O destino correto
Quantidade de lixo descartada em Ribeirão Preto é equivalente há um quilo por habitante

O destino correto

Quantidade de lixo produzida em Ribeirão Preto cresceu 14% nos últimos quatro anos; quadrilátero central é a região que mais lança rejeitos na cidade

A cada segundo, os moradores de Ribeirão Preto descartam 7,3 quilos de lixo no município. Com 694 mil habitantes, a cidade descarta, diariamente, 631 toneladas — número 14% maior do que em 2015, com taxa de quase um quilo de lixo sólido por habitante. Todos os rejeitos são encaminhados ao aterro sanitário de Guatapará, na Região Metropolitana.

Segundo a Estre, empresa de serviços ambientais responsável pela coleta de lixo na cidade, atualmente há uma escala programada para atender o recolhimento de rejeitos em todas as regiões de Ribeirão Preto. A zona urbana foi setorizada e cada área fica a cargo de uma equipe específica — ao todo são 195 funcionários, entre motoristas e coletores.

De acordo coma empresa, o quadrilátero central é a região do município que mais produz resíduos. Em média, são 673 toneladas por mês. Todo esse descarte é levado para o transbordo, na Rodovia Mario Donegá, e em seguida para o aterro sanitário. 
Por conter substâncias tóxicas, lixo eletrônico pode prejudicar o meio ambiente
Aterros positivos 

Em 2018, os dois aterros sanitários da Região Metropolitana de Ribeirão Preto, localizados em Jardinópolis e Guatapará, receberam avaliação positiva da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), no Índice de Qualidade de Aterros de Resíduos (IQR), realizado anualmente pela agência.

As duas áreas atendem a 23 prefeituras e recebem, diariamente, 1,7 mil toneladas de resíduos. Ambos os centros de gerenciamento de resíduos (CGRs), como são denominados, receberam nota 10 no relatório, com base em análises feitas em 2017. O IQR avalia aspectos do manejo dos resíduos, como compactação e cobertura de terra, questões estruturais, como isolamento visual, e, ainda, os cuidados com o meio ambiente — drenagem de gases e proteção do lençol freático, por exemplo.
Todo lixo de Ribeirão Preto é descartado em Guatapará
O aterro de Jardinópolis possui capacidade licenciada para 200 toneladas de resíduos por dia — o recebimento atual é de 190 toneladas. Já o aterro Guatapará é licenciado para descarte 3 mil toneladas diariamente e recebe 1,5 mil. 

Questionada sobre os impactos na região de descarte para a qual o lixo de Ribeirão Preto é destinado, a Estre informou que, para prevenir impactos ao meio ambiente, os locais possuem sistema de compactação com manta de polietileno entre duas camadas de solo argiloso. O chorume é drenado e encaminhado para Estações de Tratamento de Esgoto. 

Na unidade guataparaense, os gases coletados são utilizados na Estação de Geração de Energia Elétrica e o excedente é vendido na rede pública. Em Jardinópolis, os gases são queimados em chaminés conhecidas como flare. 

Eletrônico e perigoso

Assim como os rejeitos do dia a dia, o descarte incorreto do lixo eletrônico também pode ocasionar problemas irreversíveis para a natureza, com um agravante: na composição dos materiais tecnológicos há metais pesados, como chumbo, bromo, mercúrio e cádmio, que são altamente tóxicos à saúde pública e ao meio ambiente. 

Se depositados em lugares irregulares, os objetos podem contaminar lençóis freáticos, plantas e animais, além de causar intoxicação, vômito, diarreia e outros sintomas mais graves. 

Em Ribeirão Preto, há um ecoponto para o depósito de lixo eletrônico localizado na Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Alguns materiais que podem ser descartados ali são celulares, monitores de computadores, televisores, impressoras, aparelhos de dvds, fios, cabos, conectores, entre outros. 
Secretária alerta sobre os riscos do descarte de lixo irregular / Foto: Prefeitura de Ribeirão Preto
De fevereiro de 2014 a janeiro de 2019, o ecoponto de Ribeirão Preto recebeu aproximadamente 80 toneladas de resíduos eletroeletrônicos. Só no primeiro mês deste ano, foram recebidos aproximadamente 1,6 mil quilos de resíduos.

Após o recolhimento desses materiais pela empresa responsável, eles são pesados, separados e desmontados — exceto os televisores e monitores, já que, posteriormente, os componentes são revendidos para uma empresa que processa esses resíduos. Já os rejeitos são encaminhados ao aterro industrial. “Esse tipo de produto tem substâncias tóxicas. É importante que as pessoas nos entreguem e façam a coleta da maneira certa. Semanalmente, nós recebemos o descarte e a empresa vem buscar. É algo que colabora com a saúde do município”, conclui Sônia Valle Walter Borges de Oliveira, secretária municipal do Meio Ambiente.
Segundo Amanda, coletar o lixo corretamente favorece a vida humana e a natureza
Dever social

De acordo com a engenheira ambiental Amanda Meneguel, o descarte correto do lixo não é apenas um dever de empresas responsáveis e poder público, mas de todos os cidadãos. “No Brasil, infelizmente, não é incomum observarmos diversos tipos de materiais descartados pelos centros urbanos, praias e até mesmo em locais destinados à preservação ambiental. Tal irregularidade pode levar os resíduos a lugares inapropriados, como rios e mares, que afetarão diretamente a fauna daquele habitat. Esses resíduos também podem ser incorretamente direcionados para estruturas sanitárias encontradas pelas cidades, causando entupimento em encanações e gerando problemas”, diz Amanda. 

