O que não mata, engorda

O que não mata, engorda

Mais saborosos, vistosos e saudáveis, os alimentos orgânicos — cultivados sem agrotóxicos — estão conquistando a saúde e o paladar dos ribeirãopretanos

Violeta explica que o processo de cultivo dos orgânicos deve obedecer aos princípios de respeito ao uso responsável do meio ambienteSe, em um passado nem tão distante assim, plantar o próprio alimento era uma questão de sobrevivência, na atualidade, ter essa possibilidade é um privilégio, e uma escolha, de poucos. Se, ainda lá atrás, o clima e a geografia eram essenciais para determinar os ingredientes que fariam parte das refeições, hoje, as inovações agrícolas permitem cultivar qualquer alimento durante (quase) o ano inteiro e em (quase) qualquer lugar. Além das técnicas e das tecnologias, muitas vezes, essa possibilidade depende da utilização de recursos artificiais, nem sempre saudáveis. 

Se, por um lado, tais itens permitiram ampliar a produção de alimentos pelo mundo, por outro, colaboraram para que as pessoas se esquecessem um pouco de todo o processo necessário para que o alimento chegue à mesa. Afinal, uma visita rápida ao supermercado é suficiente para levar para casa tudo aquilo que é necessário para alimentar a família toda. 

Especialistas apontam que um novo modelo de alimentação começou a se consolidar no final dos anos 1990, quando o poder aquisitivo de uma parcela da população aumentou e novos hábitos surgiram, entre eles, o de comer fora de casa. De lá para cá, aumentou a oferta de restaurantes e outros endereços gastronômicos capazes de atender aos mais variados perfis de pessoas, de rodízios a fast-foods, em uma lista que continua em constante transformação. 

De fato, diante de uma rotina cada vez mais caracterizada pela pressa, ter os alimentos sempre ao alcance das mãos parece vantajoso e, por isso, a responsabilidade pelo preparo das refeições acaba terceirizado. Dessa forma, o hábito de cultivar os alimentos e cozinhar fica distante do dia a dia, mais parecendo uma boa lembrança do tempo dos avós. 

Caminhando na contramão da industrialização dos alimentos estão os produtores orgânicos, que não só se dedicam ao cultivo de alimentos, como fazem isso sem a utilização de agrotóxicos e outros recursos artificiais. Este é o caso, por exemplo, de Violeta Stoltenborg e Paulo Pereira, do Sítio A Boa Terra e do Villa Matthes Recanto Ecológico, respectivamente. Do mesmo lado do balcão estão empresários como Egberto Luiz da Silva, que comanda o Armazém Orgânico, especializado em produtos dessa linha. A nutricionista Milene Ferronato, que avalia os benefícios desses ingredientes para a saúde, e Thiara Costa Oliveira, que faz questão de incluir os orgânicos na sua alimentação, completam o quadro que exemplifica uma mudança de comportamento à mesa. 

Feito em casa

No crescente nível de atenção dos brasileiros para aquilo que consomem, principalmente, na hora das refeições, os alimentos orgânicos encontram um campo fértil e, por isso, estão em plena expansão. Este é o negócio da família de Violeta Stoltenborg desde 1981, quando o Sítio A Boa Terra foi fundado pelo casal holandês Joop e Tini. Os dois tinham o sonho de implementar um tipo de agricultura mais justa, em equilíbrio com a natureza, com o homem que produz e que se alimenta da terra. 

Ensinar as crianças sobre os cuidados com o meio ambiente e os benefícios dos orgânicos é uma das atividades que acontecerá em breve na Villa MattheAinda criança, a produtora orgânica aprendeu com os pais que a agricultura tradicional, muitas vezes, degrada o meio ambiente. Com o intuito de fazer sua parte, Violeta dá continuidade ao projeto, que tem mais de 35 anos. “Quando criança, era constantemente questionada sobre o que é o alimento orgânico e se as pessoas, de fato, colocavam veneno nas verduras. Hoje, ninguém mais tem dúvida de que os agrotóxicos causam danos à saúde e de que há muita poluição e destruição da natureza envolvidas na produção de alimentos em larga escala”, comenta. 

