Eles estão na ativa

Eles estão na ativa

Investir na contratação de talentos da terceira idade pode trazer ganhos relacionados à capacidade humana de gerar conhecimento a partir da experiência de vida

Em março de 2017, o site ReclameAqui divulgou pelas redes sociais uma vaga de emprego. O enunciado dizia “A gente contrata sua avó”, e a descrição complementava “A sua mãe, a sua tia, a sua vizinha também pode fazer parte do Reclame AQUI, na sede em São Paulo. Nós estamos atrás de uma profissional, acima de 55 anos, que procura por uma recolocação e que o mercado talvez não esteja dando oportunidade de trabalho no momento para ajudar a gente na nossa recepção com amor, alegria e a mesma paixão com que nós conduzimos o dia a dia do ReclameAqui”. O anúncio da vaga repercutiu não apenas pelo volume de candidatas, mas também pelo foco na contratação de uma funcionária mais experiente.

A geração de novas vagas de emprego para cidadãos que somam muitas primaveras foi tema da comédia americana “Um senhor estagiário”. Na história, a empresária de um bem-sucedido site de vendas, Jules Ostin, representada por Anne Hathaway, decide contratar idosos como estagiários a fim de recolocá-los no mercado de trabalho. Como protagonista, o setentão Robert De Niro, interpretando Ben Whittaker, enxerga na oportunidade uma forma de se reinventar. Na trama, por mais que o aposentado precise lidar com questões ligadas ao inevitável confronto de gerações, logo conquista os colegas de trabalho e se aproxima cada vez mais de Jules, que passa a tê-lo como um amigo. 

Tanto o anúncio da vaga de emprego como o roteiro cinematográfico chamam a atenção para uma realidade mundial — e, claro, brasileira: o país possui mais de 4,5 milhões de idosos empregados, segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos dez anos, o Brasil ganhou mais 8,5 milhões de pessoas acima dos 60 anos e este número deve chegar a 38 milhões até 2027. 

Segundo o Índice de Desenvolvimento Urbano Para Longevidade (IDL), Ribeirão Preto ocupa a 6ª posição no ranking das melhores cidades do país para os idosos viverem. O estudo é resultado da parceria entre o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre os municípios avaliados, Ribeirão Preto recebeu nota 75,42 para o grau de bem-estar oferecido aos adultos maiores de 60 anos. A pontuação colocou a cidade apenas atrás de Santos (99,66), Florianópolis (86,4), Porto Alegre (83,24), Niterói (81,61) e São José do Rio Preto (81,13).

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a participação de idosos no mercado de trabalho subiu para 7,8%, ante 6,3% em 2012. A mudança, segundo o estudo, está ligada ao envelhecimento da população e ao fato de que os profissionais que já passaram dos 60 anos estão adiando a saída do mercado de trabalho. Em seis anos, o percentual de idosos que migraram para a inatividade após perder o emprego caiu de 20% para 16%. 

Sabe-se bem que o estereótipo do aposentado de pijama, em casa o dia todo, mudou. Muitas pessoas nessa faixa etária trabalhavam até pouco antes de morrer. Hoje, a prioridade é a qualidade de vida. No Brasil dos anos 80, a expectativa de vida ao nascer era de 62,6 anos, segundo o IBGE. Já em 2013, de acordo com o último levantamento, essa estimativa de longevidade aumentou para 74,2 anos. A questão faz girar diversos debates: os idosos realmente estão ativos no mercado de trabalho atualmente? As empresas estão abertas a esses colaboradores? Quanto custa um idoso para a empresa, em relação ao seu tempo disponível de trabalho? 

O sistema que (não) contribui

O idoso ativo, hoje, preza pela qualidade, não só do ambiente de trabalho, mas também das relações com os colegas no ambiente laboral. Especialista em previdência, o advogado Hilário Bocchi Junior comenta que a colocação dos idosos no mercado ainda depende de um árduo caminho a ser percorrido. 

Para Bocchi Jr., o capital intelectual, a experiência profissional e de vida são alguns dos atributos que tornam os idosos interessantes para diversas empresas, todavia, a falta de habilidade com a tecnologia dificulta a contratação. “É preciso ficar claro que, no meio corporativo, o conceito de idoso tem várias dimensões: biológica, social e econômica, além da questão cronológica ou geracional. Os idosos preparados para a mudança e que se adaptaram ao mercado de trabalho têm mais acesso, mas não restam dúvidas de que a maioria precisa empreender sozinha para mostrar que ainda têm muito a fazer”, argumenta. De acordo com o especialista, uma vez que as contribuições dos idosos não são revertidas em benefícios, muitos aposentados acabam trabalhando na informalidade, o que dificulta a geração de estatísticas oficiais relacionadas à aposentadoria. 

