Rotina a duas rodas

Rotina a duas rodas

Dia do Ciclista, comemorado em 19 de agosto, celebra a prática esportiva que cresceu durante a pandemia de Covid-19

Texto: Gabriela Maulim e Rodrigo Trindade  Fotos: Luan Porto

Bike, bicicleta, magrela. Pelas ruas do Brasil, são 70 milhões delas, de acordo com levantamento da Folha de S. Paulo. E, influenciada pelo boom no ciclismo e pela prática esportiva ao ar livre, a cadeia de produção desses veículos cresceu: segundo levantamento do Itaú Unibanco, o aumento foi de 54,4% no faturamento. Tudo isso em um país que já produz, anualmente, 2,5 milhões de unidades.

O Dia do Ciclista, comemorado em 19 de agosto, joga luz às bikes e a quem opta pelas duas rodas — seja como rotina ou lazer.

Letícia Roque começou sua experiência com a bicicleta quando criança. Com o passar dos anos e as responsabilidades da vida adulta, contudo, o hábito se perdeu e foi retomado apenas durante a pandemia, como uma solução para desafogar os tempos sombrios. “Sempre fui ansiosa e com a pandemia a ansiedade piorou. Procurei ajuda médica e passei a fazer uso de ansiolíticos. Foi quando surgiu a ideia de comprar uma bike para pedalar distâncias curtas na cidade e, às vezes, no campo”, afirma. “A cada dia de pedal eu me identificava mais e acabei me apaixonando. Os ansiolíticos foram suspensos pela médica, porque melhorei muito da ansiedade. Costumo dizer que a bike me curou”, completa.

Já para Renato Rodrigues Pereira, que pedala desde os sete anos, a paixão pelo esporte virou negócio. “No começo, eu utilizava a bicicleta como lazer e, logo em seguida, passei a usar como meio de transporte. Atualmente, eu a uso para fazer todos os meus afazeres e, também, para a melhoria do meu condicionamento físico. Então, a bicicleta, para mim, é um veículo de transporte, dentro das possibilidades, e uma forma de lazer. Também encaro a bicicleta como um veículo de socialização”, conta o proprietário de uma empresa de locação de bicicletas e mobilidade urbana em Ribeirão Preto.

Assim como Renato, Sérgio Garrido também se apaixonou pela bicicleta quando ainda criança. O ciclista se recorda com carinho das histórias que viveu com a bike quando ainda era um menino. “É fascinante, a gente tinha na cabeça aquela vontade de ter uma bicicleta. As ruas eram cheias de meninos e meninas com bikes das mais diferentes marcas que formavam grupos. A primeira vez que você vai mais longe de casa com a bicicleta, é emocionante. Teve uma vez que eu e mais quatros meninos fomos a Cravinhos de bike. Quando voltei, apanhei muito, pois imagina crianças irem de uma cidade a outra sozinhos e de bicicleta”, recorda o ciclista.Letícia Roque e Sérgio Garrido

Além de usar a bicicleta como lazer, Sérgio, que pratica cicloaventura, também pedala em seu dia a dia. “Há algumas questões que são importantes quando o assunto é bicicleta, como sair bem antes de casa, alguns imprevistos que podem ocorrer, como furar um pneu, mas é uma delícia você poder ir trabalhar e sentir o vento no rosto durante o percurso. Ainda mais quando estamos naqueles dias mais estressantes: aí cortamos caminhos por algumas praças para relaxar. Agora, estamos em home office por causa da pandemia, mas quando preciso ir ao banco, supermercado ou algum outro lugar, sempre dou preferência para a bike”, conta Sérgio.

Meio de transporte

Após perder muitas vezes o ônibus que o levava para a faculdade, Marcus Vinicius Bellizzi resolveu buscar um meio de transporte que oferecesse mais autonomia. Foi aí que a bicicleta surgiu em sua vida: como uma necessidade de locomoção. Depois, a magrela se transformou em parte integrante de sua história, unindo o prazer do exercício à utilidade de se locomover em meios urbanos. “No momento, costumo utilizar a bike mais nas tarefas cotidianas e nos deslocamentos diários, mas já me aventurei em trilhas e até cheguei a realizar algumas cicloviagens”, comenta Marcus. 

