Fez a diferença

Fez a diferença

Empresas inflaram consultorias jurídicas da Acirp, do Sebrae e de escritórios de advocacia buscando orientações sobre como sobreviver à inatividade econômica provocada pela pandemia

Quando foi estabelecida a quarentena no Brasil, em março deste ano, os irmãos Daniel e Valéria Sacchini Moreira, sócios na Ótica e Relojoaria Valéria, em Ribeirão Preto, ficaram assustados. De portas fechadas, o negócio em comum não teria como movimentar o já pequeno capital de giro e, consequentemente, honrar os compromissos mensais. Se Valéria não tivesse recorrido à consultoria do Departamento Jurídico da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) — por meio da qual soube que óticas podiam funcionar, por serem serviço essencial, desde que respeitando às normas sanitárias —, teriam acumulado um prejuízo muito maior que o dos 15 dias que permaneceram fechados. 

De acordo com a advogada Larissa Eiras, o atendimento a Valéria esteve entre os 590 realizados entre março e setembro deste ano (média de 98 por mês) no Jurídico da Acirp, do qual é coordenadora — em tempos normais, o número de orientações não passava de 20 ao mês. Segundo ela, em um primeiro momento, os empresários ligavam confusos sobre como interpretar os decretos estadual e federal que estabeleceram regras para a quarentena e cujas classificações sobre o que eram serviços essenciais divergiam. Depois, o teor das dúvidas foi ficando mais diversificado, relacionado a questões trabalhistas (suspensões de jornadas, salários, home office), contratuais (renegociação de contratos de aluguel e de prestação de serviços) e financeiras (financiamento bancários, renegociação de dívidas, etc).

Segundo a advogada Larissa Eiras, procura por orientação no departamento jurídico da Acirp cresceu durante a pandemiaO mesmo ocorreu na regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), onde o advogado e consultor jurídico Fábio Roberto Caldin calcula ter atendido uma média de 130 consultas mensais no mesmo período — um volume, segundo ele, “sem precedentes” no escritório de Ribeirão Preto. Ele estima que 40% das demandas referiram-se a dúvidas trabalhistas, 30% a análises ou revisões contratuais e 30% sobre legislação voltada para e-commerce e Código de Defesa do Consumidor — nesse caso, feitas por empresários que enxergaram oportunidades de crescimento e aumento do lucro durante a quarentena.Para Fábio Caldin, foi um desafio manter-se sempre atualizado para orientar o empresário da maneira correta

Também em escritórios particulares, como o da advogada e professora universitária Fabiana Mattaraia, o trabalho triplicou durante a pandemia. O perfil de clientes que mais a procuraram foi de médias empresas de prestação de serviços, além de pessoas físicas. As demandas variaram entre revisão de contratos de locação, de contratos com o consumidor, consultoria de inadimplência, reequilíbrio contratual com instituições bancárias, problemas condominiais, direito de imagem, reestruturações societárias, mudanças de planos de recuperação judicial, divórcios, dentre outras. Segundo ela, nem todas foram solucionadas só na fase de consulta. “Em minhas atividades, houve um aumento da judicialização da ordem de 50% em relação a antes da pandemia”, pontua a profissional.

Para Fábio, foi um desafio manter-se sempre atualizado para orientar o empresário da maneira correta, mas o mais difícil mesmo, segundo ele, foi lidar com a sensação de impotência diante do impacto irreversível da crise, seja pela natureza de alguns negócios ou porque os gestores esperaram demais para buscar consultoria jurídica, entre outras causas.

De acordo com o consultor, os motivos que fizeram algumas empresas sobreviverem e outras não foram tão variados que o impedem de traçar um perfil ou causa comum. “Teve de tudo durante a pandemia: empresário previdente e empreendedor que quebrou e outros que não o eram e conseguiram sobreviver”, afirma. Entre os que estão sobrevivendo, porém, ele consegue destacar os que conseguiram se antecipar aos problemas. Entre os que quebraram, indica aqueles que deixaram para procurar consultoria jurídica quando já era tarde.

Mobilização conjunta

Mais de um profissional de Direito ouvido pela reportagem citou o segmento de bares e restaurantes como o que mais acionou consultoria jurídica durante a pandemia em Ribeirão Preto. Contribuiu para isso uma mobilização conjunta, que acabou resultando na criação de uma regional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Foi um movimento orgânico. Por ter formação jurídica, fui convidado a participar de um grupo formado por 15 empresários do ramo, que foi crescendo por engajamento e se fortaleceu porque havia muita informação útil ali dentro”, conta Sacha Reck, advogado de Direito Administrativo e proprietário do restaurante Tennessee Steak House.

“No cenário mais otimista, recuperaremos o quadro de funcionários anterior à da pandemia em seis meses. No mais pessimista, em 12 meses”, estima Sacha ReckHoje, a Abrasel Alta Mogiana, constituída em assembleia em 12 de agosto, é formada por mais de 300 donos de estabelecimentos de “alimentação fora do lar” e engloba 16 municípios da região. Sacha integra a diretoria como conselheiro e a presidência é ocupada pelo empresário Renato Munhoz, proprietário da Água Doce Cachaçaria. Os associados não têm dúvidas de que o conhecimento e a atualização constantes sobre as leis foi indispensável durante a pandemia. Principalmente por conta dos dados conflitantes que acompanharam muitas ações e medidas governamentais. “O dono de restaurante leigo não conseguiria interpretar todas as questões sem consultoria jurídica”, acredita Sacha.

Como advogado, ele elaborou e despachou vários ofícios em prol do segmento de bares e restaurantes, para a Prefeitura e para o promotor da área do Patrimônio Público, Sebastião Sérgio da Silveira, pedindo investigação de abusos de cobranças por parte de imobiliárias, CPFL e administração municipal. Entre os resultados obtidos estão flexibilizações de contratos e de pagamentos junto à CPFL. Pelos menos 90% dos empresários obtiveram alguma negociação em seus contratos de aluguéis, com descontos que variam entre 30% e 100%. Dispositivos legais que autorizam suspensão e redução de jornada de contrato de trabalho e salários também foram usados “massivamente” pelos empresários do ramo, segundo Sacha. 

A mobilização conjunta ainda pleiteou, e conseguiu, na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, a constituição de uma Comissão de Estudos do Comércio, que tem se reunido todas as terças, desde agosto, para debater questões em prol do comércio.

Mesmo com todas essas conquistas, a Abrasel calcula que foram demitidos 50% dos funcionários de estabelecimentos que fecharam durante a pandemia. Com a entrada de Ribeirão Preto na fase amarela, porém, já começam a ocorrer recontratações, ainda que de forma gradual. “No cenário mais otimista, recuperaremos o quadro de funcionários anterior à da pandemia em seis meses. No mais pessimista, em 12 meses”, estima o advogado.

Sacha ainda faz questão de esclarecer que os empresários do ramo não são contrários às medidas de prevenção ao coronavírus, apenas acreditam que elas deveriam ter vindo acompanhadas de ações de fomento aos segmentos afetados. Tanto que, daqui em diante, a Abrasel Alta Mogiana assumirá um papel de conscientização interna, para que todos os associados cumpram as regras da pandemia e evitem cenas “lamentáveis” de discussões entre proprietários, clientes e fiscais da Prefeitura, como algumas já vivenciadas na cidade. “Hoje, nossa maior preocupação é dar lição de cidadania e respeito ao próximo”, conclui. 

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