Ainda de acordo com ela, a saúde da população pode ser comprometida caso não haja a coleta adequada. “O acúmulo incorreto de lixo atrai pragas que podem ocasionar diversas doenças. Dessa forma, é de suma importância a conscientização das pessoas e do poder público, sendo adotadas posturas adequadas a preservação do meio ambiente e políticas públicas que mitiguem todas essas adversidades”, diz a engenheira.

Entre os danos que podem ser causados pelo descarte irregular de lixo estão as enchentes (resultantes do acúmulo de resíduos em rios e córregos, o que obstrui o fluxo de água para locais de canalização dos rios), contaminação do solo (por causa da decomposição do lixo) e desequilíbrio ecológico (pois a poluição pode chegar até o oceano e atingir várias espécies). Além disso, a atmosfera também pode ser prejudicada, em razão da queima de materiais, e, consequentemente, da alta emissão de gás carbônico na atmosfera. 

A secretária do meio ambiente de Ribeirão Preto, Sônia Valle Walter Borges de Oliveira destaca ser fundamental que a coleta seja feita de maneira correta para prevenir danos à população. 
Por meio da reciclagem, Bodão transfoma discos de vinil em arte
Arte e reciclagem

O radialista André Luiz Faria de Souza, conhecido pelos amigos como Bodão, chama atenção pelo trabalho sustentável que realiza em Ribeirão Preto. Artista, ele esculpe em vinil, mas utiliza as sobras das peças e as transforma em quadros, chaveiros e cadernos. “Desde que comecei a esculpir os vinis, sempre sobraram pedaços que poderiam ser reutilizados. Guardava os restos em uma caixa de papelão. Então, comecei a pensar em uma forma de reutilizar esses pedaços antes de jogar no lixo”, afirma Souza.

Bodão conta que as primeiras peças que foram feitas com os restos dos vinis foram os chaveiros. “Mesmo com essa arte, ainda era pouco. Um dia decidi procurar na internet uma maneira de reaproveitar o vinil. Até que um dia achei uma pessoa que o quebrava e o transformava em quadros”, explica o artista. 

Casas adaptadas

Duas famílias da região optaram por transformar os imóveis onde vivem em locais construídos e decorados com itens recicláveis. 

Morador do Bairro Monte Alegre, em Ribeirão Preto, Carlos Alberto Moro tira do lixo histórias para criar sua arte em mosaicos. Quando criança, Carlos ganhou concursos com esculturas em pedra-sabão, mas a vida o transformou em engenheiro e funcionário público. Só agora, com os filhos adultos, conseguiu dar vazão ao dom de transformar descartes em objetos de arte e decoração.

Seu sonho é ver as praças públicas de Ribeirão Preto se tornarem galerias a céu aberto, abrigando obras de artistas locais, mas, por enquanto ele se contenta em resgatar histórias do lixo. Carlos restaura vasos, constrói mesas decorativas e tantos outros objetos. Até o piso e o telhado da casa foram reformados com a reciclagem. 

Inspirado por artistas impressionistas — Monet, Degas, Renoir — e motivado pelo artista plástico de Ribeirão Preto Rinart di Romano, Carlos insiste que não tem talento para arte e que seu trabalho é artesanato. Mas o fato é que suas peças, todas reaproveitadas de descartes encontrados pelas ruas da cidade, estão ornamentando casas e jardins da família e de amigos. Até a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP já ganhou duas de suas mesas com tampo de mosaico, reproduzindo brasão do local.

O artista usa material garimpado em “ferro velho” e caçambas. Combina arame de aço e argamassa, juntando pedaços de vasos, principalmente, que ao final ficam mais resistentes que o original, segundo ele. As técnicas de restauro desses objetos ficam mais fáceis para Carlos, que é engenheiro civil, embora ele garanta que não há nada que uma dose de boa vontade não possa concretizar.

Para fazer tudo isso, ele tem outro segredo: a imaginação que cria uma história para cada peça. Seu trabalho envolve reciclagem com restauro e criação. Diz que, às vezes, pensa ser meio insano, pois acredita mesmo numa forte relação entre a criação e a reciclagem. 

E é dessa mesma forma que uma família de Cravinhos, na Região Metropolitana, optou por construir o quarto da filha. Um trabalho feito com dedicação e carinho. Fabiana de Araújo Moreira e Luis Vanderlei se tornaram conhecidos na cidade após a iniciativa. Atualmente, o imóvel atrai visitantes que vão conferir o resultado pessoalmente.

A ideia apareceu após um momento de dificuldade financeira da família. O processo durou aproximadamente três anos, mas para o casal e a filha, Lorena de Araújo Moreira, foi uma transformação gratificante. Na casa, grande parte dos móveis e alguns detalhes, como a decoração em gesso, foram feitos por eles. Luminárias, quadros e utensílios ganharam o toque pessoal e reaproveitável.

Todos os móveis foram encontrados na rua, como a penteadeira, cadeiras, cama, cabeceira, poltrona, criado-mudo, banco e até as prateleiras. Enquanto Fabiana possuía bons olhos para achar materiais abandonados, o marido foi o responsável pela reforma. Luis se dedicou ao projeto da casa sustentável no período da noite e também aos domingos com a ajuda do sogro.
“Meu marido foi fundamental nesse processo de restauração. Ele nunca fez curso, mas tem facilidade para trabalhos manuais. Fizemos uma parceria em que eu ia em busca dos móveis e ele os reciclava. O meu pai também foi importante, ajudou no que podia. Eles fizeram muitas coisas em casa, mas o quarto da minha filha, em especial, é o que mais impressiona as pessoas e era o meu sonho”, diz a mulher. 

Texto: Pedro Gomes.

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