Uma Escola com Significado
Educador apresentará metodologia que objetiva diminuir a desigualdade na rede de ensino de Ribeirão Preto

Uma Escola com Significado

Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Polo do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto, Mozart Neves Ramos prevê iniciar projeto na cidade que inspire outros municípios


Texto: Marina Aranha




Dois motivos fizeram com que Mozart Neves Ramos aceitasse de imediato o convite para ser o titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Polo do Instituto de Estudos Avançados (IEA-RP) da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Logo de início, o educador, que deixou a direção de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna no fim de 2019 para ocupar o cargo na USP, identificou-se com o nome da Cátedra: Sérgio Henrique Ferreira foi um médico e farmacologista inspirador no campo acadêmico da saúde, responsável pela descoberta do fator de potenciação da bradicinina, que possibilitou o desenvolvimento do Captopril — medicamento usado no tratamento da hipertensão arterial. “Desde jovem e, principalmente, enquanto pesquisador, reconheço a qualidade da contribuição de Sérgio à ciência”, afirma. Já a segunda razão pela qual Mozart se identificou com a proposta estava relacionada à oportunidade de contribuir com o desenvolvimento da Educação em cidades de médio porte do país a partir do conhecimento adquirido em mais de 40 anos de estudo, pesquisa e atividades práticas. “Foi uma decisão pessoal e profissional. Se fosse para fazer trabalhos acadêmicos, eu não toparia. Quero fazer algo que chegue às pessoas, que possa impactar quem faz as políticas da Educação”, explica.
Sérgio Henrique Ferreira foi o farmacologista responsável pela descoberta do fator de potenciação da bradicinina, que possibilitou o desenvolvimento do Captopril
A experiência de Mozart é vasta. Professor de química graduado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), possui pós-doutorado na área. Foi pró-reitor acadêmico da UFPE e presidiu o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras. Autor dos livros "Educação Sustentável" e “Educação Brasileira: Uma Agenda Inadiável”, o educador destaca duas vivências como fundamentais para compreender a mobilização de pessoas em torno de uma causa: a presidência executiva do Todos Pela Educação entre 2007 e 2010 e a presença no conselho da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) para criação do programa Santa Catarina pela Educação. “Ajudei de forma direta a mobilizar pessoas em torno de algum propósito. É assim que pretendo contribuir em Ribeirão Preto: mobilizar, mas, também, gerar elementos e indicadores que ajudem a melhorar a qualidade do ensino”, pontua.

Cátedra
Em comemoração aos 10 anos do IEA-RP, foi criada a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, com o objetivo de estudar políticas públicas de cidades de médio porte. 

Com quatro anos de duração total, a Cátedra focará a atuação inicial na área educacional, integrando instituições e iniciativas locais para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem em Ribeirão Preto. “A ideia é construir uma rede de cidades de médio porte. Como estamos em um ano eleitoral, vamos nos alinhar até junho para, em 2021, conseguirmos trabalhar numa rede intermunicipal mais articulada na perspectiva de trocar práticas exitosas na Educação. Para este ano, temos como foco uma política para Ribeirão Preto, mas as bases que pretendemos lançar serão fundamentais para os municípios de todo o país”, destaca Mozart. 
Conexão entre Educação Básica e Superior é fundamental para melhorar a Educação no país, segundo Mozart
Segundo o educador, a simbiose entre as experiências que possui nos Ensinos Básico e Superior será fundamental para o desenvolvimento das atividades e dos estudos. “Tenho 17 anos de experiência na Educação básica. Volto para o Ensino Superior com a mensagem de lá. Isso fecha um ciclo importante em minha vida. Achei que seria um casamento perfeito para levar para cidades que são estratégicas para o desenvolvimento do país. Entendo que se nós, de alguma maneira, não colocarmos na agenda de prioridades a Educação Básica nas instituições de Ensino Superior, deixamos de cumprir uma questão muito importante para a própria qualidade desse ensino. Sinto-me preparado para levar esse debate e uma nova agenda às instituições, começando pela USP”, explica.

Conexão
Embora aparentem estar distantes, os Ensinos Básico e Superior são complementares e precisam estar conectados. Segundo Mozart, a aprendizagem escolar é estratégica para o desenvolvimento da Educação no país. “Temos de colocar numa mesma equação a quantidade e qualidade. Para se ter uma ideia, de cada 100 alunos que terminam o Ensino Médio no Brasil, somente nove aprenderam o que seria esperado em matemática e 29, em português. Vários fatores são importantes para mudar esse cenário de baixa aprendizagem escolar, entretanto, todas as pesquisas indicam que o mais importante é a qualidade do professor e sua valorização. A formação profissional e continuada é fundamental para que possamos virar o jogo do baixo índice de aprendizagem escolar”, afirma. 

A meta 12 do Plano Nacional de Educação estabelece que, até 2024, 33% dos alunos de 18 a 24 anos estejam no Ensino Superior. Hoje, são 19%. “Não vamos alcançar essa meta. Mesmo que colocássemos o jovem na universidade, o problema não é o acesso, mas que ele permaneça e conclua”, avalia Mozart. “Se não melhorar a Educação Básica, o impacto e a ressaca batem na universidade — e isso já está acontecendo. Um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas do Ministério da Educação (Inep) acompanhou todos os alunos, de ensinos público e particular, que ingressaram no Ensino Superior de 2010 até 2016. Quando se esperaria que todos terminassem, 56% desistiram. Uma das razões para isso são os baixos índices de aprendizagem que o jovem traz em sua bagagem escolar. Melhorar a qualidade da Educação Básica, em minha visão, é estratégico para a própria qualidade do Ensino Superior do Brasil, que passa pela formação de professores”, explica. 

Segundo o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), diferente de países que estão no topo da Educação mundial, como Finlândia, Japão e Canadá, apenas 2% dos estudantes afirmaram que querem ser professores no Brasil. Para o titular da Cátedra do IEA-RP, isso é reflexo de uma escola com a qual o aluno não se identifica — o que acarreta não apenas no baixo interesse pelo magistério, mas, também, na evasão e na reprovação de alunos. “O estudante não encontra uma escola que dê significado à própria vida. A escola ainda olha muito para o retrovisor, para o século XX. O jovem é do século XXI — isso não apenas por causa do avanço da tecnologia, mas por tudo o que o mundo exige. São novas competências para que ele possa ter uma visão sistêmica e melhor do mundo atual. Criatividade, pensamento crítico, abertura ao novo, resolução de problemas, saber trabalhar em equipe e comunicação são competências importantes que precisam ser conduzidas e que estão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em implementação. Enquanto a formação do professor não dialogar com essas questões estratégicas, o jovem vai deixando a escola”, destaca. Anualmente, segundo Mozart, 550 mil jovens brasileiros abandonam o Ensino Médio e, atualmente, há cerca de 1 milhão de jovens de 15 a 17 anos sem estudar nem trabalhar. A reprovação e o abandono da escola representam, para o país, um prejuízo médio de R$ 30 bilhões por ano. 

Próximos passos
No dia 2 de março, Mozart irá se reunir com representantes dos 34 municípios da Região Metropolitana de Ribeirão Preto para apresentar uma metodologia com o objetivo de diminuir a desigualdade na rede de ensino. “Mesmo em Ribeirão Preto, que tem uma educação relativamente muito boa em comparação com o Brasil, ainda temos escolas muito desiguais, principalmente quando verificamos os anos finais. Vou apresentar esse indicador para que possamos aferir essa desigualdade”, detalha. “A ideia é que possamos fazer um trabalho em Ribeirão Preto que seja inspirador para cidades de médio porte em todo o Brasil”, conclui. 

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