Impactos na fonte

Impactos na fonte

Uma das principais reservas subterrâneas do planeta, Aquífero Guarani é fonte de abastecimento dos ribeirãopretanos, mas sofre com alta captação de água

Em todo o mundo, três a cada dez pessoas não têm acesso a água potável em casa, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse cenário, Ribeirão Preto pode ser considerada uma cidade privilegiada: o município está sobre, aproximadamente, 31% de um dos maiores reservatórios subterrâneos conhecidos do planeta, o Aquífero Guarani, que tem 1 milhão e 200 mil quilômetros quadrados e 1,5 mil metros de profundidade. 

O Guarani é responsável por 100% do abastecimento de água de Ribeirão Preto. Na cidade, a tarefa de extração é do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp), que realiza este processo por meio de poços tubulares profundos. Apesar de o município estar localizado em uma área privilegiada de água potável, a fonte não se renova com facilidade e sofre os efeitos do desperdício, da poluição, da falta de políticas públicas e educação ambiental. Para reiterar a necessidade de conscientização acerca do recurso natural, é celebrado, em 22 de março, o Dia Mundial da Água — data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 para a ampliação da discussão sobre o tema. 

O Aquífero Guarani ocupa 70% do território brasileiro, abrangendo parcialmente os estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os 30% restantes estão em regiões do Paraguai, do Uruguai e da Argentina. Na maioria das áreas abrangidas, a reserva possui água de excelente qualidade para consumo humano e com capacidade para atender a grandes demandas de vazão.
Para Moreira, o melhor caminho para atingir o propósito de preservação do manancial é a implementação de estratégias de educação ambiental
Segundo o professor e especialista em ciências ambientais Amauri da Silva Moreira, todo excesso é prejudicial — e foi isso o que ocorreu com o consumo da água subterrânea em Ribeirão Preto ao longo dos anos, a ponto de interferir no equilíbrio do balando hídrico, indicando exploração abusiva e sobrepondo a capacidade de reposição. “Tal situação resultou em uma série de procedimentos de gestão, a nível municipal e estadual, para disciplinar o uso da água subterrânea em Ribeirão Preto, conter desperdícios, regular a implantação de poços, eliminar perdas no sistema de distribuição, proteger áreas de recarga e estender o uso às gerações futuras”, diz o professor. 

De acordo com o especialista, é vital que as pessoas tenham o conhecimento da importância e do valor do manancial para adquirir consciência do uso racional, abolindo os desperdícios no dia a dia. “O melhor caminho para atingirmos esse propósito é a implementação de estratégias de educação ambiental, com foco específico e metodologia com atributos que despertem o interesse do cidadão, visando à conscientização de modo a se tornar verdadeiro protetor de nosso precioso aquífero”, finaliza Moreira. 

No município, segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), há 590 poços privados cadastrados e outorgados. Desses, 300 exploram o Guarani. De acordo com a autarquia, 105 são operados pelo Daerp, que utiliza o aquífero para o abastecimento público.
Daiana diz que a Prefeitura de Ribeirão Preto carece de estudos técnicos sobre a área de recarga do aquífero
Segundo a engenheira Florestal Daiane Gaia, que realiza estudos técnicos sobre a reserva, mais de 100 municípios paulistas utilizam as águas do aquífero para o abastecimento público, tanto da área de afloramento, quanto da confinada. Além de Ribeirão Preto, outras cidades que se destacam pelo consumo são Araraquara (50%), São Carlos (50%) e de São José do Rio Preto (40%). 

A engenheira explica que a média de desperdício de água do Guarani pode chegar a 60% do volume captado, decorrente de redes antigas e da forte pressão. “O consumo de Ribeirão Preto é o dobro da média nacional, e até 50% da água explotada (extraída) se perde pela rede. O município retira do aquífero quatro vezes mais do que necessita”, diz a especialista.

Área de recarga

De acordo com Amauri, estudos mostram que são muitas as áreas por onde a água da chuva tem acesso à formação geológica, chamadas de “áreas de recarga direta”, que devem ser providas de dispositivos legais para estabelecer restrições de uso.

Na região leste de Ribeirão Preto, existe uma zona de recarga do Aquífero Guarani. A área é o afloramento do reservatório subterrâneo, abaixo do solo, onde a água se infiltra e é aproveitada.  Locais como esse têm a capacidade de absorver as águas das chuvas e levá-las ao lençol freático, onde está localizado o Guarani. Segundo o Daee, lagoas e áreas verdes são importantes para transportar o líquido ao subsolo. Por isso, é importante que haja uma preservação da área de recarga e, também, uma fiscalização para evitar a contaminação do solo e a remoção clandestina. “A zona leste deve ser gerida de modo a garantir que o crescimento urbano seja assistido por medidas que permitam disciplinar e conciliar sua função ambiental, enquanto área de recarga, com o uso do solo, restringindo, por exemplo, a implantação de atividades que sejam geradoras de resíduos com potencial de poluir o solo e as águas subterrâneas”, diz o especialista em ciências ambientais. 
Ao todo, 105 poços de Ribeirão Preto são operados pelo Departamento de Água e Esgotos (Daerp)
De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Ribeirão Preto possui medidas de proteção para a região desde o Plano Diretor de 1995. As leis instituídas pelo município estabelecem o zoneamento especifico para esta área, o parcelamento, uso e ocupação do solo, que realiza uma proteção diferenciada para a região, chamada de Zona de Uso Especial (Zue), com maior reserva de áreas permeáveis, proteção de fragmentos de vegetação natural, especialmente do Bioma Cerrado e disciplinamento das atividades econômicas. “O novo Plano Diretor de 2018 reforçou as medidas de proteção, incorporando aquelas existentes nas leis e criando outros dispositivos, de forma especial, condicionando o desenvolvimento urbano dessa região ao levantamento de dados e desenvolvimento de estudos técnicos que subsidiem critérios de parcelamento sustentável na elaboração da nova lei de parcelamento do solo”, afirma a pasta, por meio de nota. A secretaria ainda explica que esses estudos atualizarão os dados sobre o rebaixamento do aquífero, mas essa redução depende de ações conjuntas, que são implementadas para reduzir perdas e desperdício e ampliar o consumo consciente. 

