Laços fraternos

Laços fraternos

Cheia de particularidades, a relação entre irmãos propicia um aprendizado constante e uma troca por toda a vida

Rafael e Bárbara souberam contornar o ciúmes de Santiago com a chegada de MayaO nascimento de Santiago, em 2014, foi motivo de grande comemoração para Bárbara Veronezi Granero e Rafael Granero. Pais de primeira viagem, a vida do casal passou a girar em torno do bebê, que foi muito desejado. “Nós dois tínhamos o sonho de aumentar a nossa família, multiplicar o amor. Por isso, quando confirmamos a gestação, ficamos extremamente emocionados. Fomos curtindo cada etapa do desenvolvimento do nosso filho, fascinados com as constantes descobertas. Procurávamos incluir o Santiago em tudo, inclusive nas nossas atividades sociais, respeitando a rotina dele. Só íamos a algum lugar se pudéssemos levá-lo”, lembra Bárbara. Acostumado a ser o centro das atenções, o pequeno surpreendeu ao receber a notícia de que mais uma integrante estava a caminho. “Logo no início da segunda gestação, o Rafael e eu tivemos uma conversa com o Santiago. Contamos sobre a irmãzinha que vinha por aí e ele se mostrou bem animado com a novidade. Minha barriga se tornou alvo de muitos beijos”, comenta a empresária. 

Há três meses, Maya chegou e o primogênito sentiu o impacto das mudanças na dinâmica da casa. Com a irmã demandando uma dose extra de cuidados, em especial da mãe, Santiago ficou enciumado. Tentava ser, novamente, o foco exclusivo dos pais, uma reação supernatural. Nessa hora, o companheirismo dos pais foi essencial. “O Rafael estava sempre por perto, inventando mil brincadeiras para entreter o Santiago enquanto eu tomava conta da Maya. Por saber que a minha presença como mãe também é imprescindível, reservo um tempo só para nós dois. A caçula fica com a babá e nós nos divertimos jogando futebol, basquete e muito mais. Dessa maneira, conseguimos transformar essa fase em algo passageiro”, descreve Bárbara. Hoje, o pequeno se tornou um protetor da irmã. Se ela está com frio, com fome, com sono ou, ainda, se a chupeta cai da boquinha, ele está sempre pronto para zelar pelo bem-estar dela.

O vínculo entre irmãos é algo que vai muito além do sangue ou da genética. É uma conexão emocional poderosa, uma parceria que se mantém, independentemente do tempo, das diferenças ou da distância, intensificando as alegrias e suavizando os momentos de tristeza. Os irmãos acabam se tornando um porto seguro, aquele alguém em quem confiar em meio a um universo repleto de incertezas. Porém, para que esse laço de amizade seja estabelecido, de fato, a influência dos pais, como no exemplo citado acima, é fundamental. Quem faz o alerta é a Dra. Luciana Herrero (CRM/SP: 137.701 – RQE: 32267), do Instituto Aninhare. Segundo a especialista, quando uma mulher fica grávida, a família fica grávida. A energia da casa é alterada. Portanto, não adianta esconder o fato do primogênito, acreditando que ele não vai perceber. O anúncio deve ser feito com otimismo, mas sem abrir mão do realismo, evitando, assim, expectativas e frustrações. 

Para o irmão mais velho, o recém-nascido tende a ser um chato, que chora o tempo inteiro, exige atenção e não sabe brincar. A princípio, ele não é um amigo. É um estranho. A relação entre eles é construída gradativamente. “O começo pode ser bem trabalhoso, um verdadeiro desafio. Aos poucos, a situação se ajeita. O ideal é que os pais contem, com sinceridade, o que vai acontecer. Preparar o irmão e envolvê-lo na rotina do bebê facilita o processo de aceitação. Medidas simples, como deixar que ele escolha algum detalhe da decoração do quarto, dar autonomia em pequenas tarefas e evitar cobranças demasiadas valorizam o papel do irmão mais velho. Com isso, ele se sentirá útil. É importante ressaltar, no entanto, que nem todos os irmãos gostam de participar desse momento e a opinião deles precisa ser respeitada. Cada um tem sua personalidade e, portanto, reage de maneira distinta às mudanças ao seu redor”, aponta Dra. Luciana. 

“O anúncio do irmãozinho deve ser feito com otimismo, mas sem abrir mão do realismo, evitando expectativas e frustrações”, orienta Dra. LucianaA especialista explica que, caso essa adaptação não seja conduzida adequadamente, o irmão mais velho pode ter a autoestima abalada, desenvolvendo comportamentos regressivos (como fazer xixi na calça, querer mamar ou chupar chupeta), culpando e, até, tornando-se violento com o caçula, gerando reflexos negativos que se estendem para a vida adulta. “Por isso, os pais devem redobrar os cuidados, criando um ambiente harmonioso, cheio de carinho e de acolhimento, para que os filhos cresçam saudáveis, felizes e unidos”, finaliza Dra. Luciana. Conforme o avançar dos anos, ainda durante a infância, os irmãos podem transformar a casa em um minicampo de batalhas. As brigas — pelos mais variados motivos — são normais e até esperadas, desde que façam parte de um contexto maior, envolvendo brincadeiras, parceria e cumplicidade. De certa forma, é uma maneira de testar os limites enquanto eles se conhecem melhor e aprendem a conviver em sociedade. 

