Nas mais variadas esferas

Nas mais variadas esferas

A constelação familiar sistêmica, ciência fenomenológica criada por Bert Hellinger, ganha cada vez mais espaço, sendo utilizada em inúmeros segmentos

Fernando destaca que, por meio da técnica, é possível entender a visão sistêmica do indivíduoA ciência fenomenológica criada por Bert Hellinger, psicoterapeuta e filósofo alemão, ganha cada vez mais espaço no mundo contemporâneo. No pensamento de Hellinger, os grupos familiares possuem uma “consciência de clã” que leva seus componentes, inconscientemente, a repetirem as ações dos membros que o antecederam. Segundo o pensador, além da genética, o indivíduo carrega em um campo de ressonância mórfica, alguns padrões e normas comportamentais.

Tal consciência é embasada em “ordens do amor”, regidas pelos princípios da necessidade de pertencer, da hierarquia e do equilíbrio entre o dar e o receber nos relacionamentos. Segundo a Constelação Familiar Sistêmica, se as ações de um indivíduo de determinado grupo ferem tais princípios, a relação se torna doentia, o que compromete o crescimento global.
Essa análise, que incialmente foi aplicada no núcleo familiar, tem se estendido a diferentes segmentos. Em Ribeirão Preto, a ciência de Hellinger tem sido aplicada em empresas, na educação e na Justiça. Os profissionais que seguem essa linha de pensamento são chamados de consteladores, uma função que ganha cada vez mais espaço.

Fernando de Freitas forma, hoje, muitos desses profissionais em Ribeirão Preto e região. O médico especializado em Gastrocirurgia compreendeu que a verdadeira origem das doenças estava nos desdobramentos de traumas emocionais. Fernando é analista em Psicossomática, em Psicoterapia Neo-Reichiana e em Bioenergética; terapeuta em Biossíntese e em Biodinâmica, além de ter feito parte do 1º treinamento sul-americano em Constelação Sistêmica Fenomenológica segundo Bert Hellinger. Também é formado em Consultoria Sistêmica Empresarial, Coaching e Constelações Organizacionais.

Segundo o coach, a técnica revela a visão sistêmica do indivíduo. De acordo com a teoria, os problemas que as pessoas verbalizam não são, de fato, as causas que as imobilizam e as impedem de se desenvolver plenamente: por trás desses problemas, que são como sintomas, esconde-se o verdadeiro conflito. “Se solucionamos os problemas aparentes, geralmente, surgem outros na sequência. No entanto, quando o problema real é resolvido, tais sintomas deixam de existir. Uma das finalidades da Constelação Familiar Sistêmica é, justamente, descobrir o problema oculto da consciência do indivíduo”, explica Fernando.

Algumas das ferramentas utilizadas na prática da Constelação são o campo (uma toalha, cuja finalidade é delimitar o sistema analisado), os bonequinhos (que irão representar os membros que compõem tal sistema), e os subjetivos (peças que podem significar aspirações, desejos, morte, aborto, futuro, passado, doença, entre outros conceitos). Na sessão, a pessoa monta o sistema a ser representado posicionando os bonequinhos e os subjetivos. A partir disso — analisando a distância, a direção de um membro em relação aos demais e aos subjetivos, entre outros elementos —, o constelador faz a análise, relevando os reais pontos de conflito existentes no grupo observado.

Fernando explica que a Constelação Sistêmica trabalha muito com o hemisfério direito do cérebro. “Falar tem a ver com o hemisfério esquerdo. O ato de montar a constelação também leva em conta o hemisfério direito, onde estão os conflitos”, explica o especialista. Quando a técnica é empregada em casais, geralmente, as constelações diferem uma da outra, mostrando o quanto é diferente a forma de um e de outro enxergar a relação, assim como seu envolvimento, sonhos e objetivos. São analisados, então, os modelos trazidos pelos integrantes da família original, repetidos no novo núcleo familiar, gerando conflitos.

As sessões possibilitam realizar uma série de diagnósticos a respeito da problemática inconsciente dos pacientes. “Com essa elevação de consciência, o indivíduo começa a enxergar a si mesmo, a relação estabelecida com o outro e como ele se posiciona no sistema”, esclarece o especialista.

