Sintomas Divergentes

Sintomas Divergentes

Problemas do sistema público de saúde de Ribeirão Preto geram críticas de pacientes; por outro lado, em dez anos, número de adesões aos planos privados cresceu 29%

De um lado, filas de espera, corredores lotados, demora no atendimento e no agendamento de consultas, em um cenário que inspira cuidados. Do outro, tecnologia e mais agilidade, com número crescente de adesões — embora em ritmo lento. As redes pública e privada de saúde em Ribeirão Preto têm dois diagnósticos distintos e contraditórios. Casos de urgência e emergência de vários municípios da região são transferidos diariamente para a cidade, o que demonstra a importância da rede de atendimento ribeirãopretana. Mas nem todo o aparato do município é capaz de suprir uma demanda cada vez maior de assistências, o que gera problemas.

Ribeirão Preto possui 47 unidades básicas de saúde e centros de saúde da família, e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizada na Avenida 13 de Maio, no Jardim Paulista. Segundo dados de abril de 2019 do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, a cidade conta com 2.544 leitos, sendo 1.610 destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), sob responsabilidade de hospitais e unidades públicas, e instituições filantrópicas e particulares conveniadas ao Governo Federal. Os outros 934 leitos disponíveis no município são administrados exclusivamente por fundações e hospitais particulares. Mesmo com tantos postos de consulta e atendimento, os usuários do setor público ainda sofrem das grandes filas de espera e da qualidade variável do serviço prestado, gerando transtornos e reclamações.
“O atendimento está ruim, é um descaso com a população ribeirãopretana”, reclama Rubens Furlan, enquanto levava o filho ao médico
DEMORA NA UPA
A reportagem da Revide esteve na sexta-feira, 24 de maio, na UPA da 13 de Maio, e ouviu relatos e queixas de diversos pacientes sobre a demora no pronto-atendimento. Alguns reclamaram das estruturas das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade e afirmaram que, anteriormente, haviam passado por consultas em postos de bairros, que foram marcadas para depois de três a seis meses do agendamento. Segundo usuários, os atendimentos duram pouco e com diagnóstico extremamente rápido, o que gera desconfianças.

Rubens Furlan, pai de paciente, conta que chegou à UPA após ter sido informado por funcionários de uma escola de que seu filho passava mal. O menino, que estava com febre, dores no corpo e nos olhos e cansaço, deu entrada na UPA às 12h21. Segundo o pai, ele levou 30 minutos para ser chamado no estágio do pré-cadastro e ainda aguardou por mais 40 minutos para passar pela triagem (o protocolo de atendimento prioritário baseado na gravidade do estado de saúde dos pacientes) antes de ser medicado preventivamente. Até às 14h55, horário em que Rubens foi entrevistado, seu filho ainda não havia sido atendido por um médico.

Rubens conta que mora no Parque dos Bandeirantes, na Zona Leste de Ribeirão Preto, e afirma que a UPA é a unidade mais próxima de sua casa. “O atendimento está ruim, é um descaso com a população ribeirãopretana. Está tudo péssimo”, diz. Para o pai de paciente, há muito a ser melhorado na UPA da Avenida 13 de Maio e nas demais unidades de saúde do município. “Pode melhorar o respeito, a educação, e a consideração pelo próximo. É o mínimo que merecemos: sermos bem atendidos. Precisamos do acompanhamento e acontece isso”, ressalta.
A fiscal rodoviária Marlene da Silva afirma ter tido sua receita subtraída na UBDS Central após sofrer efeitos adversos à medicação dada
Outros pacientes opinam que a responsabilidade pela demora no serviço não é dos funcionários das unidades, mas sim do próprio aumento do fluxo de pacientes. “O atendimento está lento pela demanda, que está grande. Acredito que não é culpa dos médicos, pois eles estão aí para atender, mas a demanda é alta”, diz a fiscal rodoviária Marlene da Silva, que defende a contratação de mais médicos para suprir a exigência. Marlene deu entrada na UPA da Avenida 13 de Maio às 13h30, com sintomas de dengue. Apesar de ter passado pela recepção e pela triagem da unidade, até às 15h25, horário em que ela conversou com a reportagem, também não havia sido atendida.

