Use com Moderação
Entre os sinais da compulsão pelos smartphones está o isolamento do usuário, que se distancia, inclusive da família e dos amigos

Use com Moderação

O uso incorreto de dispositivos móveis pode ocasionar problemas físicos e também psicológicos nos usuários

Brasileiros passam, em média, quatro horas por dia navegando em celulares. Por mais que pareça assustador, esse número é baixo quando comparado ao tempo que os chamados “hard users” ficam conectados à internet por meio de um dispositivo móvel, que chega a 10 horas por dia. Este é o caso da estudante de jornalismo Letícia Agostinho, de 21 anos, que costuma passar 12 a 15 horas por dia com seu aparelho nas mãos. “Fico conectada do momento em que acordo até a hora que vou dormir. Verifico as atualizações das redes sociais o tempo inteiro”, diz a jovem.

Para Letícia, ficar desconectada é o mesmo que estar incomunicável. A estudante conta que já precisou ficar um dia e meio sem longe do aparelho móvel e acabou se sentindo perdida. “Tinha a sensação de que aconteceria algo a todo o momento e que eu precisaria falar com alguém e não conseguiria”, explica a estudante. Apesar de se manter conectada boa parte do tempo, a futura jornalista conta que, aos domingos, por conta do ensaio do teatro, passa três horas off-line. A “abstinência”, nome que ela mesma dá para esse período, só acontece porque é proibido usar o aparelho nos ensaios.  “Sou superdependente do meu celular, que quase não fica na bolsa. Ando com ele na mão o tempo inteiro. Não consigo imaginar uma realidade sem celulares”, conta.
Segundo o ortopedista Leandro, cifose e escoliose são alguns dos problemas que o uso excessivo e desatento dos aparelhos móveis podem causar | Foto: Ibraim Leão
Embora a situação seja normal nos dias atuais, o uso excessivo desses aparelhos pode causar vários problemas aos usuários, como dor na cervical e na lombar. Em longo prazo, até a curvatura frontal da coluna pode ser prejudicada. É o Atividade física regular, com alongamento e fortalecimento muscular, ajuda a prevenir problemasque explica o ortopedista Leandro Calil de Lazari. “Essa curva da coluna cérvico-torácica para frente se chama cifose. Outro problema que tende a se tornar mais comum é a escoliose, curvatura lateral da coluna toraco-lombar”, explica o especialista.

Segundo o médico, não há como precisar o tempo em que esses problemas poderão aparecer, por conta de outros fatores capazes de antecipar ou retardar seu surgimento, como predisposição genética, atividades físicas e laborais. A recomendação do especialista é para limitar o uso de aparelhos móveis a, no máximo, duas horas por dia. 

Cuidar da postura na hora de ficar ao telefone também ajuda a evitar problemas físicos futuros. De acordo com o especialista, manter a coluna reta e o olhar para frente são medidas que ajudam a garantir a saúde do corpo. Ficar com o cotovelo curvado e o ombro elevado por muito tempo também não são boas escolhas. “Essas posturas podem colaborar para o desenvolvimento de algum tipo de tendinite”, explica Dr. Leandro.

Ainda que o usuário seja controlado, é impossível dispensar totalmente o uso dos dispositivos móveis no mundo contemporâneo. Esses aparelhos são essenciais no dia a dia, em todas as fases da vida e das mais diversas classes sociais.  Para o médico, o segredo é usar com controle e responsabilidade. “O conselho é ser moderado, utilizando esses aparelhos só quando realmente for necessário. Evitar o uso durante as reuniões de família e as refeições, por exemplo, é uma boa dica. Para os mais viciados nesses aparelhos, a atividade física regular, com alongamento, Pilates e musculação, pode ajudar a evitar tendinopatias e dores da coluna vertebral”, finaliza Lazari. 

Além do físico

O mau uso dos aparelhos móveis não causa apenas problemas para o corpo. Fatores psicológicos decorrentes desse excesso também podem prejudicar o indivíduo, que cria uma espécie de dependência do celular. Antes de mais nada, no entanto, é preciso pensar o que é o uso inapropriado desses aparelhos. “Usar esses aparelhos por tempo muito prolongado? Deixar de buscar realizações concretas e ficar só nas virtuais? Dormir com o aparelho junto ao corpo, ou muito próximo? Investir todo o tempo em bobagens e lixos eletrônicos? Podemos pensar em múltiplas possibilidades. As consequências do mau uso da tecnologia podem ser variadas e atingir, também, os campos psíquico e social”, argumenta a psicóloga Ane Ribeiro Patti.
Segundo a psicóloga Ane Patti, cada caso deve ser analisado individualmente para determinar o que é o uso inapropriado desses aparelhos | Foto: Ibraim Leão
De acordo com a especialista, do ponto de vista psíquico, integrado ao físico e ao social, o uso excessivo dos smartphones pode afetar a concentração, agravar a ansiedade e fomentar expectativas altamente idealizadas em relação à autoimagem e a do outro, dificultando o modo de lidar com a vida real, que não é tão bela e feliz como aparentam nas redes sociais. “Nas mãos de um sujeito que se posiciona na vida como ‘carente’ e ‘dependente’, os aparelhos móveis parecem viabilizar alguma notoriedade, mas esse plano imaginário não satisfaz as verdadeiras demandas do indivíduo: laços afetivos de qualidade e consistência. Os danos podem se estender até mesmo para as relações sociais desse ‘dependente’, que passa a não saber administrar seu tempo para realizar as múltiplas demandas da vida, ou ainda, que acaba preferindo viver o virtual e desprezando as relações cara a cara”, analisa a psicóloga. 