Para o ciclista, um dos desafios ainda é a falta de compreensão dos motoristas de que a bicicleta é um meio de transporte e não apenas um instrumento de lazer. “Vivemos em uma cidade em que faltam políticas públicas de incentivo a transportes ativos, como faixas de pedestre, ciclovias, semáforos para pedestres, locais seguros para estacionar bicicletas, integração de modais, etc. Todo esse projeto de cidade é muito hostil a qualquer pessoa que se aventure a deixar o carro na garagem. Basta uma simples caminhada em uma avenida para perceber que as velocidades estão bem acima do que entendemos por seguro, especialmente quando tentamos atravessar de um lado a outro. Uma simples diminuição da velocidade das vias seria o primeiro passo para uma melhor convivência entre motoristas, pedestres e ciclistas”, comenta.

Marcus Vinicius utiliza a bike como meio de transporte

Bem-estar

Desde 1995, Adalberto Luque já tinha como hábito andar de bicicleta. Após ser diagnosticado com artrose, em 2018, não conseguia mais praticar atividades físicas sem sentir dor, o que o levou a começar a pedalar como uma maneira de melhorar a saúde e não piorar sua lesão. “Estava acima do peso e era cansativo, mas não desisti e fui aprimorando. As primeiras subidas eram apavorantes. Duas delas me marcaram, pois não consegui terminar: tive que descer para empurrar a bike até o topo”, afirma.

Hoje, Adalberto pedala com um grupo de oito amigos todos os finais de semana, marcando, em média, entre 30km e 50km por pedalada, sempre superando os desafios que encontra no caminho. “Não só aquelas duas subidas foram superadas — hoje com facilidade —, como um dos maiores desafios, a subida do Castelinho, na estrada velha de Cravinhos, já superei algumas vezes. Hoje não me imagino sem pedal”, destaca.

A exemplo de Adalberto, Gustavo Maritan também tem uma relação antiga com a bike, quando andava com seu pai enquanto era criança. Adulto, ele retornou com o hábito de pedalar como uma forma de distração, saindo com amigos durante a noite para conversar sobre a vida enquanto pedalava. Com o tempo, a distração passou a fazer parte de sua vida, pedalando 40km toda semana. “Quando comecei a pedalar, no começo, era mais para conversar. Depois, eu me sentia mal quando não ia. Fui pegando gosto e hoje eu preciso disso para o meu dia ficar bom”, conclui.

Adalberto Luque encontrou no ciclismo uma maneira de se manter saudável

Além da data

Como forma de conscientizar a população para um trânsito mais seguro e pacífico aos adeptos da bike, em 22 de novembro de 2017, foi estabelecido no país o Dia Nacional do Ciclista. A Lei 13.508 oficializou a data, motivada pela morte do biólogo Pedro Davison, aos 25 anos, no dia 19 de agosto de 2006, em Brasília. Pedro pedalava no Eixo Sul, quando foi atropelado por Leonardo Luiz da Costa. Ele dirigia embriagado, acima da velocidade permitida e com a CNH vencida.

O Mobicicleta Coletivo de Ciclomobilidade de Ribeirão Preto, desde 2017, luta pela ciclomobilidade em Ribeirão Preto. Luciana Freitas, uma das pessoas que está à frente do coletivo, afirma que o dia 19 de agosto é uma data importante, pois destaca o ciclista, que está presente nas cidades e nas áreas rurais, mas que não tem seus direitos respeitados. “Em relação a estruturas, falta serem adequadas. Ciclovias onde sejam necessárias, respeitar o famoso 1,5 metro de distanciamento do ciclista que muitos condutores desconhecem, e a administração pública e condutores compreenderem que se o carro não gosta de passar no buraco porque pode quebrar uma suspensão ou algum outro mecanismo do veículo, o ciclista também não gosta de passar no buraco porque pode quebrar alguma peça, furar um pneu, ou, pior, ter o risco de cair”, aponta Luciana.

"Fui pegando gosto e hoje eu preciso disso para o meu dia ficar bom", destaca Gustavo Maritan sobre as pedaladas

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