No Sítio A Boa Terra, são colhidos mais de 200 tipos de verduras, legumes e frutas no decorrer do ano. Entre eles, estão milho, quiabo, cenoura, beterraba, morango, vários tipos de alface, inhame e rúcula, sem contar os itens de mercearia produzidos ali mesmo, essenciais para uma alimentação saudável. 

Diversas práticas sustentáveis são empregadas no Sítio: proteção do solo, compostagem, rotação de culturas, plantio de temperos lado a lado com verduras, agindo como repelente para predadores, entre outros métodos. “O dia a dia é bem dinâmico, pois o trabalho no campo possui muitas etapas: plantio, irrigação, controle do mato e colheita exigem muita dedicação. Além disso, cuidamos de perto do contato com clientes e parceiros, da seleção e da embalagem dos orgânicos”, explica Violeta.

Além de feiras orgânicas, os produtos são vendidos em cestas entregues em mais de 500 casas semanalmente. Como não há estoque, tudo é reflexo do que está disponível na horta e colhido após a confirmação do pedido. “Além de produzir, meus pais desejavam estar próximos desses consumidores, por isso, o Sítio A Boa Terra abre as portas para quem deseja conhecer nossa produção orgânica e ter mais contato com o campo”, apresenta Violeta. 

Segundo pesquisas recentes, esse tipo de agricultura está crescendo no Brasil. Em 2017, a área dedicada à produção orgânica no país deve ultrapassar os 750 mil hectares registrados no ano passado. De acordo com a Coordenação de Agroecologia (COAGRE) da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), esse tipo de cultivo no campo já é encontrado em 22,5% dos municípios brasileiros. A perspectiva só aumenta: dados da COAGRE indicam que houve um salto de 6.700 unidades, em 2009, para aproximadamente 15.700, em 2016. 

Para os produtores orgânicos, Paulo Pereira e Konrado Toscano de Campos, da Villa Matthes Recanto Ecológico — que produz e vende orgânicos com entrega em domicílio ou na sede da empresa —, esse é um processo lento, porém, contínuo. “A Villa Matthes tem apenas dois anos e já recebemos muitas pessoas em busca de uma alimentação orgânica. Acompanhar esse crescimento nos deixa otimistas e cheios de boas expectativas, pois vemos que cada vez mais pessoas estão despertando para o fato de que uma boa alimentação é essencial para uma vida com mais saúde”, analisam. 

Com a ajuda de produtores orgânicos e agroecologistas, a Villa Matthes possui uma área destinada ao plantio de hortaliças e frutas dentro de Ribeirão Preto, facilitando o acesso de quem deseja adotar os alimentos orgânicos e, consequentemente, barateando o custo dos produtos. “O consumidor tem à disposição o produto fresquinho, retirado diretamente da horta”, comenta Paulo. 

Os produtores explicam que, para serem considerados orgânicos, não basta que os produtos sejam obtidos sem a utilização de agrotóxicos — esse é apenas um dos aspectos envolvidos na produção. O cultivo deve obedecer aos princípios de respeito ao uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais. Por isso, também não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis, entre outros itens; não são permitidos, ainda, hormônios, drogas veterinárias, antibióticos e radiação ionizante. “A principal diferença entre a agricultura orgânica e a convencional é que a primeira vê o solo como o centro de todo o processo produtivo, valorizando-o como recurso chave. Por esse motivo, o manejo orgânico prioriza práticas que proporcionam a manutenção e a melhoria da qualidade do solo”, ensina Paulo. 