Ela conta que, há seis meses, esteve na Unidade Básica Distrital de Saúde (UBDS) Central, na Avenida Jerônimo Gonçalves, Centro de Ribeirão Preto. Após receber diagnóstico de gripe, Marlene da Silva relata que passou mal com a medicação fornecida. Depois de confrontar a equipe médica que a atendeu, ela expõe que teve sua receita subtraída pelos funcionários. “Sumiram com a receita. O pessoal é estressado”, afirma.
Unidade de Pronto Atendimento da Avenida 13 de Maio é a única UPA em funcionamento em Ribeirão Preto
Segundo Luciano Bertipaglia Fiori, gerente médico avançado da Fundação Hospital Santa Lydia, que realiza a gestão da UPA e da UBDS Central, a demora relatada por Rubens Furlan nos processos do pré-cadastro e da triagem de seu filho não é normal e será verificada. “Salientamos que em dias com alto fluxo de pacientes, como foi a sexta-feira, 24 de maio, recebemos uma média de 50 pacientes por hora, nas horas próximas ao meio-dia. Tal fato pode gerar gargalos na recepção de pacientes”, pontua Luciano.

Quanto à reclamação de Marlene, Luciano relata que a receita pode ter sido recolhida com o objetivo de ser substituída por outra, para que, em caso de efeito adverso à medicação, a paciente não mais fosse medicada com o remédio original. Entretanto, cabe punição ao profissional que retirar receita médica do paciente fora da possibilidade levantada anteriormente. “Se confirmado o fato de subtração de receita médica, sob circunstâncias diversas da possibilidade especificada, cabe punição em âmbito ético e profissional”, diz.

CHÁ DE CADEIRA
Gerando filas de espera, obras importantes que poderiam desafogar o sistema de saúde de Ribeirão Preto, prometidas pelo atual prefeito Duarte Nogueira (PSDB), em campanha eleitoral de 2016, ainda não foram entregues. Três Unidades de Pronto Atendimento (UPA Oeste, no bairro Sumarezinho, UPA Norte, no bairro Quintino Facci II, e UPA Sul, na Vila Virgínia) e três Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs) continuam sem atender parcela significativa da população.
UPA Oeste, antiga UBDS Sumarezinho, foi entregue em dezembro de 2016, mas continua sem atender
A UPA Oeste foi projetada para funcionar no prédio da antiga UBDS Sumarezinho, na Rua Cuiabá, e passou por reformas entre fevereiro de 2015 e dezembro de 2016, quando foi entregue. Entretanto, dois anos e cinco meses após o fim da construção, ainda não há atendimentos. A falta de serviço nessa unidade, que tem área de abrangência de capacidade entre 100 e 200 mil pacientes, sobrecarrega outros postos de saúde e núcleos de Saúde da Família, como a UBDS Central e a UPA da 13 de Maio. Segundo informe da Secretaria da Saúde, a previsão para abertura da unidade é entre os meses de novembro e dezembro de 2019.
Secretário Sandro Scarpelini afirma que as obras da UPA Norte estão 60% concluídas
A UPA Sul, na Vila Virgínia, anunciada originalmente em 2014 e retomada em novembro de 2018, teve a construção aprovada pelo Ministério da Saúde, com projeto executivo pronto. A Secretaria da Saúde aguarda a publicação de portaria do Ministério habilitando as obras e liberando verba de R$ 3,1 milhões para o projeto. Já a UPA Norte está em obras desde 2014. De acordo com o secretário municipal Sandro Scarpelini, a unidade já está 60% construída, e a obra foi paralisada por problemas estruturais e financeiros deixados pela gestão anterior, da ex-prefeita Dárcy Vera (PSD). A estrutura, que tem previsão de retomada das reformas em agosto e início das atividades assistenciais em novembro ou dezembro de 2019, também terá área de abrangência de 100 a 200 mil pacientes e funcionará na Avenida General Euclides Figueiredo, no Quintino Facci II.
A UPA Norte, no bairro Quintino Facci II, está em construção desde 2014
O AME da Mulher, na Zona Norte de Ribeirão Preto, já está em funcionamento, de acordo com informações da Prefeitura. Segundo o Executivo, a antiga Mater recebeu os investimentos necessários e transformou-se no ambulatório, restando apenas a inauguração por parte do Estado. O AME Mais já tem terreno cedido na Vila Virgínia pelo Estado de São Paulo, mas o processo licitatório para a construção do ambulatório ainda está em andamento. O AME do Idoso, que seria construído ao lado do Hospital Estadual, na Avenida Independência, e foi anunciado em campanha como o primeiro a ser inaugurado, ainda depende de posicionamento do Governo do Estado, conforme nota da Prefeitura.