A análise corporal e o jeito de falar também são levados em consideração: é possível investigar se as informações passadas verbalmente são congruentes com a linguagem corporal e a representação montada. Normalmente, percebe-se que o cliente está desconectado da própria realidade. O papel do constelador é, justamente, reconectá-lo. “Se a pessoa não olha para a realidade, os problemas aparecem sem que ela os enxergue, passando a ver somente os problemas criados para mascarar os demais. A arte é ir à raiz dos problemas: se consigo resolver essa raiz, os nós são desfeitos”, explica Fernando.

A abordagem sistêmica objetiva verificar se as funções estão em ordem dentro de um determinado sistema. Quando isso não acontece, há uma disfunção a ser trabalhada. Com a intervenção do constelador, o cliente passa a ter uma visão mais ampla do universo e da maneira como se relaciona com tudo o que o cerca.

Conforme Luiz Fernando, a bagagem dos indivíduos é projetada no ambiente de trabalhoO coach Luiz Fernando Sampaio não atua profissionalmente como constelador, mas aplica o conhecimento e as informações da Constelação Sistêmica na organização em que trabalha e no relacionamento com outras empresas. Essa vertente de aplicação é denominada Constelação Sistêmica Organizacional. “Uma empresa é um grande sistema, um organismo vivo, composto por pessoas com diferentes histórias e emoções, que reagem de maneira particular a determinado estímulo — são gatilhos emocionais. A bagagem de cada pessoa está, invariavelmente, projetada no ambiente de trabalho. A constelação sistêmica é uma ferramenta riquíssima, que traz à luz situações ou conflitos tácitos”, comenta Luiz Fernando.

Segundo o coach, uma empresa sempre passa por ciclos de crescimento: precisa abandonar comportamentos, evoluir nas relações e na postura; amadurecer para criar e conquistar novos mercados. “Em tempos de crise, a ferramenta é uma excelente alternativa para identificar se o problema é apenas do mercado ou também da empresa. Há, ainda, momentos cruciais em que a Constelação se torna necessária. Um bom exemplo é o planejamento sucessório, quando será escolhido um novo líder para comandar a empresa e alterar positivamente ou não a dinâmica de suas relações”, exemplifica o especialista.

A técnica pode ser empregada, no universo corporativo, em diferentes abordagens, do diagnóstico de liderança à gestão de conflitos. “O gestor tem como função tomar decisões, orientar e conduzir sua equipe. Se ele não cumpre esse papel ou não traz em si a liderança necessária, o desempenho da equipe será comprometido. Haverá desvio de função, pois outro indivíduo poderá tomar a decisões sob sua influência, aumentará o conflito e os resultados serão comprometidos. Essa dinâmica pode ser elucidada pela constelação”, esclarece Luiz Fernando, complementando que os resultados têm sido expressivos na gestão e na composição de uma equipe, assim como no amadurecimento de relações estabelecidas com outras empresas.

Márcio utiliza bonequinhos de animais para descobrir os conflitos existentes por trás dos alunos-problemaPedagogo, psicólogo e pós-graduado em saúde mental, Márcio José Ferreira possui uma empresa de coaching. Fez o curso de Fernando de Freitas e com Hellinger, conhecimentos que hoje aplica na Educação, por meio da Pedagogia Sistêmica. Com ampla experiência como professor na rede pública, percebeu que os problemas familiares não elaborados eram comuns em alunos de comportamento difícil. “Para ajudar essa população, elaborei a palestra ‘Educação, qual é o seu problema?’, baseada na Constelação Familiar Sistêmica. Olhar para a Educação a partir das leis naturais do equilíbrio, da hierarquia e da ordem de pertencimento ajuda a solucionar conflitos familiares”, conta Márcio.

A palestra, aberta à comunidade, tem sido ministrada em Ribeirão Preto e, agora, seguirá para toda a região. “O intuito de mostrar às pessoas como a educação pode ser saudável. Tenho percebido que essa abordagem é inédita nos lugares que recebem a palestra. Os participantes sempre encontram muito sentido no conteúdo apresentado — as pessoas costumam mudar o olhar, ampliar a consciência e quebrar paradigmas”, explica o psicólogo.