Do quintal para a gôndola

Segundo Egberto, ainda é necessário propagar e orientar sobre os benefícios desse consumoEntre os responsáveis pela expansão do mercado de orgânicos, os empresários que investem na criação de espaços dedicados a esse tipo de alimento merecem destaque. Trabalhando no setor há 15 anos, Egberto Luiz da Silva, gestor do Armazém Orgânico, é um desses empreendedores. Segundo ele, a mídia também é uma das responsáveis pela popularização dos orgânicos, já que tem divulgado os benefícios desses alimentos. Nas gôndolas feitas de caixote de feira, os clientes do Armazém Orgânico encontram desde verduras, legumes e frutas, além de inúmeros itens de mercearia, como arroz, feijão, óleo, conservas, temperos, leite, sucos, doces, iogurtes e queijos. Também é possível encontrar vários produtos orgânicos artesanais fabricados pelo empresário, como pães integrais, bolos, biscoitos, granola, sorvete, patês, entre outros. “Nos últimos anos, a mídia começou a falar mais sobre os orgânicos, o que acabou ajudando as pessoas a conhecerem melhor o produto e a consumi-lo. Todavia, ainda é necessário propagar e orientar sobre os benefícios desse consumo. Temos muito a crescer”, garante Egberto.

Para o empresário, o alimento orgânico não é uma evolução e, sim, um resgate às tradições. “No tempo dos nossos avós plantava-se com adubos naturais, usavam-se chás de plantas, como defensivos, e respeitava os ciclos e as estações do ano. Essa relação íntima com a natureza resultava em uma vida mais saudável e feliz”, lembra. 

Você é o que você come

A nutricionista Milene Ferronato salienta que o consumo de orgânicos está relacionado à crescente preocupação da população com a alimentação saudável e com a busca por mais qualidade de vida. “Este alimento está ganhando a preferência das pessoas por causa dos benefícios que trazem à saúde e também por ajudarem a cuidar do meio ambiente, além, claro, de sua qualidade sensorial e nutricional”, declara a nutricionista.

Para a nutricionista, o sabor e a durabilidade dos alimentos são algumas das opções que fazem o consumidor optar pelos orgânicosOutro fator importante que leva o consumidor a optar por tais produtos é sua durabilidade. Estudos mostram que os produtos orgânicos têm grande resistência quando armazenados. “No entanto, a maior vantagem dos orgânicos é sua riqueza em nutrientes, graças ao modo de produção que obedece. O nome, orgânico, justifica-se na ideia de que ele interage e é melhor absorvido pelo nosso organismo”, explica Milene.

De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), os agrotóxicos encontrados nos alimentos inorgânicos podem causar a deterioração dos recursos naturais (solo, água e flora), além de provocarem, muitas vezes, intoxicação alimentar, quando determinadas substâncias são utilizadas em excesso durante o processo produtivo. De acordo com a nutricionista, o risco para a saúde depende da dosagem de agrotóxicos e, embora haja uma legislação que determina os níveis de segurança desses elementos nas lavouras, não há controle e fiscalização adequados. “É muito difícil traçar estudos epidemiológicos para avaliar características de intoxicação subclínica. Os sintomas podem ser diversos, como fadiga, dor de cabeça, dores musculares, alergia e distúrbios digestivos”, pontua Milene.

Os efeitos do uso de agrotóxicos são refletidos na qualidade dos alimentos consumidos nas grandes cidades. A ANVISA chama a atenção, também, para os efeitos crônicos causados pelo contato com essas substâncias. “Problemas de saúde podem ocorrer por meses, anos ou até décadas após a exposição, manifestando-se em várias doenças, como cânceres, malformações congênitas, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”, declara a nutricionista.

Milene ressalta que, atualmente, há muitas pessoas preocupadas, e com razão, com a agrotoxicidade, mas que continuam ingerindo uma alta carga de substâncias químicas embutidas em produtos industrializados que conferem cor, sabor, textura e conservam os alimentos. “A verdade é que não é possível livrar-se totalmente dos agrotóxicos. Vale lembrar que vitaminas, minerais e compostos bioativos podem participar de reações de eliminação de toxinas através do fígado e do intestino. Alguns trabalhos mostram teor de compostos fenólicos — que conferem proteção ao organismo — aumentado nos produtos orgânicos”, salienta.