Para a engenheira florestal Daiane Gaia, a Prefeitura de Ribeirão Preto carece de materiais que mostrem a real situação da região leste do município. “Ela não é homogênea. Essa região é formada por vários tipos de solo e ocupações, então não podemos tratar todas essas áreas da mesma maneira e, às vezes, a administração municipal emite diretrizes de ocupação muito semelhantes por não possuir estudos técnicos que caracterizem profundamente essas áreas. Sabemos que a Secretaria do Meio Ambiente anseia por essas pesquisas, também, e, muitas vezes, pelo fato de as informações sobre o aquífero serem superficiais, as ações sempre se direcionam pelo princípio da precaução, mesmo que já saibamos que há, inclusive, técnicas seguras e comprovadas de recarga artificial que são aplicadas em outros países”, afirma a engenheira. 

De acordo com Daiane, há anos o município está sendo pressionado para a realização de uma varredura nesta área de recarga do aquífero. “Isso deve ocorrer para, realmente, sabermos o que de fato é e o que não é relevante para a proteção da reserva, com base em estudos técnicos feitos in loco. Já que a ocupação é determinada pela Prefeitura, mesmo tendo um grande acervo técnico sobre a área, minhas pesquisas vêm da iniciativa privada em virtude de licenciamentos, que sempre possuem um foco específico. É preciso que haja informações vindas do poder público para que não haja questionamentos sobre a imparcialidade das informações, inclusive”, diz a engenheira. 

Segundo a especialista, os técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente já possuem um edital pronto para a contratação desses estudos técnicos para o diagnóstico da zona leste, inclusive porque a revisão das Leis de Meio Ambiente e Uso e Ocupação do Solo estão condicionadas ficaram condicionadas à aprovação do Plano Diretor, em 2018. 

Origem

O professor Amauri da Silva Moreira explica que o Guarani é uma formação geológica arenosa com 200 milhões de anos, na bacia sedimentar do rio Paraná. “Posteriormente, veio a ser coberta por extensa camada de derrames vulcânicos de lavas basálticas, que a confinaram, tornando-se um grande reservatório de águas subterrâneas, recentemente denominado ‘Aquífero Guarani’ pelo geólogo uruguaio Danilo Anton, em memória da etnia Guarani que habitava a região”, diz Moreira. No Brasil, o reservatório é divido da seguinte forma:

Mato Grosso do Sul - 213.700 km²
Rio Grande do Sul - 157.600 km²
São Paulo - 155.800 km²
Paraná - 131.300 km²
Goiás - 55.000 km²
Minas Gerais - 51.300 km²
Santa Catarina - 49.200 km²
Mato Grosso - 26.400 km²
O Guarani tem 1 milhão e 200 mil quilômetros quadrados, estendendo-se entre os territórios do Brasil, da Argentina, Paraguai e Uruguai
Estação Guarani

A Estação Ecológica Guarani é voltada à preservação do Bioma Cerrado, que tem, em Ribeirão Preto, estreita ligação com a zona de recarga do aquífero Guarani. Não é um espaço voltado ao uso público. A área, de 43 hectares, já foi doada ao município, onde foram plantadas 72 mil mudas de espécies nativas do Cerrado, estando em fase de manutenção deste plantio.

Fiscalização de Poços

Como medida de prevenção, de acordo com o Daee, os poços outorgados possuem perímetro de proteção sanitária, além de hidrômetro para medir a vazão. Há, também, restrições para autorização de novas perfurações profundas na região, estabelecidas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Pardo (CBH-Pardo) e Conselho de Recursos Hídricos (CRH). Questionados sobre a quantidade de funcionários para a fiscalização destes poços, a assessoria de imprensa do departamento não respondeu. Afirmou, apenas, que “durante as fiscalizações, quando são constatados poços não outorgados o usuário é notificado para regularização. Em caso de reincidência, está sujeito a multas ou tamponamento do poço”.

A água oculta do país

Além do Aquífero Guarani, o Brasil conta com mais 26 aquíferos:

1. Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga), antigamente conhecido como Alter do Chão, um dos maiores do mundo
2. Açu
3. Bauru-Caiuá
4. Bambuí 
5. Barreiras
6. Beberibe
7. Boa Vista
8. Cabeças
9. Corda
10. Exu
11. Furnas
12. Inajá
13. Itapecuru
14. Jandaíra
15. Marizal
16. Missão Velha
17. Motuca 
18. Parecis
19. Ponta Grossa
20. Poti-Piauí
21. Serra Geral
22. Serra Grande
23. Solimões
24. São Sebastião
25. Tacarutu
26. Urucuia-Areado

Fonte: Agência Nacional de Águas (Ana).

Texto: Gabriela Maulim | Fotos: Ibraim Leão e Luan Porto

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