O QUADRO DA ATENÇÃO BÁSICA
Nas metas da Secretaria da Saúde de Ribeirão Preto para o intervalo entre 2018 e 2021, está previsto o crescimento das equipes da Estratégia Saúde da Família (programa base para políticas de atenção básica no País), que passaria de 45 para 60 equipes de Saúde da Família. Os grupos que compõem o Saúde da Família atualmente atendem 155.250 habitantes (ou 22,35% da população ribeirãopretana) — são os mesmos números de abrangência há três anos. Neste momento, três equipes estão em processo de credenciamento e ainda não podem atuar pelo município. Com 60 grupos do programa, Ribeirão Preto abrangeria 210 mil pessoas (equivalente a 30,23% da população).

Segundo Ana Paula Raizaro, coordenadora da Estratégia Saúde da Família na cidade, a Prefeitura tem feito ajustes na carga horária dos profissionais médicos baseado na Portaria Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, readequando as equipes. “Também é um desafio constante a formação e a manutenção das equipes com profissionais que apresentem atributos específicos para atuação nas Estratégias de Saúde da Família. O projeto para solicitar o credenciamento das novas equipes já foi aprovado pelos conselhos municipais e estaduais de saúde e no momento aguarda o credenciamento pelo Ministério da Saúde”, afirma Ana Paula.

A coordenadora ainda relata que a meta de aumento das equipes de saúde da família segue a necessidade e a possibilidade orçamentárias do município. Em nota, Ana Paula também declara que a reposição de profissionais da Estratégia perdidos nos últimos anos ocorrerá assim que possível, em cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal e de acordo com o limite máximo estabelecido pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) para gastos com recursos humanos.

SETOR PRIVADO CRESCE
Em 10 anos, as adesões a planos de saúde cresceram 29% em Ribeirão Preto. No mês de março de 2009, a cidade, que possuía 563.107 habitantes, registrou 223.215 beneficiários de assistência médica particular. Em março de 2019, com 694.534 habitantes, o município detinha 288.922 beneficiários da rede particular de saúde — o que corresponde a 41% da população ribeirãopretana. Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para Julio Paim, aumento na adesão de planos de saúde na região tem relação com as condições econômicas
Segundo Julio Paim, superintendente executivo e CEO da Unimed Ribeirão Preto, o aumento no número de beneficiários de planos de saúde na cidade ocorreu por conta dos índices econômicos favoráveis da região. “A taxa de cerca de 40% de população coberta por planos privados em Ribeirão Preto (ante os 24% de taxa nacional) tem relação direta com as condições econômicas da região, maior renda per capita, e empresas muito comprometidas com o oferecimento de planos corporativos aos seus funcionários”, diz Julio. 

Além de elencar as razões para a expansão do setor em Ribeirão, o representante da Unimed destaca também a importância de ter um plano de saúde na atualidade. “O plano de saúde privado deve ser sinônimo de tranquilidade e segurança nos cuidados de saúde das pessoas. Deve assegurar acesso regular aos recursos de forma ética e responsável, garantir todas as coberturas regulamentadas pela ANS e prover aos que os contratam recursos profissionais e tecnológicos compatíveis com as necessidades de saúde de cada indivíduo. Há ainda um efeito direto da participação dos serviços privados na redução dos gargalos presentes nos serviços públicos. Um alívio representativo para a população que tem o SUS como única opção”, declara. 
“Estamos em um momento de crise de financiamento do setor público, e essa crise tem reflexos”, destaca Amaury Lélis Dal Fabbro
Para o médico e professor do departamento de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Amaury Lelis Dal Fabbro, o crescimento do setor privado está ligado à falta de investimentos no SUS e aos problemas e excesso de demanda do sistema público. “Estamos em um momento de crise de financiamento do setor público e essa crise tem reflexos”, afirma o professor. “Existe uma sobrecarga de atendimentos na rede pública, que tem a ver com muitas pessoas perdendo o emprego, ficando sem o plano de saúde. Temos pelo menos 70% da população de Ribeirão Preto dependente do Sistema Único de Saúde. Ultimamente, com a crise do País, os investimentos da área da saúde não seguiram o aumento proporcional da população e a vinda de pacientes para o SUS. Essa sobrecarga acarreta filas de espera e dificuldades de internação e encaminhamento para especialistas. Diante disso, pessoas que têm condições estão optando por ter um plano de saúde”, completa Amaury. “A saúde é, sem dúvida, o bem mais precioso que uma pessoa pode ter. Logo, todo investimento feito para preservá-la tem importância singular na qualidade de vida das pessoas”, finaliza Julio Paim. 

Texto: João Pala || Fotos: Luan Porto.

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