Solidão que nada!

Solidão que nada!

Para as mulheres com mais de 40 que vivem sozinhas, autoconhecimento e autoestima são fundamentais na conquista da felicidade

Em um tempo não muito distante, o padrão da mulher bem-sucedida incluía, necessariamente, uma relação amorosa sólida, de preferência aquela que se consuma com uma aliança de compromisso no dedo anelar esquerdo, que deve ter a extensão da própria vida. Porém, houve uma mudança de cenário: vieram a pílula, a liberação feminina e a conquista pelas mulheres do mercado de trabalho. Assim, as funções de companheira e de mãe, que praticamente definiam socialmente a mulher, passaram a representar uma parte do complexo mundo que compõe o universo feminino. A família: o projeto mais grandioso, segundo Helena

Um das consequências dessas conquistas foi a descoberta, ao alcançar uma idade mais madura, que, ao contrário do que se supunha, a busca da felicidade é um processo que diz muito mais a respeito de si do que do outro; e que, é possível, sim, alcançar um estado de plenitude e felicidade quando se descobre que a solidão pode ser o caminho mais próximo ao autoconhecimento e um atalho para encontrar a paz e o equilíbrio que as aproximam do próprio universo. 

A publicitária Helena Deutsch, 59 anos, já foi casada, tem no ex-marido o melhor amigo e três filhos que considera o melhor presente dessa união. Para ela, é preciso ter vocação para o casamento. “Sou totalmente realizada como mulher, mãe e profissional e isso, com certeza, gera um sentimento de felicidade e plenitude”, afirma. Para Helena, essa conquista vem com a própria maturidade e a certeza de uma vida bem vivida. “Nós, seres humanos, enfrentamos muitas batalhas na vida e eu sempre saí de cada uma delas mais forte e grata”, comenta a publicitária, destacando que tem dois irmãos e é a única filha mulher e a mais velha, e sempre fez questão de preservar o seu espaço. 

Na Ilha de Capri, sob os tradicionais limões sicilianosHelena não gosta da solidão, mas é um ser solitário. “Sou muito livre e isso implica grande dose de independência e suas consequências naturais, porque tudo tem seu preço. Não tenho medo da solidão; na vida, vamos perdendo nossos medos na medida em que temos que enfrentá-los. Nessa hora, autoconhecimento e autoestima são fundamentais. O importante é ter a consciência tranquila, perdoar os próprios erros e ter a certeza de ter tentado sempre fazer o seu melhor”, ensina. Helena, porém, tem bons amigos, cuida muito bem da saúde, exercita-se sempre e viaja muito. Além do mais, tem três filhos e três netos muito amados, portanto, nunca fica só.Em Roma, brindando a vida com amigos queridos

Conforme a publicitária, o ingrediente principal para conquistar o autoconhecimento e um crescimento verdadeiro é a coragem para buscar, arriscar-se, expor-se, acertar ou errar, ganhar ou perder, enfim, seguir o caminho com fé em si mesma. Helena não faz apologia ao divórcio, pois conhece vários casais lindos e felizes. Também não acredita que exista uma fórmula mágica para alcançar a tal felicidade, pois cada um sabe das próprias necessidades, possibilidades ou limitações. “Essa vida é um presente incrível e a melhor maneira de retribuir esse presente é tentar, cada um à sua maneira, buscar o melhor caminho para ser verdadeiramente feliz”, frisa.

Trata-se de uma busca individual: “Você pode até encontrar a felicidade estando ao lado do outro, mas não se encontra a felicidade no outro. Buscar a felicidade no outro, responsabilizá-lo por ela ou esperar que ele faça você feliz, além de não ser justo, é o caminho mais curto para o fracasso da relação”, aponta a publicitária.Na filha, uma grande companheira de aventuras
 

Sem medo da solidão
Aos quarenta e poucos anos, a secretária Maria Angélica Moscheta nunca se casou e tem uma filha que a enche de orgulho. Para ela, ninguém é sozinho por acaso, pois o homem nasce para o encontro, mas, às vezes, a opção é preferir a falta de um parceiro a um companheiro incompatível com a natureza intelectual, emocional e sentimental do outro.

“Não é fácil alcançar a plenitude na vida. Estou sempre em busca do que acho que me falta. Hoje, sentir-me realizada e feliz é desejar o meu próprio bem-estar, é identificar o que me tira o sorriso, focar nos meus objetivos e escolher passar o tempo com pessoas que agregam o bem à minha vida”, define a secretária.

