Dilemas históricos

Dilemas históricos

Tombamento e preservação da Avenida Nove de Julho levantam discussão em Ribeirão Preto; especialistas destacam pontos de vista distintos sobre a manutenção ou não da medida

O pedido de uma indicação de um vereador para o destombamento da Avenida Nove de Julho, nas proximidades do Centro e do Jardim Sumaré, levantou uma nova discussão sobre a preservação da via. A Prefeitura de Ribeirão Preto já se posicionou e afirmou que o assunto deve ser discutido em audiências públicas, que abordarão esse assunto, além de outras avenidas e futuras vias do município, em razão do novo Plano de Mobilidade Urbana. 

O tema surgiu após uma indicação do vereador Rodrigo Simões (PDT) que propõe a retirada do tombamento da via para que o calçamento seja substituído, além sugerir que o canteiro da avenida dê lugar a uma ciclovia. O vereador afirma que está difícil transitar pela Nove de Julho, em razão das irregularidades no calçamento. “Precisamos tomar atitude para resolver o problema da Avenida. Do jeito que está, não dá. O tombamento, na minha opinião, foi uma decisão infeliz. Hoje, não há quem cuide dos paralelepípedos, não tem especialista nesse tipo de trabalho. Além disso, temos uma estrutura de saneamento básico da década de 1940 que precisa ser renovada”, declara Simões.

Indicação de Rodrigo Simões para retirada do tombamento da Nove de Julho reacendeu a discussão sobre a preservação do espaço

A medida é rebatida por membros do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) e, também, por historiadores, como o professor José Antônio Lages, que aponta que o tombamento não impede a conservação da avenida. “Com a autorização do Conppac, é possível fazer o que é preciso ser feito para melhorar as condições de uso”, afirma. “É o nosso único calçamento em paralelepípedo. Merece ser devidamente conservado, restaurado e preparado para as condições mais pesadas do tráfego de uma via comercial, como a Nove de Julho”, complementa.  Segundo o professor, a avenida é o retrato da incompetência das administrações em conservar as vias públicas. “Querem descer goela abaixo as decisões sem consultar entidades, conselhos, movimentos, especialistas, sociedade civil, etc. Isso acaba sempre no Ministério Público”, afirma Lages.

O presidente do Conppac, Anderson Polverel, aponta que a medida é anticonstitucional, e, por isso, não poderia ser legislada pela Câmara Municipal e, de qualquer maneira, mesmo que transcorra por via judicial, o assunto deveria ser debatido e submetido a análises do comitê de patrimônio do Conppac. O advogado ainda relata que o tombamento da avenida, realizado em 2008, prevê que todo o layout da via seja mantido na forma original. Para isso, deve ser feita a manutenção dos paralelepípedos no calçamento da via e das pedras portuguesas no canteiro central, assim como o projeto paisagístico com as árvores. O paralelepípedo pode até ser trocado por uma pedra mais nova, por exemplo, porém, qualquer intervenção no local deve passar pelo crivo do Conselho.

O advogado Anderson Polverel salienta que o assunto deveria ser debatido e submetido ao Comppac

Preservação na prática

A presidente do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC), Adriana Silva, acredita que o tombamento da Avenida Nove de Julho deve ser analisado além da oficialização da manutenção estética do próprio público.  “Um tombamento representa o momento em que as pessoas decidem pela transformação de um patrimônio em um patrimônio histórico. Porém, tombar é só um dos itens necessários para preservar esse patrimônio. Atualmente, o poder púbico tomba, mas não providencia uma política pública de preservação do patrimônio na cidade”, explica.

Segundo Adriana, o tombamento serve como amparo legal daquele bem, contudo, caso não existam políticas públicas de preservação e de uso, aquele patrimônio irá se deteriorar com o tempo. “Por sua vez, uma política de preservação do patrimônio depende de um conjunto, e não de uma única ação. O poder público deve prover políticas públicas amplas que beneficiem o patrimônio. Infelizmente, isso não está na pauta do dia em Ribeirão Preto", finaliza Adriana Silva.

Segundo Adriana Silva, tombamento não basta para a preservação do patrimônio histórico

Ideal para o tráfego

Enquanto essa discussão corre, quem trabalha nas imediações da Nove de Julho e, principalmente, trafega por ela, diz não se importar tanto com o calçamento da via em si, mas sim, com sua correta manutenção. Para o mototaxista Agenor da Silva Neto, não importa qual tipo de calçamento da Avenida Nove de Julho, desde que ele esteja em bom estado. “Para mim, não importa se é paralelepípedo ou asfalto; importa que esteja bem cuidado”, declara.

O engenheiro civil e especialista em engenharia de transportes, Anderson Manzoli, defende que os gestores do município devem tomar um posicionamento sobre a situação: ou mantém a Nove de Julho da forma como é conhecida, mas com restrições na circulação de veículos pesados pelo local, ou realiza o assentamento do solo com cimento, para aí sim, realizar a colocação das pedras.