Ane explica que a dependência se caracteriza por trazer consequências indesejadas e improdutivas para o sujeito e seu meio, afetando diretamente o modo de viver e conviver em sociedade, que se torna restrito, empobrecido simbolicamente e infantilizado, além de inviabilizar uma vida rica de experiências e trocas. “Estar inscrito em redes sociais não significa que se estabelece, de fato, relações de troca e laços afetivos”, enfatiza Ane.  

Para a especialista, os smartphones tanto podem ser um meio de estabelecer contatos e promover vivências que se efetivam na vida real quanto um meio de se manter distante das pessoas, ou ainda exibicionista, sem abertura e interesse para realmente produzir laços a partir do virtual. “Desta forma, pode-se afirmar que o uso, em si, de aparelhos móveis não é bom ou ruim, excessivo ou não. Para cada pessoa, esse instrumento terá uma função. Há que se considerar, portanto, quem está utilizando e como está usando o smartphone para, depois, analisar a questão. Dito isso, é fato que a ciberdependência tem a ver com o posicionamento do sujeito-usuário, e não com o objeto em si”, afirma Ane. 

Psicologicamente, ainda não há um consenso sobre o tempo ideal para as pessoas ficarem conectadas, mas dá para afirmar que as 24 horas do dia precisam ser divididas, proporcionalmente, em um terço para o descanso, outro um terço para o trabalho e os estudos e um terço para o lazer, como atividades físicas, culturais, hobbies, encontros sociais, etc. “Obviamente, as demandas atuais não permitem esse equilíbrio na distribuição do tempo, então, diagnosticamos um caso de internet-dependência dentro destes parâmetros, quando o sujeito tem sua vida pessoal, em seus aspectos de sono, afetivo-emocional, alimentar, sexual, profissional e social afetados pela permanência exagerada na web”, conta a psicóloga. 

Já há consenso entre os especialistas de que 15 horas de um dia dedicadas à internet é, de fato, um gerador de múltiplos problemas. Entre outros sinais que podem ser observados como indicativos de uma compulsão pelas redes estão o isolamento da família e dos amigos devido às atividades na internet, sentimento de mal-estar quando se está off-line, sentimento de culpa após passar muitas horas navegando e deixando de cumprir atividades de sua responsabilidade, irritação ao ser interrompido durante a navegação, sentimento de alegria quando obtém likes e sentimento de inferioridade pelo que se tem em comparação ao que é exibido nas redes.


No trabalho

De acordo com Giulian, em muitos casos, posturas drásticas que limitem o uso de smartphones no trabalho são necessárias | Foto: Foto: Paulo FerreiraPara o administrador e gestor de pessoas, Giulian Manso Scarpelini, o uso de aparelhos móveis no ambiente de trabalho é prejudicial à produtividade do indivíduo e acaba passando uma mensagem negativa aos clientes e colaboradores da empresa. A atitude pode demostrar, involuntariamente, descaso e desrespeito. “O uso de aparelhos celulares aqui na empresa é vetado. A decisão consta em nosso regulamento interno e o funcionário que violar tais normas, poderá sofrer pena de advertência, suspensão e até ter o contrato de trabalho rescindido por justa causa”, explica Scarpelini. 

Segundo o gestor, a empresa leva em consideração que o uso excessivo dos aparelhos celulares durante o expediente de trabalho pode acarretar várias consequências, como a diminuição da produtividade e da carga horária, falta de atenção e, consequentemente, redução do reflexo do funcionário. “Na atualidade, muitas empresas passam problemas diários como estes. É desagradável ter que intervir nesses casos, mas é preciso tomar providências”, comenta. 

 

 

Mudança 

Maria Júlia está mais vigilante e disposta a diminuir o tempo que passa conectadaA estudante Maria Júlia Mismetti, de 19 anos, também passa grande parte do seu dia on-line pelo smartphone, de 10 a 12 horas. Quando é necessário, a jovem se desconecta para focar apenas em seus afazeres. A tecnologia também é utilizada para auxiliar em atividades acadêmicas e profissionais. “Hoje em dia, dependendo da atividade, a conexão proporciona facilidades e até a possibilidade de atingir um melhor desempenho. Sendo assim, quando necessário, continuo conectada durante esses afazeres, mas se a tarefa depende apenas de mim, procuro me desconectar para não me distrair”, conta a jovem. 

Maria Júlia explica que é complicado ficar longe do celular, pois seu uso a qualquer hora tornou-se habitual. No entanto, acredita que, se tivesse outras distrações, conseguiria se afastar um pouco do aparelho. “Ainda assim, seria uma tarefa difícil, levando em consideração que há muitos anos estou acostumada a pegar o celular sempre que quero ou posso, quase virando uma necessidade motora e inconsciente”, conta a estudante. 

A jovem afirma que se considera dependente da tecnologia e que, ultimamente, vem se questionando sobre aquilo que acabou perdendo por estar vidrada no celular. Apesar da dependência, Maria Júlia está disposta a melhorar e a passar mais tempo desconectada. “A tecnologia nos traz muitos benefícios, mas tira algo muito importante: a percepção clara do mundo fora das telas. Sinto-me um pouco culpada por, muitas vezes, não valorizar tanto os momentos off-line, mas estou me policiando para melhorar e perder um pouco essa dependência”, finaliza a jovem. 

Texto: Gabriela Maulim | Capa e Ilustrações: Alexandre Nascimento

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