No consultório, as crianças chegam a partir de uma demanda espontânea ou por indicação das escolas, que os classificam como alunos-problema. Utilizando bonecos de animais, de uma forma lúdica, o psicólogo faz um diagnóstico da família. “Apesar de ser sempre considerada o problema, a criança nunca é: geralmente, a questão envolve o relacionamento dos pais, revelado pela criança, que está gritando para ser ouvida e incluída”, conta Márcio.

Se a mãe é ausente na família, sua função está vaga e, geralmente, acaba sendo transferida para o professor. Se o docente assume a função materna, sua atividade como professor fica vaga e o resultado são salas de aula indisciplinadas: o professor não tem o controle porque está desenvolvendo outras funções. Segundo o psicólogo, a Pedagogia Sistêmica tem alcançados resultados positivos, tanto que tem sido mundialmente considerada a solução para a Educação. “Os benefícios são imensos para o aluno, que é visto realmente como estudante, que entende o que está fazendo, compreende que, na hierarquia, é menor que o professor. Quando as funções estão corretas, tudo fica saudável. O problema não é a educação, mas a forma de educar”, esclarece o pedagogo.

Precursor mundial da Constelação Familiar Sistêmica no âmbito judicial, o juiz Sami Storch, da 2ª Vara Cível da Comarca de Valença, na Bahia, atua com Direito Sistêmico e desperta outras comunidades para a possibilidade. A técnica também tem sido utilizada para combater a violência doméstica em Ribeirão Preto. A Constelação Familiar Sistêmica chegou ao Judiciário ribeirãopretano através do promotor de justiça, Élcio Neto, que atua com violência doméstica. Depois de realizar o curso com a consteladora Ana Lúcia Braga, desenvolveu com ela um projeto que foi encaminhado a juíza Carolina Moreira Gama, atual corregedora do Anexo da Violência Doméstica da Comarca de Ribeirão Preto.

A partir dessa experiência, a intenção é a de criação de uma ONG e incremento de seus projetos, inclusive o intitulado “Constelação Sistêmica da Violência Doméstica da Comarca de Ribeirão Preto”, sob aprovação futura do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Atualmente, mais de cinco mil processos tramitam no Anexo, sendo que de 2016 para cá foi registrado um aumento de 51% nos casos de violência doméstica contra a mulher. São aproximadamente 20 boletins de ocorrência por dia; 100 medidas protetivas ao mês e, somente em 2017, 1.100 inquéritos instaurados. Hoje, são atendidas vítimas e os agressores, em sessões alternadas, utilizando a técnica da Constelação Familiar Sistêmica.

Para Marta, a sociedade colherá bons frutos com a formação de um grupo para agressoresAs mulheres foram triadas no Fórum e encaminhadas para o grupo: são cerca de 20 mulheres por mês, segundo Marta Aparecida Teixeira de Souza Melo, assistente social do Anexo da Violência Doméstica. Os agressores também são atendidos separadamente. Os grupos funcionam às quartas-feiras, das 14h às 18h.

O Judiciário está estudando junto a ONG “De Mãos Estendidas” atender especificamente os ofensores. “Creio que Ribeirão Preto é pioneiro no interior do Estado na utilização da Constelação Sistêmica na Justiça. A técnica já está sendo utilizada em 14 estados. O Tribunal está, inclusive, capacitando funcionários e juízes. Estamos vendo um grande resultado, e acredito muito nesse trabalho”, opina a assistente social do Anexo.

Conforme Marta, o atendimento às mulheres já mostrou um avanço. “Se pudermos atender os ofensores, poderemos abranger outro problema que tem surgido. Hoje, não é apenas o companheiro que é agressor. Devido ao uso de drogas, as mulheres têm sido agredidas dentro de suas casas, pelos próprios filhos. Temos um número enorme de dependentes químicos e acredito que esse tipo de problema também pode ser trabalhado na Constelação Familiar Sistêmica”, salienta Marta.

A presidente da ONG “De mãos estendias”, Márcia Fernandes Pieri, deixou a carreira de advogada para atuar como voluntária Márcia já acolhe com sua ONG as vítimas da violênciana favela do Monte Alegre, com crianças e adolescentes. Naquela comunidade percebeu os altos índices de violência. “Atendíamos a população do cárcere feminino e tínhamos o desejo de ter um trabalho paralelo com essa população, que enxergava em nós a possibilidade de reinserção social, readaptação, reabilitação e de ajuda, inclusive financeira”, conta Márcia. Porém, a maioria das egressas não era de Ribeirão Preto e acabava retornando às cidades de origem.