A maior dificuldade, segundo Hilário, é estabelecer regras claras. Para o advogado, a insegurança jurídica dominante no país induz os contribuintes a deixarem de colaborar com o sistema previdenciário. “Isso, no futuro, certamente acarretará uma despesa impagável, com uma geração inteira de pessoas amparadas por programas sociais do Estado, pela Assistência Social e pela Saúde, que formam, juntamente com a Previdência, o tripé da Seguridade Social”, destaca.

Segundo Hilário, a falta de clareza nas informações previdenciárias leva ao trabalho informal dos idosos, o que dificulta a geração de estatísticas oficiais relacionadas à aposentadoria

Plano de Carreira X Plano de Vida 

A longevidade, certamente, tem se transformado em um dos maiores desafios da humanidade. Com disposição, saúde e energia, a população chegará à expectativa de vida levantada pelo IBGE e criar estratégias para seguir ativo no mercado de trabalho se tornou um ponto fundamental para isso. 

Para o advogado, ao olhar para o Supremo Tribunal Federal, é fácil constatar que o rumo de vida de todos os brasileiros está sendo conduzido por pessoas que superaram a idade protegida pelo Estatuto do Idoso e que têm a garantia de que ali permanecerão até os 75 anos. O cenário é outro quando se trata de trabalhos manuais e técnicos, em que homens e mulheres, respectivamente, com 53 e 48 anos  já encontram dificuldade, de serem contratados. Segundo Hilário, o planejamento é uma questão importante, que deve ser levada a sério. “O brasileiro não foi educado para poupar. As pessoas investem em previdência a sobra do que ganham e, normalmente, não sobra nada. O resultado disso é que os cidadãos não viverão com dignidade, apenas sobreviverão”, analisa. 

De acordo com o especialista, o caminho certo é reservar parte dos ganhos do presente para garantir um futuro saudável. “A sociedade mudou. A mulher foi para o mercado de trabalho, as famílias deixaram de ter muitos filhos ou os substituíram por animais, as uniões homoafetivas aumentaram. O resultado disso tudo é a redução da População Economicamente Ativa (PEA), que tende a cair ainda mais”, acrescenta. A prova disso está no fato de outros países reclamarem por reformas em suas legislações: restringir o acesso às aposentadorias, diminuir o leque de benefícios, reduzir o valor e aumentar as contribuições. 

Exemplo de longevidade

Segundo o “Estatuto do idoso”, todo cidadão brasileiro, homem ou mulher, de 60 anos ou mais, é considerado idoso. Porém, é preciso concordar que uma pessoa nesta faixa etária, atualmente, pode até ser considerada idosa perante a lei, mas está muito longe de ser na prática. 

Francisco Araujo, de 80 anos, é assessor da presidência da GasBrasiliano, empresa de distribuição de gás natural no Noroeste Paulista,  e coleciona em seu currículo profissional muitos anos de dedicação ao trabalho. Entre as atividades principais estão as que possuem ligação com distribuidoras de gás natural canalizado Brasil afora. Para ele, a atualização com a tecnologia é cada vez mais importante em qualquer faixa etária. Sem dificuldades para lidar com o trabalho dos mais jovens, Araujo encara os desafios na empresa como uma forma de evoluir como pessoa. “A tolerância e a aceitação das diferenças é fundamental. Os desafios ao longo do tempo, para mim, foram muito agregadores na minha carreira. Normalmente, o homem não gosta muito de mudanças, de desafios ou de críticas. Tive a felicidade de gostar muito desses três itens, o que isso contribuiu essencialmente para o meu crescimento profissional”, comenta.