Aprendizado mútuo

Valentina e Guilhermina se divertem e se ajudam enquanto descobrem o mundo juntasOs laços também se fortalecem pelo sentimento de admiração e de encantamento. Tem sido assim com Valentina e Guilhermina Velludo Favaretto. Guilhermina nasceu prematura de 28 semanas, pesando apenas um quilo. Ficou internada na UTI neonatal por quase quatro meses e sofreu diversas intercorrências. A família, por várias vezes, temeu perdê-la, mas a pequena batalhou pela vida. Nessa época, Vale tinha somente um ano e passava o dia na escola, enquanto o pai trabalhava e a mãe estava com a caçula, no hospital. A confirmação do diagnóstico de paralisia cerebral e as deficiências múltiplas decorrentes não afetou, em nada, o elo entre as irmãs. 

Hoje, com nove e oito anos, respectivamente, a relação das duas, segundo a mãe, Maira Pettes, é linda de se ver. Elas adoram dormir juntas, brincar na água, assistir TV, jogar no tablet e andar de bicicleta. A Guilhermina tem a irmã mais velha como um espelho, um modelo a ser seguido, e aprende muito com ela. Quer imitá-la em tudo. 

A Valentina, por sua vez, ama a Guilhermina incondicionalmente. Ensina e cuida com máxima paciência. Ajuda a comer, a tomar banho e a trocar de roupa. “Sei que, algumas vezes, a Valentina enfrenta o peso de uma responsabilidade que ainda não é dela e que isso força um indesejado amadurecimento precoce. Também imagino que, provavelmente, sinta seus problemas e realizações minimizados diante das questões mais urgentes da irmã, embora, como pais, tentemos, incansavelmente, dar igual importância às duas. Mesmo diante das adversidades, a Valentina nunca projetou na irmã qualquer tipo de ciúme ou carência. Fico orgulhosa de acompanhá-las nessa jornada”, descreve Maira. 

Não é mera coincidência

Os gêmeos Maurício e Marcelo confessam que há uma ligação singular entre elesSe dividir os pais, a família, os brinquedos e a mesada pode parecer uma tarefa árdua, imagina compartilhar a mesma aparência com alguém? Para os gêmeos Maurício e Marcelo Gasparini, as similaridades nunca foram um empecilho. “Sempre fomos muito unidos. Quando crianças, usávamos as mesmas roupas, frequentávamos a mesma escola, íamos aos mesmos cursos, andávamos com a mesma turma e cantávamos no mesmo coral. Ficávamos o dia inteiro juntos e isso, naturalmente, estimulou certa competitividade, mas, felizmente, soubemos construir uma relação saudável, de amizade e de lealdade. Na juventude, cada um foi achando sua própria identidade e estilo. Descobrimos que temos personalidades bastante diferentes, porém, temos interesses e gostos parecidos, como a gastronomia e os esportes”, revela Marcelo. 

Os dois fazem questão de declarar o amor pelos outros irmãos, Welson Gasparini Júnior e Luciana Menna Barreto Gasparini, porém, confessam que há uma ligação singular entre eles. “Acho que só quem tem um gêmeo consegue, realmente, entender esse elo. Quando tínhamos 17 anos, o Maurício fez um intercâmbio para os Estados Unidos. Ele estava em uma lanchonete que foi invadida por uma gangue mexicana e acabou espancado. Eu, sem saber de nada aqui no Brasil, passei muito mal, sentindo dores por todo o corpo. É algo que não tem explicação. Nunca me sinto sozinho”, resume Marcelo. 

Na fase adulta, manter a proximidade exige empenho e dedicação. Cada um escolheu seu caminho, Maurício na política e Marcelo no mundo executivo. Ambos, no entanto, continuam mantendo a tradição de dividir. “Compartilhamos o palco e a paixão pela música. Tivemos uma bela trajetória profissional nessa indústria que, neste ano, completa duas décadas. Viajamos pelo país e colecionamos histórias que marcaram nossas vidas. Agora, por causa da carreira que escolhemos, nossas apresentações são esporádicas, reservadas para ocasiões especiais. Para completar as coincidências, somos casados com duas irmãs, Renata e Juliana, ou seja, dividimos até a sogra”, diverte-se Maurício. 

Heróis e vilões
Por Dra. Célia Regina Barreto Bianco 

De maneira geral, nenhum de nós foi entrevistado sobre a escolha de ter irmãos ou não. Tornar-se irmão de alguém será um processo de construção contínuo. Eles são nossos heróis e vilões. Fazem parte fundamental desse imenso “emaranhado” chamado família. A conduta dos pais certamente auxiliará no surgimento de maior facilidade ou dificuldade na convivência entre os filhos, porém, o temperamento da criança e a personalidade que se forma levará ao resultado final. Em última análise, como em tudo nessa vida, a relação entre irmãos é relativa. Depende de muitos fatores que se inter-relacionam. Poderia escrever por muito tempo sobre histórias que fazem parte do nosso inconsciente coletivo, como Caim e Abel, os irmãos Karamazov, Rômulo e Rêmulo, Ezaú e Jacob, Castor e Pólux, entre outros. É um dos assuntos mais fascinantes na literatura, tanto pelas amizades quanto por grandes frustrações. As questões dos primogênitos, dos filhos do meio e dos caçulas não param de chegar às sessões de terapia mundo afora. São casos que envolvem todo tipo de emoção, como carinho, inveja, identificação, idealização, admiração, ciúme, insegurança, medo e amor. Podemos, inclusive, expandir esse universo: irmãos de sangue, do primeiro, do segundo ou do terceiro casamento, irmão na fé, irmãos no time ou amigos irmãos. Dividir com alguém parte da sua história sempre vai ser algo profundamente importante, incomparável, mesmo que passageiro ou temporário.

Dra. Célia Regina Barreto Bianco(CRM/SP: 68641)
Médica psiquiatra, formada pela FMRP-USP, com Residência médica pelo HCRP-USP, Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica.

Texto: Paula Zuliani
Foto Capa Valentina e Guilhermina: Julio Sian 
Foto: Capa Santiago e Maya: Ellen Lourenço

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