Surgiram, então, as demandas do município. A ONG disponibilizou sete psicólogos para o atendimento dessas mulheres. O programa compreende 12 sessões por mulher, que podem ser renovadas, dependendo do caso. Se ao término das sessões for constatada a necessidade de atendimento psiquiátrico ou terapêutico, a mulher é encaminhada.

O possível atendimento da nova demanda dos autores da violência doméstica, será realizado na nova sede da ONG, que se localiza no Parque dos Bandeirantes. Para Márcia, a possibilidade dessa parceria com o Poder Judiciário é necessária para poder, após os atendimentos, dar um retorno à Justiça, no sentido, inclusive de tabular os números. “Estamos redigindo um projeto que será apresentado no Conselho Municipal de Assistência Social. Também temos a intenção de levar até o tribunal Esse projeto tem tudo para dar certo. O fomento da justiça e a promoção humana é o nosso foco”, comenta Márcia.

Uma sociedade mais saudável

O atendimento dessa demanda masculina será realizado pelo coach de relacionamento, constelador sistêmico familiar e organizacional Gutemberg Fernandes. Em 2013, Gutemberg começou a desenvolver um projeto de cura da alma través da Constelação. Como atuou com segurança privada por 15 anos, se tornou especialista na área e viu a violência de perto.

Em 2015, participou de um treinamento internacional com Bert Hellinger e Sofia Hellinger, em São Paulo. Inspirado pelo juiz Sami Storch, visa usar a técnica em Ribeirão Preto na Justiça. “O Poder Judiciário, a partir dos meios legais consegue, até certo ponto, trazer uma resolução nesse conflito e mediação entre os seus pares. Muitas das mulheres agredidas pedem que sejam anuladas as medidas cautelares, voltam para os seus parceiros ou buscam, após o término da relação, outro parceiro que repete um padrão sistema familiar. A lei rege o sistema judiciário e social, porem nós temos leis que regem a nossa alma, que é mais profunda, aí está a causa dos conflitos da desordem de amor. Juntos conseguimos um melhor resultado no judiciário e na sociedade”, explica Gutemberg.

Gutemberg espera contribuir para a construção de um meio social mais saudávelSegundo o Coach, o fundamento do equilíbrio é a base nas relações homem/mulher. Tanto a mulher, quanto o homem trazem internalizados diferentes sistemas familiares e precisam pensar no modelo que pretendem adotar para a família que estão construindo, este já é o primeiro conflito. Precisam, então, desenvolver uma forma mais saudável de relacionamento por amor à sua família.

Muitas vezes, a mulher que é vítima busca o agressor como parceiro para ser fiel ao seu sistema familiar de origem (pai e mãe) por amor, ou seja, porque uma antepassada também foi vítima da violência . O homem, por sua vez, também é vítima de um sistema familiar doentio, onde aprendeu a ser agressor, a ser maior que o feminino. “As relações homem e mulher são iguais e diferentes ao mesmo tempo, ambos precisam ter o mesmo tamanho, é preciso compreender que nos concluímos um no outro. Quando essa força é harmônica e saudável há fluxo de potência de vida. A constelação pode ajudar a Justiça a desafogar os processos que ficam parados, porque essa resolução também está na alma, e colaborar para que seja dado um salto mais profundo dentro do ser humano para que ele possa compreender o que flui dentro dele, porque flui e colocar ordem no sistema familiar através do amor”, explica o coach.

Gutemberg pretende acolher os agressores através da constelação e dar um destino melhor a essa herança patriarcal, que faz com que o homem, diante do empoderamento feminino, sinta-se ameaçado, e se estabeleça uma situação de duelo, onde ambos tenham as funções naturais distorcidas, e o relacionamento seja fadado ao fracasso.

Com a Constelação, é possível trazer à luz o que está oculto nas relações, colocar ordem e restaurar o sistema familiar e social. “A proposta da constelação é acolher as historias de forma honrosa na alma, e oferecer um melhor destino a essas relações”, conclui o coach.



Texto: Carla Mimessi
Fotos: Júlio Sian

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