Mães em tempo integral

Mães em tempo integral

Em meio a um mundo turbulento e incerto, em que o tempo é cada vez mais escasso, as mulheres buscam a melhor maneira de preparar os filhos para o futuro

Foto: Lucas Chaibub

Tendo em vista as circunstâncias do país, que mergulhou num mar de incertezas, com crises em todos os segmentos, sobretudo de caráter moral e ético, não é exagero dizer que pensar na maternidade se tornou um desafio ainda maior para as mulheres. O cotidiano da atualidade também é marcado pelo excesso e pela rapidez das informações que chegam às crianças, diariamente, sobre as quais é quase impossível ter controle; a velocidade do mundo que gira, ao toque de teclas e botões, exigindo eterna reciclagem frente às novidades, e o ritmo acelerado dos dias que escapam entre os dedos, ficando sempre a sensação de que tarefas importantes deixaram de ser cumpridas. 

É nesse contexto que a mulher lida, hoje, com maternidade.  Heloísa Maria dos Santos Toledo é docente no ensino superior, doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e mãe de Heitor, de dois anos e 10 meses. Conforme a socióloga, ter mais acesso a informações sobre a maternidade e o desenvolvimento infantil do que em qualquer outra época histórica dá às mães mais controle e conhecimento sobre a educação e a formação de seus filhos, mas, também, gera mais ansiedade e cobrança. Conforme Heloísa, há uma preocupação extremada com a preparação para o futuro. Nesse sentido, as mães se cobram e são constantemente questionadas.

Para Heloísa Toledo, um dos maiores desafios das mães é conciliar a maternidade com suas carreiras

Questões relativas à alimentação e às atividades extracurriculares dos filhos também ganharam importância, roubando espaço das brincadeiras e até do ócio junto com os pequenos. “Apesar das variáveis e possiblidades do cenário atual, acredito que os principais medos e anseios das mães, atualmente, sejam, em essência, os mesmo de antes: estou ou não fazendo a coisa certa, tomando ou não a melhor decisão?”, comenta a socióloga. 


Nos dias atuais, a maternidade assume outras feições — até pouco tempo, a relação mulher/mãe era praticamente obrigatória — esperava-se da mulher, na idade adulta, que assumisse a maternidade como seu principal papel social.  A industrialização, a inserção da mulher no mercado de trabalho e o desenvolvimento das tecnologias contraceptivas e conceptivas, como a fertilização in vitro, trouxeram como consequência outros modelos de maternidade: há mães que trabalham fora, outras que se dedicam, exclusivamente, à vida doméstica; há as casadas e as solteiras; as jovens e as mais velhas; as que optaram pela produção independente e as que formaram uma família bem jovens. 

Independentemente do grupo que compõem, as mulheres ainda respondem por grande parte da responsabilidade diária com filhos e com a casa, cumprindo, muitas vezes, tripla jornada, já que a paternidade não tem equivalência nas funções que elas exercem e pelas quais são responsáveis. “A maternidade é um dilema para muitas mulheres que querem seguir uma vida profissional. Um dos maiores desafios é, justamente, conciliar a maternidade com a carreira. Outra grande dificuldade é assumir, sobretudo para si mesmas, que fazem o seu melhor e que há situações que fogem ao seu controle, com as quais não saberão lidar de imediato. O que me torna uma mãe melhor é olhar para o meu filho e perceber o que ele é, e, por isso, eu o amo, e não o que eu gostaria que ele fosse. Segundo uma amiga, a generosidade e a paciência são os itens essenciais da maternidade. Faz sentido”, ressalta a mãe e socióloga. 

Conforme Heloísa, a redução do tempo das mães com os filhos não implica, necessariamente, na perda da qualidade dessa relação ou mesmo do desenvolvimento da criança. O que realmente importa é a qualidade desse tempo que passam juntos. Nesse período, a mãe o ouve? Conversa? Brinca? Dá bronca? Cuida? Em caso afirmativo, estabelece-se uma relação profunda entre eles. Isso, sem falar que uma mulher que trabalha fora e passa parte da sua jornada produzindo algo que gosta, quando chega em casa, é uma mãe melhor, mais completa. 