Para o engenheiro civil Anderson Manzoli, governo tem que decidir sobre a preservação e a manutenção do tráfego na via

Manzoli acredita que, se bem feito, o asfalto é mais proveitoso para quem trafega pelo local, justamente, por demandar de menos manutenção e, de acordo com ele, trazer mais segurança para os usuários da avenida. “São pavimentos diferentes. O paralelepípedo é um pavimento chamado ‘semirrígido’. Já o asfalto é um pavimento ‘flexível’. Eles têm comportamentos diferentes. Para melhorar o rolamento e a segurança do usuário, o ideal é colocar um pavimento asfáltico. Agora, não se pode ignorar as questões históricas. Esse aspecto não tem relação com engenharia nos quesitos técnicos”, aponta o especialista. 

De acordo com o engenheiro, o asfalto é a melhor opção quando se pensa exclusivamente no rolamento de veículos. “Nesse aspecto, não tem conversa: faz um bom sistema de drenagem e coloca o asfalto lá. Vai passar ônibus e caminhão? Dimensiona o pavimento para suportar carga, e ele aguenta por 10 anos. Esta seria uma solução mais definitiva. O paralelepípedo, quando simplesmente colocado de forma usual, sem usar um solo cimento por baixo, nunca vai ter a resistência de um pavimento asfáltico. Então, se passar ônibus ou assar caminhão, ele vai afundar”, argumenta o engenheiro. 

Porém, ao levar em consideração que o local é tombado, Manzoli acredita que o tráfego de veículos deva diminuir no local, depois de serem realizados estudos sobre o impacto do trânsito em ruas e avenidas adjacentes à Nove de Julho. “É preciso analisar se o entorno tem condição de absorver. O patrimônio tem um preço alto. Não passando veículo pesado, o tráfego de carros não trará problemas. No entanto, uma decisão como esta causará um impacto na mobilidade urbana do entorno”, finaliza.

Posicionamento da Prefeitura 

No último dia 27 de julho, o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), afirmou que levará a discussão do tombamento da Avenida Nove de Julho para audiências públicas que debatem a Revisão do Plano de Mobilidade Urbana. Por meio de nota, a Prefeitura informou que todas as avenidas de Ribeirão Preto serão discutidas nas audiências públicas abordando diversos aspectos, como a necessidade de duplicação, ampliação e revitalização, além de paisagismo, calçadas, ciclovias, acessibilidade, iluminação e segurança. “É preciso fazer uma ampla discussão pública e pactuar o desejo da maioria, ouvindo os conselhos municipais de defesa do meio ambiente, de patrimônio histórico, patrimônio cultural e artístico”, declarou Nogueira.

Duarte Nogueira afirma que o assunto será levado a audiências públicas em agosto

Árvores tombadas

O tombamento da Avenida Nove de Julho prevê a manutenção do layout da Avenida, por isso, inclui a manutenção dos paralelepípedos, das pedras portuguesas e das árvores sibipiruna. Essa, inclusive, foi uma das polêmicas da indicação do vereador Rodrigo Simões que, entre outras, entende que seja necessária a retirada do canteiro e das árvores doentes.

De acordo com o secretário do Meio Ambiente de Ribeirão Preto, Otávio Okano, a maioria das árvores que fazem parte do projeto paisagístico do local está em condições saudáveis de saúde, no entanto, tem sido acompanhada pelas equipes da pasta. “Quando tem uma árvore com problemas da estrutura, etc, fazemos uma vistoria, analisamos e vemos se há risco ou não, levantando a necessidade de extração. Isso porque as árvores são tombadas, mas a árvore em risco não pode deixar em pé”, declara o secretário.

Okano destaca que sibipirunas têm sido acompanhadas pelas equipes da Secretaria do Meio Ambiente

Okano ainda explica como funciona essa averiguação. De acordo com o secretário, os técnicos vão até o local após alguma informação de possível doença, ou por designação própria de funcionários da Secretaria. Após isso, é feita uma análise visual, que observa se há fungos ou outras doenças que possam causar danos nas árvores. “Deve ter uma ou outra árvore com esses problemas, mas não existe risco eminente de queda”, salienta o secretário, que afirma que, para melhorar a eficiência das análises das plantas, a Secretaria está estudando a aquisição de alguns equipamentos. Esses aparelhos servem para observar se os troncos estão ocos e se as raízes estão saudáveis.  

Sibipirunas são acompanhadas pela equipe da Secretaria do Meio Ambiente

Histórico

A Avenida Nove de Julho foi inaugurada em 1922, sob a denominação de Avenida Independência. A via começou a ser planejada em 1921 pelo ex-prefeito João Rodrigues Guião, que administrou a cidade entre 1920 e 1926, e foi a terceira avenida planejada de Ribeirão Preto. O atual nome foi dado em 1934, em referência à Revolução Constitucionalista, ocorrida em 1932.
A pedido do Conppac, a via foi tombada em 2008, por meio de decreto do ex-prefeito Welson Gasparini. A decisão determina que as 100 sibipirunas que ornamentam a avenida, o calçamento do canteiro em mosaico português e a via de paralelepípedo sejam mantidos, preservando as características do local, que remetem aos anos de 1950. 

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