Para Araujo, a atualização com a tecnologia é cada vez mais importante, independente da idade do trabalhador

Para se manter ativo, impõe à mente muita leitura, palavras cruzadas e jogos que exercitam o intelecto. Cuida da saúde do corpo com exercícios físicos e com a prática de esportes, que o ajudam a ser um idoso saudável e seguir no mercado de trabalho. Em plena e constante atividade, também considera a troca de experiência com os mais novos uma forma de se manter saudável. Segundo o assessor, nessa fase, alguns idosos não buscam mais crescimento profissional porque já conseguiram tudo aquilo que podiam, em razão da experiência e da vivência, entretanto, transmitir os ensinamentos acumulados aos jovens, tanto na vida profissional quanto na pessoal, é gratificante. “Sinto-me privilegiado por poder trabalhar com os mais jovens na GasBrasiliano. Não há, absolutamente, nenhum choque entre nós. As diferenças, claro, existem e, se bem aproveitadas, são muito benéficas para os dois lados e, mais ainda, para a empresa. Costumo brincar com alguns jovens amigos que unindo minha experiência com a juventude deles daremos um show”, brinca o assessor. 

Troca de experiência

A garra e a perseverança sempre estiveram presentes na vida de Maria da Conceição Vicente. À frente da Marvitubos há 31 anos, orgulha-se de ter crescido com a empresa. Para a empresária, atuar junto à equipe mais jovem é aprender algo novo todos os dias e entender que o trabalho de um complementa o do outro. Para ela, o maior desafio é a tecnologia, superado graças às novas gerações, que dominam facilmente a área. “Hoje, com a minha experiência, minha vivência com os mais jovens e toda a interação que temos, sinto-me mais criativa e produtiva do que nunca”, garante. 

A diretora acrescenta que sabedoria nada tem a ver com idade. Segundo ela, apesar do perfil do jovem estar em constante mudança, ainda há aqueles que, por razões de saúde, envelhecimento da alma ou de terem uma mente mais fechada, recolhem-se para dentro de si mesmos. Por outro lado, há quem encare a idade como um número apenas e estão cheios de vigor, vivendo com intensidade e disposição para trabalhar e aprender sempre. “Esses, sim, podem contribuir positivamente para as empresas com seu capital intelectual, independente da idade. Jovens são sinônimos de inovação e coragem para enfrentar os desafios. Idosos agregam experiência e  comprometimento. A mistura dos dois, na minha opinião, só traz benefícios para qualquer empresa”, completa. 

“A mistura dos dois [jovem e idoso], em minha opinião, só traz benefícios para qualquer empresa”, afirma Conceição

Trabalho rejuvenescido

A formação em Pedagogia e Psicopedagogia, aliada aos conhecimentos adquiridos com os inúmeros cursos na área no Brasil e no exterior e à longa experiência como educadora deram a Maria Cristina Laicine, sócia-mantenedora e diretora pedagógica do Colégio Itamarati, de Ribeirão Preto, a competência e a disposição para estar à frente da escola há 30 anos. Toda essa capacitação foi fundamental para a escolha da perspectiva educacional que acredita e, por isso, implantou no Colégio: uma abordagem de ensino sócio-construtivista.

Lidar com profissionais mais jovens, segundo Cristina, permite uma troca de experiências muito positiva: a bagagem prática e teórica acumulada ao longo de anos por uns enriquece as novas ideias trazidas pelos outros.  Os profissionais na ativa também estão em constante formação e envolvidos com as novas propostas educacionais, bem como agregando conhecimentos da psicologia, pedagogia, fonoaudiologia, neurociência e tecnologia, o que contribui para a prática educativa.  Para a educadora, além de estar constantemente em contato com o conhecimento e a cultura nessa fase da vida, o convívio com crianças e adolescentes favorece o rejuvenescimento pessoal e profissional. 

Outro fator importante para estar em plena atividade é acompanhar a evolução da tecnologia, um caminho sem volta que precisa ser percorrido. “Em um ambiente escolar, a proposta maior é a interação entre as gerações e as contribuições que dela resultam. Esses desafios fazem parte da rotina do Colégio Itamarati”, acrescenta.

Cristina: “Ao lidar com profissionais mais jovens, há sempre uma troca de experiências muito positiva”

Ocupação positiva

Estar em constante movimento é um fator positivo, tanto para a empresa quanto para o idoso. Segundo o geriatra Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho (CRM: 104.758), a ocupação melhora a autoestima e mantém o cérebro em atividade, o que contribui para o envelhecimento saudável em todos os aspectos. 

O conceito médico atual de envelhecimento saudável se constitui no desenvolvimento e na manutenção do bem-estar físico, mental, espiritual, social e das demais atividades, com o avançar da idade. “Pelos estudos médicos atuais, não há fórmula ou terapia antienvelhecimento (anti-aging) específicas. O que se têm estabelecidos são os benefícios da prática de atividades físicas, tanto de exercícios que envolvam atividade aeróbica (caminhada), quanto anaeróbica (musculação)”, argumenta o especialista. 

