Em busca de recolocação

Em busca de recolocação

O desemprego continua fazendo parte da realidade de muitos brasileiros que, mesmo com qualificação comprovada, não têm encontrado muitas portas abertas na busca por uma vaga 

O pior dos casos é o silêncio. Você pensa, agora vai dar certo, cria uma esperança, renova a expectativa, mas não recebe retorno. Vem a pergunta: por que essa empresa não ligou?". O relato é de Rivânio Medeiros, engenheiro civil de 58 anos que procura emprego há dois anos e meio. Certamente, essa angústia atinge muitos brasileiros que viram suas vidas afetadas pela crise econômica brasileira que parece estar longe do fim. Embora em Ribeirão Preto não haja dados oficiais sobre a parcela desocupada da população, no Brasil, são mais de 13 milhões de desempregados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Desde 2016, esse paraibano que mora em Ribeirão Preto passou a ter uma vida diferente. Depois de ter trabalhado 20 anos com contratos da Petrobras, feito MBA na Fundação Getúlio Vargas e uma especialização nos Estados Unidos, iniciou uma busca incessante por um emprego. Rivânio, formado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPA), visitou 132 empresas nesse período. Só teve uma rotina: entregar currículos e ver as portas se fecharem dia a dia. Não desistiu de tentar nem mesmo quando ouviu de um empresário local que Ribeirão Preto é “muito rica e perversa para quem não nasceu aqui”. 

Há dois anos e meio procurando emprego, Rivânio entrega currículos em um semáforo

A crise pode levar pessoas a situações inimagináveis. Diante da necessidade, a melhor saída é se reinventar, mesmo que isso implique em entregar currículos em um semáforo. Essa é a atual rotina do engenheiro civil, que manteve a família com suas reservas por muito tempo. "Agora estou começando a passar por dificuldades. Há três anos não frequento restaurantes. Cancelei plano de saúde, hoje sou subsidiado por duas filhas que moram em João Pessoa. Ainda tenho carro, mas se não conseguir um trabalho, vou vender para sobreviver até o final do ano. Em setembro, acabaram todas as minhas reservas", comentou emocionado. 

Abordando as pessoas no centro da cidade, tenta criar seu network. O gerente comercial Douglas Nogueira abaixou o vidro do carro gentilmente. Rivânio se apresentou e fez um breve relato de sua situação. Esse contato resultou na publicação do currículo do engenheiro na plataforma Linkedin, rede social profissional, sensibilizando várias pessoas.

A inserção de quem possui deficiência visual não é menos difícil. Rogério Donizeti de Paula, de 44 anos, sempre teve baixa visão e trabalhava como servente de pedreiro. Há cerca de dois anos, perdeu completamente a visão. "Senti desespero. Só chorava. Queria acabar com a minha vida, mas sempre pensei em minha mulher e filhos", afirma. Durante esse tempo, transformou a dificuldade em um período de qualificação. Na Associação de Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região (Adevirp), está aproveitando a oportunidade de cursar o Ensino Fundamental, ao mesmo tempo em que estuda para ser auxiliar de vendas. "Quero fazer de tudo para superar minhas dificuldades e o próprio preconceito, embora não seja fácil. Meu objetivo é aproveitar os cursos que a Adevirp oferece e voltar ao mercado de trabalho", aponta Rogério.

“Quero aproveitar os cursos que a ADEVIRP oferece e voltar ao mercado de trabalho”, afirma Rogério

Depois de anos de dedicação aos estudos, com direito a mestrado e doutorado, o emprego futuro nem sempre é garantido. Em um momento de crise econômica, até quem possui um nível de formação diferenciado enfrenta dilemas constantes. Ana Paula Battel, de 32 anos, licenciada em Ciências Biológicas pela Unesp e fascinada pela área de entomologia desde os anos de graduação, iniciou o mestrado em 2010 e, em 2012, o doutorado, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Sentiu-se abalada quando adquiriu o título de doutora e pensou de que forma iria ingressar no mercado de trabalho. Mesmo com anos de intenso aprendizado, publicações em congressos e em revistas científicas, precisou buscar rotas alternativas. Começou a vender trufas na faculdade para gerar uma renda extra, além de encaminhar currículos para inúmeras empresas. Estava disposta a atuar em qualquer área do país. 