O prazer de se aventurar por várias paisagens, mundo afora, preenche a vida de Maria AngélicaMaria Angélica tem buscado a evolução espiritual e, desde que se abriu para Deus e permitiu-se ser cuidada por ele, sentiu que tudo mudou.  “A vida tem outro sentido e percebo, a cada dia, a necessidade da busca por esse estado de plenitude e contínua satisfação. Amo a vida e a vida me ama; somos um casalzinho insuportável”, comenta, sorrindo, Maria Angélica. 

Para a secretária, o medo da solidão deixa de existir quando a pessoa aceita quem é, reconhece os próprios defeitos e procura melhorar. É quando a qualidade prevalece em relação à quantidade. “Não tenho medo da solidão, tenho o temor de estar acompanhada e, ao mesmo tempo, sozinha”, revela. O segredo para viver bem consigo, conforme Maria Angélica, é amar quem se é por dentro e por fora: a pessoa que se ama tem um despertar de consciência, procura crescimento, evolução espiritual e intelectual.

“Devemos nos perguntar, todos os dias,  quem e como queremos ser e, então, dar o nosso melhor para alcançar esse objetivo. Somos um complexo de emoções que pulsam, a todo o momento. Quando estamos fragilizados, o descontrole emocional pode nos prejudicar. Não existe receita para isso, mas a pessoa que não se sente bem sozinha, nunca vai saber se está com alguém por amor ou por medo da solidão, como diz o escritor Aleff Tauã”, ressalta.

 

Amor sem amarras 
Dois dos ingredientes mais difíceis de lidar em uma relação amorosa são o ciúme e a posse. Muitas uniões chegam ao fim devido à incapacidade de lidar com a linha tênue que divide o eu do outro. Em uma cultura predominantemente machista, que historicamente propicia ao homem uma vivência permissiva e confere à mulher experiências amorosas mais reservadas e contidas, essa linha fica ainda mais difícil de ser delimitada. A fisioterapeuta, que sempre teve medo da solidão, hoje desfruta com prazer dos momentos em que está só

A empresária e fisioterapeuta Janaína de Oliveira Mitre está com 42 anos, já foi casada, tem uma filha de 18 anos e vive há oito anos com um namorado. “Não estou sozinha, mas tenho uma relação de plena liberdade, posso ir e vir sem problemas. Adoro cuidar da casa, da minha filha, do meu spa e sempre estou rodeada de amigos. As mulheres, hoje, podem, perfeitamente, viver sozinhas”, ressalta Janaína, para quem os  conceitos mudaram e estão em constante transformação.

Para a fisioterapeuta, um relacionamento amoroso só tem sentido se o casal consegue, cotidianamente, conjugar verbos como entender, confiar e respeitar. “Não pode ter ciúme, inveja ou egoísmo. É preciso aprender a desapegar, a ser generoso, a se desvencilhar das amarras sociais, não se importar com os julgamentos alheios”, ressalta a empresária, para quem o exercício da franqueza, da fidelidade e da verdade é que tornam a possibilidade das relações efetivamente concretas. 

Hoje, realizada na vida pessoal e no trabalho, a empresária afirma que sua felicidade está nas pequenas coisas e que a simplicidade é seu maior tesouro. Sua vida sofreu infinitas metamorfoses e a fisioterapeuta ressalta que só alcançou a plenitude quando percebeu que todo o sofrimento resultou em crescimento. “Hoje, não falo ‘eu sofri’ e sim ‘eu cresci’. A vaidade dos 25 anos se transformou em amor próprio aos 40. A beleza interna é o maior segredo do sucesso pessoal e profissional. Ser uma pessoa bonita, para mim, resume-se em felicidade e crescimento espiritual”, comenta Janaína.

Os amigos Eduardo, Beta e Patrícia brindam a vida com Janaína Quando jovem, a empresária nunca conseguiu se imaginar sozinha e sempre teve medo da solidão. Hoje, desfruta com prazer dos momentos em que está só e tem uma boa relação consigo mesma. Descobriu que havia perdido o medo da solidão no ano passado, quando passou por um momento bem difícil e teve que ficar sozinha, mas, em vez de se acuar, optou por amadurecer e se desapegar de algumas situações. 

