Nova chance

Nova chance

Nos 16 anos de atividades do Grupo de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas, 377 vidas foram salvas; o setor pretende reduzir as filas de espera, ampliando a captação do órgão

Primeiro transplante de fígado foi realizado na madrugada do dia 02 de maio de 2001Intensificar as campanhas de esclarecimento sobre doação de órgãos para aumentar efetivamente o número de transplantes realizados na instituição é o principal objetivo da equipe do Serviço de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP). Ao completar 16 anos desde o primeiro transplante de fígado — realizado no dia 2 de maio de 2001 —, o setor comemora a condução de 40 transplantes do órgão por mês, em média, e já contabiliza 377 vidas salvas. 

Sob a coordenação do hepatologista e cirurgião, Orlando de Castro e Silva Junior, o programa de transplante de fígado (TxF) foi inaugurado em agosto de 2000, após aproximadamente dez anos de preparo institucional e humano, com formação da equipe médica e de apoio. “O poeta espanhol Antonio Machado dizia que ‘para o caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar’. Assim conduzimos nosso departamento e fomos vencendo cada dificuldade”, observa Orlando. 

Considerado o segundo maior centro de transplantes do interior do Estado de São Paulo, a unidade fez apenas quatro procedimentos no primeiro ano. Naquele momento, as filas de espera para um transplante eram organizadas cronologicamente e, portanto, os pacientes eram operados obedecendo a ordem de chegada e não a gravidade, como acontece hoje. O médico lembra que, na época, o grupo do HC ainda não era considerado referência para doenças hepáticas. Essa conquista veio com o passar dos anos. 

Classificado como um procedimento de alta complexidade, o transplante de fígado absorve tecnologia para a Instituição e a transfere para outras áreas do hospital, numa atualização contínua em ciência e tecnologia referente Professora Ana Martinelli, médica clínica, os acadêmicos Felipe Barizza e Catarina Graf, integrantes da Liga Acadêmica de Cirurgia e Transplante, o médico residente  Felipe Sprotte, os cirurgiões, Enio David Mente, atual coordenador operacional do Grupo de transplante e Orlandoàs doenças hepáticas em sentido amplo, ou seja, das que necessitam ou não de transplante do órgão. Desde 2006, os critérios para o procedimento mudaram, passando a ser levado em conta, em primeiro lugar, a gravidade da doença hepática. “A incorporação de novas técnicas, sobretudo as operatórias, a aquisição de expertise da equipe e o aumento da demanda fizeram com que, gradualmente, o número de transplantes fosse crescendo”, avalia Orlando.

Entretanto, esse volume é limitado pelo baixo número de doadores. “Este ainda é um tema problemático, que afeta todas as equipes do Brasil”, salienta o coordenador do trabalho. Atualmente, o HC da FMRP-USP é um centro de referência nacional para tratamento de tumores hepáticos, hepatites virais e todas as doenças hepáticas que têm no transplante a única opção terapêutica curativa. “Esta é a importância do grupo de transplante de fígado para Ribeirão Preto, para a região e, extensivamente, para o país”, aponta o hepatologista.
 
Tratamento curativo

O transplante de fígado é a opção mais efetiva para o tratamento de doenças hepáticas crônicas em estágio avançado ou com complicações. Em casos de câncer de fígado e hepatites agudas de curso muito grave, a cirurgia é a única  possibilidade para salvar a vida do paciente. As principais causas de doenças hepáticas crônicas são hepatites virais (hepatites B e C), ingestão abusiva de álcool e, mais recentemente associadas, doenças metabólicas, como diabetes e obesidade. “Entre as causas de lesão hepática aguda grave destacam-se as hepatites virais (Hepatites A, B e C) e o consumo abusivo de medicamentos, fitoterápicos, chás, ervas e suplementos”, destaca a professora e médica Ana Martinelli.

De acordo com Orlando, o número de pacientes com doenças hepáticas crônicas vem crescendo A Unidade de Transplante de Fígado conta com dez leitosexponencialmente, nos últimos anos, em todo o mundo, inclusive no Brasil. Isso se deve, principalmente, ao grande número de pessoas com hepatites virais que desconhecem o diagnóstico da infecção, uma vez que a maioria dos casos tem curso assintomático nas fases iniciais, com manifestação de sintomas apenas nas fases avançadas na doença. Para atender à demanda, foi preciso aumentar o número de ambulatórios que, hoje, prestam atendimento todos os dias da semana.

 Em 2016, foram atendidos 13.222 pacientes, entre os ambulatórios de doenças hepáticas crônicas e secundárias, hepatites virais, álcool, doenças metabólicas e autoimunes, carcinoma hepatocelular e pré-transplante de fígado. No ano passado, chegaram ao HC 7.200 pacientes com hepatites virais, contra 2.100 casos atendidos em 2006. Em 10 anos, os casos de câncer de fígado saltaram de 75, em 2006, para 960, em 2016.