Mesmo depois de concluir mestrado e doutorado, Ana Paula trabalhou como garçonete e promotora de produtos

Mesmo depois de conseguir um título que muitos profissionais almejam, Ana Paula trabalhou como garçonete em eventos e com ações promocionais em supermercados. "Sinto-me frustrada. Dediquei minha vida à área acadêmica, tentei o que pude e não consegui nada. Chega um momento em que vem a tristeza", destaca Ana Paula. Desde que encerrou o doutorado, apenas trabalhou temporariamente como professora em uma universidade estadual. “Poderia ter feito mais? Sempre podemos, mas fiz o que pude na minha situação e com o que tinha em mãos. Vontade de desistir? Tenho todos os dias, na forma do desejo de investir em outra carreira ou de arrumar um segundo emprego e não atuar mais na minha área de formação. Só não desisto porque tenho o apoio da família, dos amigos e do meu namorado, uma pessoa maravilhosa”, finaliza a bióloga.

Currículo diferenciado

Thalita Zeidan Shiavelli ressalta que há muitos cursos gratuitos pela internet e que aproveitar essas oportunidades pode ser um diferencial. "Percebo que algumas pessoas que não se especializam, não fazem network. Ajudo muito aquelas que não têm grau de instrução para fazer tudo isso", continua a “job Hunter”. Thalita ressalta a importância de estar atento ao Linkedin, seguir as empresas e compartilhar artigos. "Quando conseguimos recolocar uma pessoa no mercado de trabalho e ela entra em contato de volta para contar seu sucesso, não tem preço que pague. É isso que me propus e gosto de fazer", completa Thalita.

Segundo a psicóloga clínica e organizacional Thaís Granato Riscifina Salla, que trabalha com RH há 10 anos, são recebidos, diariamente, cerca de 50 currículos. “Às vezes, as pessoas não têm perfil para vaga e, mesmo assim, mandam currículo. Há muitas pessoas desesperadas, que aceitam ganhar um salário baixo”, ressalta. Outra situação recorrente é a exclusão do mercado em relação a mulheres com filhos e mais de 40 anos. “Isso mexe com a autoestima das pessoas e elas passam a se sentir incapazes. A dica que costumo dar é para que as pessoas olhem em volta. Assim, logo perceberão que não estão sozinhas naquela situação. Encontrar cursos na área e fugir do desânimo e da depressão são posturas que ajudam”, recomenda Thaís.

“Às vezes, as pessoas não têm o perfil para vaga e mesmo assim mandam currículo”, destaca Thaís

Quem está buscando o primeiro emprego também tem uma difícil batalha pela frente. Dados do módulo Educação, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo IBGE em 2017, revelam que 21,7% dos jovens de 15 a 29 anos não estudavam nem trabalhavam, número que evidencia um ligeiro aumento em relação a 2016, quando foi registrado 20,5%. O índice foi maior entre as mulheres, cuja incidência foi de 27,1%, enquanto, entre os homens, a taxa ficou em 16,4%.

Aos 16 anos, as gêmeas Jovana dos Santos Silva e Ketillyn dos Santos Silva estão à procura do primeiro emprego. Como muitos colegas da mesma idade, almejam trabalhar para adquirir experiência. Há cerca de seis meses, montaram o currículo e já distribuíram em diversas empresas da cidade. "Vou fazer o possível para que a empresa cresça cada vez mais. Sou responsável e dedicada, não vão se arrepender", comenta Ketillyn, ao ser perguntada sobre suas qualidades. "Distribuímos currículos na expectativa de sermos chamadas, mas a demora vai dando certo desânimo. Apesar disso, não pretendemos desistir", garante Jovana.