A receita de Janaína para viver bem consigo mesma é bem simples: confiar em si própria, amar-se, ter autoestima, cuidar do espírito, da saúde e trabalhar. Para aquelas mulheres que ainda acham que precisam de um parceiro para ser feliz, Janaína tem um recado: “Melhor sozinha do que mal acompanhada. Tente fazer o desapego de relações que escravizam ou que não acrescentam nada. A vida é curta. Viva sozinha é se ame. Curta sua vida e seus amigos de maneira saudável. Faça atividades físicas e trabalhe. Cuide de sua casa e faça trabalhos voluntários. Busque o prazer na solidão de uma boa música, um bom livro e uma taça de vinho. Cozinhe para seus amigos. Viva!”, conclui. 
 

É preciso aprender a ser só
O mundo está cheio de relações instantâneas, que se distanciam, pouco a pouco, das antigas tradições, que tinham como alicerce fundamental o casamento. Ao contrário das pessoas com mais de 40 anos, que passaram por essa vivência pessoalmente ou por meio de outros, os adolescentes estão formando o repertório afetivo tendo como base essa nova forma de se relacionar, em que a velha fórmula composta por namoro, noivado e casamento — etapas quase naturais do amadurecimento de uma relação — não tem mais lugar. 

Maria Fernanda Lopes, psicóloga do CAPS 3 (Centro de Atenção Psicossocial) e da Unipsico (Cooperativa de Psicólogos) de Ribeirão Preto, discorre sobre as mudanças que permeiam os papéis sociais reservados à mulher e a necessidade do autoconhecimento como a chave para a independência e a felicidade. 

Revide: Você acredita que a maternidade e o matrimônio ainda são os papeis que mais representam a mulher atual? 
Maria Fernanda Lopes: Depende da mulher. As mulheres que mais têm chance de se conscientizarem sobre a verdadeira vocação que sentem em relação às próprias vidas, podem optar seja pelo casamento, pela maternidade, pela carreira, ou pela carreira e pelo cuidado com a família original, como seus pais, que hoje vivem mais. Algumas mulheres, por força das circunstâncias ou porque se conscientizaram que têm essa vontade, optaram por não se casar, não terem filhos e cuidarem mais de si mesmas. Outras conciliam. Tanto as mulheres, quanto os ginecologistas afirmam que a maioria das mulheres é mãe por força da circunstância, não por uma escolha refletida, mas, nas novas gerações, isso tem sido cada vez mais pensado, refletido. Há uma escolha e eu observo uma diminuição da opção pelo casamento formal e pela maternidade formal, como conhecemos. Está se abrindo um leque maior de opções. 

Apesar dessa consciência, a sociedade continua cobrando que as mulheres priorizem esses papeis? 
Se é uma mulher com mais de 35 e não casou, as pessoas perguntam o porquê, se tem algum problema. Se já casou, questionam cadê o primeiro filho, qual é o problema. Enfim, há, sim, as cobranças, que algumas mulheres internalizam e, quando passam a fazer uma reflexão pessoal ou com grupo de amigas que compartilham a mesma realidade, acabam descobrindo que não é um problema, mas uma escolha. Ao perceberem isso, ficam mais fortes para responderem aos questionadores de plantão que se trata, de fato, de uma opção.Para a psicóloga Maria Fernanda, as soluções começam na autoestima

O que permite que a mulher madura possa olhar para si com mais tranquilidade, a ponto de perceber que a felicidade pode estar dentro dela? 
Ela tem mais consciência de que tem condições de se fazer feliz. Ela tem outras fontes de prazer na carreira, nas viagens, nas amigas que compartilham a mesma opção, na família original. Ela percebe que é possível trilhar um novo caminho e se dá esse direito. A felicidade está em jogo, em relação ao que é capaz de se oferecer sozinha. Muitas vezes, são mulheres que moram sozinhas, vivem confortavelmente, sem tantas obrigações que o casamento talvez trouxesse. Elas curtem essa autonomia e liberdade, sentem-se confortáveis com esse estado de autocompanhia e vão para o mundo das relações de uma maneira mais fortalecida, mais independente. Elas têm amigos, podem até ter parcerias sexuais, mas sem o compromisso tradicional. 

O que é preciso para se sentir uma boa companhia? 
Ter, desde criança, uma educação equivalente entre homens e mulheres, com os mesmos direitos de fazer aquilo que tem vontade e pode ser conquistado: gostar de si mesma, não depender de ninguém especificamente para ser feliz. É claro que dependemos das pessoas porque somos seres vinculares, mas não, necessariamente, de um namorado, de um noivo, de um marido ou de filhos. 