A nutricionista acredita que o consumo desses alimentos é uma opção de vida. Todavia, pode-se partir da variedade da alimentação optando, em sua maioria, pelos orgânicos. “A melhor receita é o equilíbrio, mantendo opções saudáveis à mão, mesmo que não sejam cultivadas de forma 100% sustentável”, recomenda Milene.

Comida de época

“Ensinar a Catarina sobre o sabor e o valor dos alimentos irá ajudá-la a fazer boas escolhas no futuro”, comenta ThiaraPensando em resgatar o conceito da sazonalidade, objetivando reaproximar os indivíduos daquilo que comem e, de quebra, levar para a mesa alimentos de mais qualidade, Thiara Costa Oliveira integra a lista dos 93% de consumidores que julgam ser importante procurar alimentos orgânicos. O número é resultado da pesquisa feita pela Organics Brasil, que revelou ainda que 83% desses consumidores dizem consumir orgânicos com frequência ou às vezes. 

Mãe da pequena Catarina de 1 ano e 7 meses, e grávida de Antônio, Thiara lembra que adotou uma alimentação mais saudável por causa da primeira gestação, já pensando na relação que a filha teria com a alimentação. “Depois de ler bastante sobre o tema, conheci os malefícios dos agrotóxicos e, assim, passei a incluir os alimentos orgânicos no meu cardápio, Eles são ricos em nutrientes, mais saborosos e ainda ajudam a garantir mais qualidade de vida, quando pensamos no longo prazo”, reforça a dona de casa.

Como Thiara, muitos consumidores vão na contramão das transformações alimentares dos tempos atuais, que prioriza a praticidade, por meio de produtos prontos ou industrializados. “Meu objetivo é, justamente, ensinar para os meus filhos que a alimentação é mais do que satisfazer uma necessidade do organismo. Alimentar-se bem também significa prevenir doenças e investir na saúde”, finaliza Thiara. 

Orgânicos x hidropônicos

Linda e Paulo de SouzaA variedade de denominações encontrada para os produtos alimentícios deixa, muitas vezes, o consumidor cheio de dúvidas. Essa confusão acontece, por exemplo, em relação aos alimentos hidropônicos, produzidos na ausência de solo, geralmente em estufas. É assim na Villa Verde Horta Hidropônica que, há dois anos, oferece diversidade de verduras aos moradores de Ribeirão Preto. “Nossa missão é oferecer produtos com qualidade singular, sempre com foco na responsabilidade social e ambiental, contribuindo de forma justa para gerar valores aos nossos clientes, fornecedores e colaboradores”, apresentam os agricultores Paulo e Linda de Souza.

 Em estufas transparentes, que permitem a passagem de luz, as verduras são mergulhadas em uma solução nutritiva com água. Segundo Paulo, esse tipo de produção utiliza 10 vezes menos terra, cinco vezes menos água e fica menos tempo na terra. “Os alimentos cultivados em água são embalados imediatamente após a colheita. Isso evita o manuseio do produto até chegar ao consumidor. Além disso, os hidropônicos costumam ser mais bonitos e resistentes e, como são vendidos com a raiz, perdem menos água e duram até cinco dias na geladeira”, garante.

Vantagens dos orgânicos

Sem agrotóxicos
Sem transgênicos
Sustentável e sazonal
Respeitam o meio ambiente
Respeitam o produtor

Em números

95% da produção vêm de pequenos e médios produtores
32% dos consumidores compram por saúde
11 mil certificados, 25% mais do que em 2015

São 413 feiras orgânicas no Brasil, em 130 cidades

O Brasil é o 5º país do mundo em área cultivada

Comece por aqui:
Morango
Beterraba
Pepino
Batata
Alface

E o preco?

É mais barato comprar direto do produtor e em feiras orgânicas.
Quanto menos intermediários, mais frescos e mais baratos.
Fique do olho no selo de certificação.

Texto: Pâmela Silva
Fotos: Julio Sian
Fontes: APAS, Idec, Censo, Organics

 

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