 A unidade de transplante de fígado conta com uma enfermaria com dez leitos, além de ambulatório para atendimento de pacientes em fila de espera e ambulatório especial para os cirróticos com tumores do fígado também aguardando por um transplante, com necessidade de supervisão. A equipe multidisciplinar, que também acompanha o pós-operatório de perto, é composta por cirurgiões, clínicos, anestesistas, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, enfermeiros, entre outros profissionais. 

Pioneirismo

Empenhado em reduzir as filas dos transplantes, o médico Orlando de Castro e Silva Junior organizou o programa de Ressecções Hepáticas para tratamento de tumores do fígado. A primeira hepatectomia regrada realizada no Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto aconteceu em novembro de 1992. O hepatologista e cirurgião também foi o responsável pela criação e pela implantação do Programa de Transplante Clínico de Fígado no Hospital, do qual é o coordenador desde a instalação. Com sua equipe, realizou o primeiro transplante clínico de fígado na cidade. Entre outras funções já exercidas, o especialista é professor titular da Divisão de Cirurgia Digestiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo.

Maior conscientização

O baixo número de doadores de órgãos é o principal entrave do programa de transplante de fígado no Brasil, enfrentado também no HC. No país, apenas 14 doadores por milhão de população (PMP) se efetivam, quando há cerca de 50 doadores potenciais (PMP). Essa diferença se deve pela negativa da família em doar os órgãos. “Campanhas de conscientização da população quanto à doação se fazem necessárias. Na Faculdade de Medicina, temos a Liga Acadêmica de Cirurgia e Transplante, em que os alunos ministram palestras nas escolas de Ensino Médio e curso preparatório para vestibulares da cidade”, reforça Orlando.

Infelizmente, a equipe do HC, único da cidade e da região que mantém um programa com rotina para cirurgias e transplantes de fígado. O médico destaca que, nos últimos sete anos, o número de famílias de pacientes com morte cerebral que efetivam a doação de órgãos se manteve praticamente inalterado. “É importante salientar que apenas 11% dos doadores tinham idade igual ou superior a 65 anos, indicando que ainda há uma grande fatia de potenciais doadores nesse grupo etário”, lamenta o médico. Para mudar este quadro, Orlando pretende intensificar as campanhas que visam ao esclarecimento da população sobre doação de órgãos, também projetando ampliar o número de leitos nos próximos anos.

Orlando lidera equipe composta por quase 60 profissionais de várias áreas

Longa espera

Aos 34 anos, Moara Pereira da Silva é uma das pacientes que engrossa a fila à espera pelo transplante de fígado. Diagnosticada com cirrose hepática em 2011, ela vive momentos de ansiedade diária desde o ano passado, “Se houvesse maior conscientização das famílias as filas seriam menores”, estimam Moara e Diegoesperando que o telefone toque a qualquer momento convocando-a para a cirurgia. Do aparecimento das primeiras manchas roxas pelo corpo até a descoberta da doença, percorreu um longo caminho, passando por diversos consultórios médicos e laboratórios. “No início, a suspeita foi de leucemia. Quanto mais o tempo passava, mais a situação se agravava, chegando ao ponto do endurecimento do fígado e constantes inchaços na barriga”, explica Moara, que tem forte apoio no marido, Diego.

O surgimento de um tumor no fígado deixou o tratamento ainda mais delicado, eliminando as chances de cura sem o transplante. Depois de uma sessão de quimioterapia, o tumor regrediu, mas, enquanto aguarda a cirurgia, Moara toma oito medicamentos diários, além de fazer sessões periódicas de paracentese, que retira o líquido da barriga por meio de punção. “Não vejo a hora de chegar a minha vez. Espero que as pessoas se conscientizem e se sensibilizem para efetivar as doações de órgãos, que, além de mim, ajudariam milhares de pessoas que aguardam uma nova chance para viver melhor e com saúde”, enfatiza Moara.

Vida nova

Dionisia Rodrigues teve essa oportunidade aos 61 anos. Uma das primeiras transplantadas da Unidade do HC, hoje, “A doação põe fim à espera e ao sofrimento dos pacientes”, afirma Dionisia aos 78 anos, leva uma vida normal ao lado da família, e, em especial, da neta Vitória Maura e do bisneto Benjamin. Diagnosticada com cirrose hepática, Dionisia ficou em tratamento por dois anos à espera de um novo órgão. Além de mais de dez medicamentos diários, a cada 15 dias, passava pelo procedimento de retirada de líquido do abdômen. “Foram momentos muito difíceis, mas agora estou muito bem”, comemora Dionisia. Defensora e incentivadora da doação de órgãos, só lamenta que o marido, Aroldo, não teve a mesma sorte. Como seu estado era gravíssimo, foi vencido pela mesma doença e faleceu há um ano.

Números interessantes

30 a 50 - É o número de pacientes que estão na fila de espera pelo transplante.
20% a 25% - É o percentual estimado de pessoas que morrem esperando por um fígado.
70 - Pessoas já estão realizando exames para entrar na lista de espera.

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