A mulher atual está mais distante de se ver como reflexo do amor do outro, mesmo vivendo em um mundo onde a cultura do status impera?  
Vivemos a ilusão relativa à imagem. O que se tem proposto é o cuidado com o sentimento, que reflete uma imagem verdadeira, e não o contrário. Como estamos em uma sociedade muito virtual, cheia de cobranças, não é incomum ver mulheres desfilando com parceiros, sem necessariamente gostar deles. Se a mulher puder gostar primeiro de si, do que é de verdade, poderá fazer escolhas mais conscientes, de um parceiro ou não, de amigas, amigos, familiares. Tudo começa pela autoestima. 

Acredita que esse mundo das relações instantâneas favorece a mulher mais independente? 
Temos, no mínimo, duas possibilidades: à medida que desenvolvemos autoestima suficiente, podemos ter mais força para não cair na armadilha das relações muito passageiras; por outro lado, à medida que desenvolvemos autoestima, somos mais sinceros em perceber que a história do “felizes para sempre” pode não ser verdade para a maioria das pessoas. Assim sendo, se tiver que terminar um relacionamento, que seja com propriedade, não por pressa, nem por covardia. Como tudo é muito rápido, instantâneo e aparente, as pessoas podem ficar demasiadamente acomodadas nesse modelo de “independência ou morte”. É perigoso. 

As adolescentes que vivem, hoje, essa instantaneidade das relações correm mais risco de não conseguirem se entregar efetivamente a elas? 
Sim. A história mostra que tendemos de um extremo para outro até que consigamos conquistar um equilíbrio. Se antes era tudo muito tradicional, cheio de regras, agora não se fala nem em namoro. Tem que ser tudo muito livre, sem nenhum tipo de compromisso e isso é tão perigoso quanto o fechamento, as limitações das relações tradicionais. Fica tudo muito solto e sem cuidado. Tudo nas relações está ligado ao cuidado com si próprio e com o outro, com aceitar que pode ser mais passageiro do que se imaginava, mas não se deve aceitar o término muito rápido ou a falta de um contato muito rápido. Sempre há uma ditadura: ou da tradição, como era algumas décadas atrás ou da libertação, como ocorre hoje. É preciso encontrar um equilíbrio. 

O fato de ter crescido em um ambiente de mais liberdade não propicia a plenitude? 
Não é automático. Merecemos e precisamos ter reflexão. É isso que está faltando: nos darmos tempo para a reflexão, promover conversas com as gerações — a avó, a mãe, a filha e a neta poderem sentar e cada uma poder falar da sua experiência —, na medida do possível, com certa liberdade, cada qual com suas felicidades e dificuldades. Vamos sentar e conversar, e para isso, temos que arrumar tempo. Esse é o grande desafio da sociedade de consumo. Os psicólogos costumam dizer que a vida começa aos 40 porque, quando chegam a essa idade, as pessoas já tiveram tempo suficiente para viver e podem, então, fazer escolhas mais conscientes. Aos 15 ou 20 anos, não tiveram nem tempo de viver, a escolhas são feitas sem a experimentação. Uma mulher mais madura tem muito a dizer às mais jovens; pode mostrar que a plenitude foi alcançada por meio da experiência. Pode ser até que a jovem se identifique com a tradição. Depende do que faz bem a ela, mas ela tem que ter honestidade, consciência e autocontato suficiente para se diferenciar, saber quem é, e não ir na onda. 

O que é preciso para viver bem consigo? 
As condições básicas de existência e a percepção de si mesmo. Aquilo que os filósofos, lá atrás, já propunham: quem eu sou? Em quem vou me constituindo, de verdade? O que eu preciso para me sentir suficientemente bem? Quem são as pessoas que eu gosto? Com o que me identifico? 

Qual é a melhor maneira de encarar a solidão? 
Perder o preconceito em relação a ela. As pessoas veem alguém sozinha e pensam que ela está nesse estado não pela opção, mas porque fracassou, não deu certo. Precisamos criar novos significados para a solidão, vê-la como uma possibilidade de viver bem conosco. “Eu preciso aprender a ser só”, como diz Gilberto Gil, “eu preciso aprender a só ser”, esse é o melhor caminho. 

 

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