou conta da área rural e se aproximou das residências do município no dia 9 de setembro. O fogo avançou para as proximidades dos bairros Jardim Canadá, Jardim Veneza e Altino Arantes. Além desses locais, os focos de incêndio se estenderam também pelas rodovias Altino Arantes e Cândido Portinari. A cidade ficou coberta por fumaça durante dias.

Danila e Rogério Figueiredo relatam a experiência “de horror” enfrentada pelos moradores da cidade. “É muito triste tudo que está acontecendo, se já não bastasse a geada que acabou com grande parte das vegetações deixando todas secas, tivemos que enfrentar essa semana de queimadas. Nunca tínhamos visto algo desse jeito, o fogo contornou a cidade, deixando-a esfumaçada por vários dias. Para piorar, faltou energia e não temos água em nossas casas, porque o pouco que a prefeitura libera, não tem pressão o suficiente para subir até as caixas. Tem sido terrível vivenciar tudo isso”, confessa o casal.

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