De acordo com o geriatra, para a manutenção da cognição, principalmente da memória, já é sabida a necessidade de manter o aprendizado constante, buscando a leitura, o contato com uma nova língua, com a computação ou até mesmo através da prática de palavras cruzadas. Já para a empresa, a participação dos idosos resulta em benefícios como mais paciência, motivação e capacidade para enfrentar desafios e pressão, características comuns entre pessoas mais velhas. A troca de experiência com profissionais mais jovens também costuma ser um estímulo extra para todos os envolvidos. 

Pesquisas revelam que 75% da longevidade está relacionada aos hábitos e apenas 25% aos genes. Em relatório sobre envelhecimento saudável divulgado em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta que o ambiente em que o idoso está inserido é fundamental em um processo de envelhecimento com qualidade. 
Silvio salienta que a participação dos idosos em cargos de chefia sempre aconteceu, até mesmo por motivos óbvios de carreira, contudo, a permanência desses profissionais no mercado está se prolongando. “O envelhecimento normal provoca a diminuição da memória episódica, da memória de trabalho e da função executiva, porém, o idoso compensa esses fatores com a experiência e a paciência desenvolvida”, enumera.

Para o geriatra, há várias definições de velhice do ponto de vista médico, entre elas, a de que o envelhecimento se constitui por mudanças graduais e irreversíveis na estrutura e na função de um organismo, ocorridas como resultado da passagem do tempo. O aumento expressivo da expectativa de vida foi decorrente do avanço da Medicina, que, de certa forma, conseguiu retardar essas mudanças geradas pela passagem do tempo. “Estudos evidenciam que a atividade física e mental é a melhor receita para combater os efeitos do envelhecimento”, conclui. 

“O envelhecimento normal provoca algumas perdas, compensadas com experiência e paciência”, destaca Silvio

Planejar a aposentadoria


O primeiro passo que deve dar quem está pensando em se aposentar é fazer um diagnóstico previdenciário. Isso significa descobrir quanto tempo de serviço já foi acumulado, quando o benefício poderá ser solicitado e definir a estratégia de contribuição até chegar à data adequada para encerrar as atividades laborais. A aposentadoria pode ser solicitada pelo site da Previdência Social, pelo telefone 135 e pessoalmente, nas agências do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O procedimento é simples, mas, de acordo com o advogado, simplesmente requerer, sem planejar, pode não ser uma boa opção. Se o trabalhador não tiver certeza de quando terá o melhor benefício, nem sobre quanto receberá, deve procurar ajuda antes de iniciar a solicitação. “Existem, por exemplo, benefícios de risco (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente) e benefícios programáveis (aposentadoria por tempo de contribuição com e sem pontos, aposentadoria especial, por idade e de professor)”, explica. Para ter direito ao benefício com tempo reduzido (15, 20 ou 25 anos), é necessário comprovar que o trabalho aconteceu em condições que colocaram em risco a saúde ou a integridade física. O interessado deverá solicitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) em cada uma das empresas onde trabalhou. Caso tenha atuado por conta própria (médico, dentista, industrial, entre outros), deverá elaborar o Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT). “Na prática, o ideal é que cinco anos antes de solicitar o benefício, o segurado comece a verificar a regularidade dos documentos e das contribuições. Alguns processos de regularização de períodos de trabalho do passado e de recuperação de contribuições são muito demorados. Este tempo é suficiente para deixar tudo certinho para não ter problemas na hora da aposentadoria”, conclui Hilário.

O Brasil mais velho

Não apenas as pessoas estão vivendo mais no país, mas estão ganhando mais qualidade de vida porque a maioria delas opta por levar uma vida que inclui esportes, viagens e passeios com amigos e família. 

13,6% da população têm mais de 60 anos
6,8% dos idosos têm limitações para realizar atividades diárias 
77% dos idosos gastam entre R$ 100,00 e R$ 500,00 mensais no supermercado
20% associam as compras a atividades de lazer
R$ 770,60 é a renda média da aposentadoria
29,7% será a parcela de idosos na população brasileira em 2050
80% têm algum tipo de renda
R$ 7,5 bilhões é o potencial de consumo da população na terceira idade 






Texto: Cristiane Araujo
Fotos: Ibraim Leão

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