Aos 16 anos, as gêmeas Jovana e Ketillyn estão à procura do primeiro emprego

Cenário positivo

Estudo do Mercado de Trabalho do Centro de Pesquisa em Economia Regional (Ceper) e da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace), baseado nos indicadores do CAGED e do IBGE, mostra que o Estado de São Paulo encerrou os sete primeiros meses deste ano com 145.241 contratações, número superior às 81.550 admissões registradas de janeiro a julho do ano anterior. Destaca-se, nesse apanhado, o setor de serviços, que criou 107.750 postos de trabalho. O cenário é distinto do comércio, que cortou 29.533 vagas. 

Já Ribeirão Preto gerou 2.824 empregos, entre janeiro e julho deste ano, crescimento significativo frente as 453 vagas criadas no mesmo período de 2017. O setor de serviços foi o que mais contratou, com a abertura de 2.532 postos de trabalho, seguido pela construção civil, que criou 334 novos postos. 

Segundo Antônio Vicente Golfeto, diretor do Instituto de Economia Maurilio Biagi, da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), o Brasil, assim como Ribeirão Preto, está longe de se recuperar economicamente. As projeções eram positivas, mas com a greve dos caminhoneiros, ocorrida em maio deste ano, a incerteza voltou ao cenário e dificultou a lenta recuperação.  "Vivemos em uma época que, quanto mais o desenvolvimento se acentua — e só se acentua quando a tecnologia avança —, mais corta empregos. Isso porque a missão da empresa não é criar emprego e, sim, criar riqueza", ensina o especialista. De acordo com Golfeto, a sociedade precisa construir mais instituições e líderes para que a economia possa ser recuperada. “Comece a transformar erro em experiência, e experiência em sabedoria. Devemos aprender com os erros que já cometemos”, finaliza o diretor. 

De acordo com Golfeto, a greve dos caminhoneiros trouxe de volta a incerteza para um cenário de lenta recuperação econômica

Thalita Zeidan Shiavelli criou um grupo de recrutamento e seleção, que já conta com fila de espera. Formada em administração de empresas, começou a estudar sobre como ser “job hunter”, profissional especializado em "caçar" as melhores oportunidades para profissionais à procura de recolocação ou ascensão profissional, e “head hunter”, contratado por grandes empresas para garimpar talentos para posições de grande importância na empresa. Executa as duas funções, mas não cobra para ser “head Hunter”. "Minha motivação é ajudar as pessoas",  esclarece.

Thalita Zeidan Shiavelli

Desemprego e saúde mental

A pesquisa “Impactos do desemprego: saúde, relacionamentos e estado emocional”, elaborada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), mostra que o desemprego pode afetar o estado físico e emocional das pessoas. 

64% dos entrevistados estão estressados ou nervosos
40% revelam perda de valor perante as pessoas 
60% das pessoas ouvidas se sentem deprimidas ou desanimadas
63% afirmaram estar angustiados
56% declararam baixa autoestima 
70% sofrem com a ansiedade
67% sentem insegurança por não conseguirem um novo emprego
72% convivem com sentimentos de privação de consumo 
59% mencionaram sentimentos de medo 
45% declararam sentir vergonha diante de amigos ou parentes
37% carregam culpa
68% das pessoas passaram a se sentir esperançosas com a vida após perder o emprego
41% dos entrevistados estão mais otimistas do que eram antes e confiam que coisas boas irão acontecer

* Foram entrevistados pessoalmente 600 desempregados acima de 18 anos, de ambos os gêneros e diversas classes sociais em todos os estados brasileiros. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para um intervalo de confiança de 95%.
*A pesquisa foi realizada de 24 de novembro a 14 de dezembro de 2017.






Texto: Bruna Romão | Arte: Tiago Leite

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