Para a docente, o problema relacionado a essa falta de tempo se deve mais ao fato de as mulheres serem sobrecarregadas com várias funções. Elas poderiam fazer melhor uso do tempo com seus filhos se houvesse maior participação dos pais nos cuidados com a casa e com os filhos e do Estado, com a garantia de boas creches e escolas, entre outros benefícios. A socióloga afirma que só há um jeito de driblar as dificuldades inerentes à maternidade: vivenciá-la, aprender a lidar com aos percalços que esse papel impõe. 

“O fato de as mães tentarem acertar já é um ponto positivo. Tenho visto bons resultados para essa questão nos grupos de mães que existem nas redes sociais, por exemplo. Em Ribeirão Preto, há um grande grupo que funciona como uma rede de apoio mútuo. A maternidade, especialmente nos primeiros meses de vida da criança, é uma etapa solitária, de desafios e de aprendizado, e contar com o apoio de outras mulheres que estão passando ou já passaram por algo parecido é importante nesse processo”, conta Heloísa.  As informações e as trocas de experiências que circulam nesses grupos auxiliam as mães a encontrarem saídas e soluções. 

A psicóloga Heloisa Riscala é especializada em psicopedagogia e orientação profissional, e atua com crianças há 13 anos. Sua experiência demonstra que a falta de tempo é o que mais tem impactado a relação pais e filhos. “Os pais precisam trabalhar e as crianças ficam muito tempo sozinhas, com babás ou na escola, em período integral. Quando chegam em casa,  estão cansados, estressados e acabam não tendo paciência para dar atenção aos filhos”, explica a psicóloga. 

Segundo Heloisa Riscala, a carência de afeto e de atenção e as frustrações são demonstradas pelas crianças em pequenas atitudes

Essa carência de afeto e de atenção, assim como as frustrações, é demonstrada pelas crianças através de pequenas atitudes que revelam  impaciência, teste de limites e agressividade com colegas e familiares. Conforme Heloísa, é importante atenção a esses sinais. “Os pais buscam ajuda por diversos motivos, como baixo rendimento escolar, desobediência, regressão do comportamento após o nascimento de irmãos ou agressividade”, destaca a especialista, informando que tais queixas são as mais frequentes em seu consultório.  

Não conseguir educar corretamente os filhos e ter dúvidas a respeito de limite e castigos são as maiores preocupações relatadas pelas mães. A psicopedagoga comenta que é preciso ser firme com as crianças, mas com afeto — de nada adianta impor sem explicar. Os pais que se sentem em dívida com os filhos acabam recompensando sua ausência com presentes materiais, sendo que um pouco de atenção é o que seus filhos realmente precisam. O resultado são crianças inseguras, com diversos medos, que somatizam doenças desde muito pequenas.   “Falta o tempo de qualidade, a atenção e o diálogo. Não importa se tenho cinco ou dez minutos para brincar ou estar com meu filho, o importante é que eu esteja por inteiro naquele momento, que eu possa me entregar, sem celular, sem me preocupar com outras demandas. Assim, a criança ficará satisfeita”, pondera a psicóloga, que está no oitavo mês de gestação. 

Heloísa sabe que encontrará desafios quando a pequena Isabela chegar, principalmente, por se encaixar no contexto de mães que trabalham o dia todo. “Minha cabeça anda a mil por hora, estou contando os dias para recebê-la. Medo? Talvez eu tenha do desconhecido, de imaginar como será educá-la nesse mundo tão complicado, em que sua geração está à mercê de tantas informações. Para mim, o amor e o limite são os grandes pivôs de uma boa educação. Fui educada assim e sou muito grata à minha mãe, que me ensinou a amar acima de tudo”, conclui a especialista. 

Lídia Muradás dá contorno às histórias de vida das mães por meio de um ensaio fotográfico

Pensando nas incertezas do mundo atual e em todas as questões que envolvem e interferem na maternidade, a Revide convidou 11 mães para contarem o que desejam para seus filhos no futuro. Os belos relatos a seguir foram emoldurados pelo ensaio fotográfico que leva a assinatura de Lídia Muradás. 

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